A Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) divulgou as conclusões da auditoria à gestão do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que havia sido pedida pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins. Num relatório marcado por reparos, eis os principais pontos a destacar desta averiguação:
INEM com operadores abaixo do mínimo em mais de metade do ano desde 2022
Uma das conclusões da IGAS é de que o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM tem operado, desde 2022, com um número de operadores abaixo do mínimo em mais de metade do ano.
O relatório da auditoria, a que a Lusa teve acesso, revela que no primeiro semestre deste ano, nos turnos da noite e da manhã, os CODU foram assegurados com um número de operadores inferior ao previsto em mais de três em cada quatro dias (83,5%).
A IGAS sublinha que o turno da manhã (8h horas/16 horas) é o que apresenta maior taxa de chamadas abandonadas, segundo o documento.
Um em cada três veículos de emergência do INEM estava na oficina em outubro
A IGAS concluiu também que um em cada três veículos de emergência médica do INEM estavam parados na oficina em outubro, destacando ainda a antiguidade da frota.
A frota de emergência médica do INEM era no início de outubro composta por 524 veículos, 170 dos quais estavam na oficina, o que representa 33%.
Dos 524 veículos de emergência médica,76,7% têm data de matrícula até 2015 (inclusive), refere a IGAS, para quem a antiguidade da frota, bem como a utilização em condições bastante exigentes, "causa constrangimentos operacionais e aumento da despesa pública", tendo em conta a frequência e o valor da reparação e manutenção.
No período em análise, o Serviço de Helitransporte de Emergência Médica esteve operacional em 97,30 % das horas de funcionamento previstas.
A IGAS refere, contudo, que o tempo de inoperacionalidade aumentou no período entre 2021 e o final do primeiro semestre deste ano. Para isto contribuíram fatores como a avaria de aeronaves e de equipamentos, inspeção, manutenção, limpeza e troca de aparelho, assim como a falta de tripulação, ou seja, de equipa médica (médico e enfermeiro) e de piloto e o excesso de horas de voo.
INEM não foi transparente nos ajustes diretos dos helicópteros, diz IGAS
O relatório refere ainda que o INEM não foi transparente nos ajustes diretos "por necessidade imperiosa" nos serviços de helitransporte de emergência médica.
Na área das compras públicas, a IGAS recorda o processo de ajuste direto dos serviços de helitransporte de emergência médica, sublinhando que, na proposta de Resolução do Conselho de Ministros apresentada à tutela, em maio de 2023, o instituto "não acautelou um valor baseado em critérios objetivos e conducente com os preços praticados no mercado, embora os conhecesse em resultado da consulta preliminar ao mercado".
Esta questão, a par da demora (de maio a outubro) na aprovação da Resolução do Conselho de Ministros de outubro de 2023 e do Despacho de 8 de novembro de 2023, "veio a determinar a realização de um ajuste direto, por urgência imperiosa, com a única entidade que estava em condições de assegurar o início do serviço no dia 1 de janeiro de 2024".
Como consequência, segundo a IGAS, esta entidade aproveitou-se "da sua supremacia neste processo, tendo, em consequência, os níveis do serviço sofrido uma redução horária de 24 para 12 horas em dois dos quatro helicópteros ao serviço do Sistema Integrado de Emergência Médica".
A Inspeção-Geral lembra que foi por o concurso público ter ficado deserto que o INEM à atual tutela duas propostas de aprovação de uma nova Resolução do Conselho de Ministros, em 24 de abril e em 24 de maio, "com ajuste de valores resultantes de novas consultas ao mercado, considerando a necessidade de cobertura orçamental que viabilizasse um novo concurso público"
Diz igualmente que não existem evidências que o INEM tenha acautelado um adequado e atempado planeamento no lançamento dos procedimentos concursais para a aquisição dos serviços de gestão de frota", considerando que "era premente salvaguardar a continuidade da manutenção, assistência técnica e reparação das viaturas afetas ao Instituto".
Por esta razão, a IGAS tem dúvidas sobre a "verificação cumulativa" de todos os requisitos exigidos no Código da Contratação Pública, designadamente "a existência de acontecimentos imprevisíveis e imputáveis à entidade adjudicante, que justificasse o recurso a este tipo de procedimento".
"Observou-se, no entanto, que o Instituto seguiu as indicações dadas pela Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E. (SPMS, E.P.E.), para recorrer àquela tipologia de procedimento", enquanto era lançado o concurso público e, em simultâneo, se aguardava a publicação da Resolução do Conselho de Ministros a autorizar a despesa e a repartição anual dos encargos.
Diz ainda a IGAS que o INEM "não imprimiu a devida transparência na tramitação de procedimentos por ajuste direto, por urgência imperiosa, não tendo fundamentado clara e devidamente a decisão de contratar".
IGAS suspeita de ilegalidades nos cargos de direção em substituição
O relatório aponta ainda a suspeita de ilegalidades no exercício de cargos de direção intermédia durante vários anos em regime de substituição no INEM e a IGAS vai fazer uma inspeção extra a esta matéria.
A IGAS aponta sobretudo as situações relativas ao exercício destes cargos em regime de substituição "durante vários anos", assim como o "pagamento aos formadores internos".
"As situações apuradas podem ser indiciadoras da existência de ilegalidades, suscetíveis de configurar eventual responsabilidade disciplinar e financeira sancionatória", escreve a IGAS, anunciando uma ação inspetiva para apuramento "dos factos indiciados, do respetivo enquadramento, das circunstâncias de tempo e modo".
Há técnicos do INEM a entrar na carreira sem cumprir requisitos
Uma análise ao relatório revela também que a IGAS concluiu que há técnicos de emergência pré-hospitalar no INEM que ingressam na carreira sem ter os requisitos necessários.
A IGAS diz que o instituto não conseguiu assegurar a realização dos cursos de formação para os Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) nos termos em que foram aprovados. Aponta, designadamente, o prazo da realização desta formação (curso base) e a estrutura dos estágios em ambulatório ou bloco operatório, acrescentando que não foram concluídos todos os estágios em ambulância-escola por falta de recursos.
O documento refere que mais de 70% dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH), em setembro de 2024, não tinham concluído a formação específica aprovada e homologada pela tutela, "da qual depende a garantia da aquisição das competências específicas necessárias" ao bom desempenho de todas as funções na prestação de assistência. O acesso à categoria de coordenador da carreira especial de emergência pré-hospitalar decorrer "sem que tivesse sido garantida previamente a conclusão da formação específica", aponta ainda a IGAS.
STEPH pede investigação à gestão financeira e ajustes diretos
Rui Lázaro, presidente do STEPH, sublinhou que o projeto de relatório da auditoria aponta "no casos dos técnicos de emergência que o INEM tinha conhecimento dos valores praticados pelo mercado, que sugeriu ao Governo a disponibilização de uma verba inferior aquela que o mercado devia comportar, que depois veio terminar em ajustes diretos".
"Fica claramente a suspeita que foram provocadas pelo conselho diretivo anterior condições para existirem ajustes diretos", destacou.
Para o dirigente sindical, quer este relatório, quer o final, devem ser "encaminhados para o Ministério Público para o apuramento das respeitavas responsabilidades criminais", quer sobre a gestão financeira mas também estrutural do INEM, que "culminou nos atrasos que vieram a público e que podem ter contribuído para as recentes mortes", na sequência da falta de atendimento das chamadas de emergência.
A auditoria, recorde-se, avaliou quatro grandes áreas: meios de emergência médica, compras públicas, formação profissional e atração e retenção de trabalhadores em áreas críticas.
O projeto de relatório da auditoria, que ficou concluído sexta-feira, vai ser remetido ao INEM, para o exercício do contraditório, tendo a IGAS emitido 44 recomendações.
O novo conselho diretivo do INEM, presidido pelo militar Sérgio Dias Janeiro, entrou em funções no final de julho, substituindo o médico Luís Meira, que apresentou a demissão a Ana Paula Martins em 01 de julho, alegando a "quebra de confiança na atual tutela".
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