No âmbito da acusação, que decorre de uma investigação da Polícia Judiciária de Aveiro desencadeada por uma denúncia, foi ainda acusado o assessor de imprensa, o ex-jornalista Miguel Gonçalves, por suspeita de falsificação de documento e alegado recebimento indevido de vantagem.
Também a chefe de Divisão de Administração e Conservação do Território da autarquia, Cláudia Nunes, e os três membros do júri que classificaram com 20 valores o candidato "irregular" constam do rol de acusados.
"A minha defesa está entregue a um gabinete de advogados. Tudo será esclarecido no local próprio", disse à Lusa o presidente da Câmara, Rui Marqueiro.
Miguel Gonçalves optou também por uma curta declaração, expressando confiança na Justiça: "Estou de consciência inteiramente tranquila por confiar na Justiça e na capacidade dos tribunais para não se deixarem capturar por lutas político-partidárias."
A tese do Ministério Público (MP) é a de que os acusados recorreram ao programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no setor empresarial do Estado (PREVPAP) para garantir a entrada irregular de Miguel Gonçalves no quadros de pessoal da autarquia, apesar de não reunir as condições mínimas.
Nesse processo, segundo o despacho de acusação, a que a Lusa teve acesso, praticaram diversos crimes, mesmo estando conscientes da ilicitude das suas ações.
O MP considera que "houve um abuso de poderes funcionais, instrumentalizando-os para finalidades contrárias à lei".
Miguel Gonçalves, segundo documentos apensos ao processo, não reunia condições para beneficiar do PREVPAP por ser funcionário de uma empresa que prestava assessoria à autarquia na área da comunicação, a Neurónio Dourado.
Entre 2015 e 2018 esta empresa, que tinha como único funcionário o ex-jornalista, faturou 239 mil euros a outras entidades e empresas, nomeadamente à Fundação Mata do Buçaco, cujo principal financiador é precisamente a autarquia da Mealhada.
Durante esse período, a Neurónio cobrou também pouco mais de mil euros por mês à Câmara, dois terços menos do que cobrava à fundação.
Ainda segundo a tese da MP, Rui Marqueiro quis aproveitar o PREVPAP para integrar Miguel Gonçalves nos quadros da Câmara.
Confrontado com a lista de 17 pessoas elegíveis para o programa, onde não constava Miguel Gonçalves, Marqueiro terá alegadamente afastado do processo a chefe da Divisão Administrativa e Jurídica, entregando a Cláudia Nunes a responsabilidade da seleção dos candidatos.
Terá sido ela, alega o MP, a assinar um parecer que tornava Gonçalves elegível para o programa. Com base nesse documento foi pedido à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional outro parecer, que permitiu manter o assessor de imprensa no lote de candidatos, apesar de não reunir, à partida, as condições mínimas.
No concurso, que teve como jurados um outro chefe de divisão, um jurista e uma assessora da reitoria da Universidade de Coimbra, Miguel Gonçalves foi classificado com 20 valores.
A situação foi denunciada na Câmara e na Assembleia, por Hugo Alves e outros elementos do PSD, mas a entrada de Gonçalves nos quadros da autarquia acabaria ratificada pelo volto de Rui Marqueiro e de três vereadores eleitos pelo PS: Guilherme Duarte, Arminda Martins e Nuno Canilho.
Rui Marqueiro é agora acusado de prevaricação, abuso de poder e falsificação de documento. Sobre os vereadores recai a acusação de prevaricação.
Cláudia Nunes vai responder por duas acusações de falsificação de documentos e abuso de poder. Miguel Gonçalves é suspeito de falsificação de documento e alegado recebimento indevido de vantagem.
Os três jurados foram também acusados de falsificação de documento e abuso de poder.