"As regras dentro dos aviões têm de ser as mesmas que dentro desta sala. O distanciamento social não é para cumprir nuns sítios e não cumprir em outros. Porque há o risco de se desacreditarem essas medidas. É necessária coerência. A economia é importante, os voos são importantes, mas têm de existir regras que são cumpridas nas outras áreas. A não ser que alguém cientificamente nos dissesse que os aviões são entidades diferentes", disse o António Sarmento.
O especialista em doenças infeciosas e medicina intensiva, que falava à Lusa à margem de uma sessão que juntou a Associação Empresarial de Portugal (AEP) e a Ordem dos Médicos (OM), analisou que "é muito difícil ponderar entre a saúde pública e a economia" porque, disse, "para não se morrer do vírus, há quem passe fome", mas pediu coerência, mas admitiu que a retoma dos voos é "assusta".
"As pessoas têm de ponderar entre a economia e a saúde pública e a sociedade tem de decidir o que prefere privilegiar. Sei que a economia é importante porque as pessoas sem dinheiro morrem à fome, mas são decisões muito difíceis", referiu,
O diretor de serviço de doenças infeciosas do HSJ, hospital do Porto no qual a 02 de março foi detetado o primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus em Portugal, sublinhou que "não tem uma fórmula mágica" e que "não sabe qual é a solução certa", mas lançou a pergunta: "Esta pandemia espalhou-se ao mundo em muitos poucos dias porquê?".
"Por causa dos voos intercontinentais constantes. Sem voos a epidemia não teria chegado a muitos sítios. Os voos são necessários, mas assusta-nos porque começa outra vez a haver contacto entre zonas que estão muito piores do que nós. Até aqui conseguimos uma boa contenção, mas este é o princípio das bases comunicantes. Se a pessoa abrir as comportas, a água nivela-se", afirmou.
Convidado a fazer um balanço sobre o combate à pandemia e a partilhar quais as suas principais preocupações para o futuro, António Sarmento que é também professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, elogiou o desempenho dos portugueses.
"O futuro ninguém o adivinha, mas até ao dia de hoje Portugal fez um trabalho notável e com resultados notáveis", considerou o especialista em doenças infeciosas e medicina intensiva, lamentando, no entanto, que as pessoas tenham "uma tendência um bocadinho mórbida de procurar pontos fracos e o que falhou".
"Numa doença nova que nos apanhou de surpresa e sobre a qual não se sabe nada, é evidente que nem tudo é bem feito desde o início. Apesar de se ter de liderar na incerteza, as coisas foram ponderadas e feitas de uma melhor maneira possível", concluiu António Sarmento.
O médico participou hoje na cerimónia de assinatura de um protocolo entre a AEP, a OM e o Centro Hospitalar Universitário de São João, que visa angariar donativos criar um novo Centro de Infeciologia no HSJ, no Porto, um projeto de 2,5 milhões de euros para tratamento, investigação e formação.
Esta iniciativa surge no âmbito da "SOS - Coronavírus", uma campanha criada pela AEP em março que tem como objetivo a angariação de fundos, cujos montantes são atribuídos atendendo às necessidades existentes no país, num processo articulado com a OM.
Portugal contabiliza 1.356 mortos associados à covid-19 em 31.292 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia divulgado na terça-feira.
Relativamente ao dia anterior, há mais 14 mortos (+1%) e mais 285 casos de infeção (+0,9%).
O número de pessoas hospitalizadas baixou de 513 para 510, das quais 66 se encontram em unidades de cuidados intensivos (menos uma).
O número de doentes recuperados é de 18.349.