Depois de o Tribunal Constitucional ter anunciado o chumbo da lei da eutanásia, o Presidente Marcelo anuncia, numa curta nota publicada ao final da tarde no site da Presidência da República, que "veta a lei da eutanásia".
"Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional de hoje, que considerou inconstitucionais normas do diploma submetido a fiscalização preventiva da constitucionalidade", o chefe de Estado "devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, (...) o Decreto da Assembleia da República que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal."
A Constituição determina que, perante uma declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o diploma deverá ser vetado pelo Presidente da República e devolvido, neste caso, ao Parlamento, que poderá reformulá-lo expurgando o conteúdo julgado inconstitucional ou confirmá-lo por maioria de dois terços.
No requerimento enviado ao Tribunal Constitucional há 25 dias, em 18 de fevereiro, o chefe de Estado sustentou que os conceitos de "sofrimento intolerável" e de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" utilizados no artigo 2.º, n.º 1, do diploma do parlamento são "altamente indeterminados".
Marcelo Rebelo de Sousa invocou a violação dos princípios da legalidade e tipicidade criminal e da proibição de delegação em matéria legislativa, estabelecidos, respetivamente, nos artigos 29.º, n.º 1, e 112.º n.º 5, da Lei Fundamental.
Apesar de o Presidente declarar no seu pedido que não estava em causa "saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme a Constituição", o Tribunal Constitucional entendeu tomar posição sobre essa questão de fundo, considerando que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Lei Fundamental não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar em determinadas condições a antecipação da morte medicamente assistida.
O artigo 2.º, n.º1, do diploma aprovado no dia 29 de janeiro na Assembleia da República estabelece que deixa de ser punida a "antecipação da morte medicamente assistida" verificadas as seguintes condições: "Por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
O Tribunal Constitucional deu razão ao Presidente da República apenas no que respeita à "insuficiente densidade normativa" do conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico".
Segundo o tribunal, por falta de "densidade normativa", o artigo em causa viola "o princípio da determinabilidade da lei corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, por referência à inviolabilidade da vida humana, consagrada no artigo 24.º da mesma Lei Fundamental".
O artigo 2.º da Constituição descreve a República Portuguesa como "um Estado de direito democrático", baseado "no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais". O artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Lei Fundamental estabelece que "é da exclusiva competência da Assembleia da República" legislar sobre "direitos, liberdades e garantias".
Esta foi a segunda vez que Marcelo Rebelo de Sousa recorreu ao Tribunal Constitucional desde que assumiu a chefia do Estado, em 09 de março de 2016, e a segunda vez que vetou um diploma por inconstitucionalidade.
Sobre a eutanásia, quando surgiram iniciativas legislativas, o chefe de Estado defendeu que deveria haver um amplo e longo debate na sociedade portuguesa, mas recusou sempre revelar a sua posição pessoal e antecipar uma decisão - promulgação, veto ou envio para o Tribunal Constitucional - antes de lhe chegar algum diploma.
Votaram a favor deste diploma a maioria da bancada do PS, 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, todos os do BE, do PAN, do PEV, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Votaram contra 56 deputados do PSD, nove do PS, incluindo o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, todos os do PCP, do CDS-PP e o deputado único do Chega, André Ventura.
Numa votação em que participaram 218 dos 230 deputados, com um total de 136 votos a favor e 78 contra, registaram-se duas abstenções na bancada do PS e duas na do PSD.
[Notícia atualizada às 20h11]
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