O criador do Football Leaks e autor das revelações do Luanda Leaks, que estava em prisão preventiva desde 22 de março de 2019, foi colocado na quarta-feira em prisão domiciliária, mas em habitações disponibilizadas pela Polícia Judiciária (PJ) e sem acesso à internet, com o despacho da juíza de instrução criminal (JIC) Cláudia Pina a justificar que o arguido apresenta "agora um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a justiça".
"Espero que a colaboração que agora está finalmente aberta entre as autoridades de investigação criminal e tributária e Rui Pinto permita recuperar rapidamente avultados ativos que foram desviados dos cofres públicos pela criminalidade organizada, financeira, fiscal e outra, que Rui Pinto expôs através dos Football Leaks e dos Luanda Leaks", refere Ana Gomes em declarações à agência Lusa.
Para a ex-eurodeputada "é um verdadeiro Portugal Leaks" que os portugueses podem esperar a partir de agora "para combater a corrupção e a criminalidade, e recuperar o que tem andado a ser roubado ao Estado, ou seja, a todos os portugueses que pagam os seus impostos".
Ana Gomes congratula-se com o acordo e a alteração da medida de coação, cumprimentando as autoridades judiciais e policiais, em particular a Polícia Judiciária, bem como os advogados de Rui Pinto, "por se ter concretizado a sua libertação, depois de mais de um ano de prisão preventiva excessiva e injusta".
No despacho judicial que ordena a alteração da medida de coação, a que a agência Lusa teve acesso, a JIC refere que, "analisando a pretensão" do arguido quanto à alteração da medida de coação e "as informações remetidas" pela PJ, constata-se que neste momento "encontram-se alteradas as exigências cautelares" relativas à aplicação da prisão preventiva, acrescentando que uma medida de coação menos gravosa "assegura de modo suficiente os perigos de fuga, de conservação da prova e de continuação da atividade criminosa".
"Por um lado, o arguido inverteu a sua postura, apresentando agora um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a justiça, por outro lado, neste momento as fronteiras encontram-se sujeitas a elevados controles devido à pandemia [da covid-19], o que por si reduz o perigo de fuga, importando também salientar que ao arguido deverão ser dadas, como a qualquer outro cidadão, as melhores condições possíveis para que se mantenha saudável e em segurança", justifica a juíza.
Na posse da investigação estão dez discos rígidos encriptados por Rui Pinto e aos quais a PJ ainda não conseguiu aceder.
Em janeiro, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu levar a julgamento o advogado Aníbal Pinto (apenas pelo crime de tentativa de extorsão à Doyen), e Rui Pinto por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, mas deixou cair 57 dos 147 crimes pelos quais o arguido havia sido acusado pelo Ministério Público (MP).
Contudo, a procuradora do MP Patrícia Barão recorreu da decisão instrutória para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), defendendo que o arguido deve ser julgado pelos 147 crimes que constam da acusação, aguardando-se ainda por essa decisão.
Em setembro de 2019, o MP acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, sete deles agravados, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República, e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.
Depois de ter sido detido na Hungria e enviado para Portugal, ao abrigo de um mandado de detenção europeu, Rui Pinto assumiu a entrega de um disco rígido à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África, que permitiu a revelação dos Luanda Leaks, um caso de corrupção relacionado com a empresária angolana Isabel dos Santos.