"As pessoas estão um bocado apreensivas, obviamente. Desde o início do surto que também tomámos medidas preventivas e não se vê praticamente ninguém nas ruas", disse à Lusa o presidente da Câmara Municipal das Lajes - um dos dois municípios da ilha -, Luís Maciel.
Para o autarca, a redução das ligações aéreas interilhas "a casos de força maior" - conforme anunciou o presidente do Governo Regional, Vasco Cordeiro, aquando da decisão em 19 de março - foi a medida "mais importante" e "decisiva" para evitar que o novo coronavírus chegasse às Flores.
Mesmo com as ligações áreas reduzidas, o autarca sinalizou que é "preciso continuar a acompanhar atentamente" a evolução do surto.
"Continuámos a ter ligações com o exterior. Apesar de estarem muito reduzidas só mesmo aos casos essenciais, continua a haver. Ainda tivemos algumas pessoas que tiveram no hospital em Ponta Delgada e que têm sido testadas. Não podemos estar completamente descansados", ressalvou.
Luís Maciel considera que esta foi uma das situações em que o isolamento "jogou a favor" da ilha mais ocidental do arquipélago, mas frisa ser "importante manter cuidados" quando se começar a retomar a normalidade.
"Vamos ouvindo que é previsível a nível nacional começar a retomar gradualmente certas atividades. É possível que isso aqui aconteça aqui, mas não estamos completamente isolados e não é impossível aparecer algum caso. É importante continuar a ter cuidados", apontou.
A maior preocupação para o bombeiro Fabiano Costa, do corpo de bombeiros de Santa Cruz das Flores, é que a população "baixe a guarda" nas medidas de proteção.
"É a minha preocupação, minha e a que qualquer cidadão deve ter. Por não ter havido nenhum caso confirmado nas Flores não quer vir a dizer que não possa acontecer. E é esta fase de abrandamento ou relaxe que pode provocar alguma situação, é disso que tenho receio", destacou.
Um receio que, para já, não se confirma, uma vez que a "maior parte" da população está em casa e a cumprir os "protocolos de higienização", segundo Fabiano Costa, que afirma que o corpo dos bombeiros está preparado para agir caso seja necessário.
"Nós estamos devidamente preparados e com bastante material de proteção individual para qualquer atenção. O nosso pessoal está tecnicamente habilitado a agir em conformidade", referiu.
Já Arlindo Lourenço, proprietário da maior cadeia de supermercados da ilha, afirmou que, apesar de não ter "quebras significativas" na faturação, está "revoltado" por não conseguir colmatar a ausência dos funcionários que se encontram em casa com os filhos.
"Estou em contraciclo com as empresas quase todas do país. Estou a tentar recrutar pessoal, a mandar ofertas para o centro de emprego e não consigo admitir pessoas. Tenho a responsabilidade de manter o estabelecimento aberto e não consigo dar resposta", explicou.
Para o empresário, a situação atual é "de longe pior" das que viveu quer em outubro de 2019, aquando da destruição do porto das Lajes pela passagem do furacão Lorenzo, quer entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020.
Durante esse período, a ilha ficou perto de um mês sem abastecimento marítimo devido às más condições climatéricas que impediram a operação das embarcações de tráfego local, responsáveis por assegurar o abastecimento após a destruição do cais comercial do porto.
"Quando o porto ficou destruído e ficámos sem produtos perdemos faturação, mas o trabalho diminuiu. Agora temos uma pressão de trabalho extra em cima de nós e não temos colaboradores para exercer as atividades", descreveu o empresário.
Arlindo Lourenço diz ser "descabido" paralisar a economia da ilha por um problema que não existe nas Flores, defendendo que as restrições deviam ser aplicadas "conforme o contexto de cada zona".
"Se querem começar a diminuir restrições nos locais infetados, por que é que ainda não aliviaram nos locais sem quaisquer infetados?", questionou.
Também a atravessar problemas, mas de diferente ordem, está Arménio Carneiro, detentor de um supermercado, um armazém de revenda e uma bomba de gasolina: "Nós apanhámos duas de seguida", disse, referindo-se à passagem do furacão (que causou mais de 330 milhões de prejuízos em toda a região) e às consequências económicas da pandemia.
Apesar de as vendas do supermercado irem "andando", nos outros estabelecimentos a diferença na faturação face ao mesmo período do ano passado é de menos 50 mil euros.
"Estou a ter prejuízo, mas primeiro do que tudo está a saúde, a minha e a dos meus concidadãos. Quem de direito é que deve tomar as iniciativas de abrir ou não a economia. Não somos nós que somos leigos nesses assuntos", assinalou.
Com menos de quatro mil habitantes, ilha das Flores é composta pelos concelhos das Lajes e de Santa Cruz, e constitui, juntamente com o Corvo, o grupo Ocidental, o mais distante em relação ao continente.
Entre as Flores e a ilha mais próxima do grupo Central, o Faial, distam mais de 220 quilómetros em linha reta.
Flores, Corvo e Santa Maria são as únicas ilhas dos Açores que não registam qualquer caso positivo de covid-19.