No acórdão, de mais de 120 páginas, hoje divulgado, é sublinhada a necessidade de uma lei para a despenalização da morte medicamente assistida ter de ser "clara, de modo a permitir um juízo igualmente claro quanto à respetiva legitimidade constitucional", para não pôr em causa a "inviolabilidade da vida humana", consagrada na Constituição.
Segundo os juízes, os partidos podiam ter utilizado "outros conceitos, muito mais comuns na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plasticidade, seriam prontamente apreensíveis quando associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável".
O texto refere o exemplo da "lesão incapacitante ou que coloque o lesado em situação de dependência", definida na Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, base II, alínea i).
Esta lesão era definida como "a situação em que se encontra a pessoa que, por falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, resultante ou agravada por doença crónica, demência orgânica, sequelas pós-traumáticas, deficiência, doença incurável e ou grave em fase avançada, ausência ou escassez de apoio familiar ou de outra natureza, não consegue, por si só, realizar as atividades da vida diária".
A seguir, são citadas as justificações da lei da eutanásia em Espanha -- ainda em processo de conclusão -- e que é citada no original, em castelhano.
Aí, é definido um "sofrimento grave, crónico e impossibilitante" que tem, no doente, um impacto "sobre a sua autonomia física e atividades da vida diária, de maneira que não pode valer-se a si mesma, assim como sobre a sua capacidade de expressão e relação, associado a um sofrimento físico ou psíquico constante e intolerável", havendo, "com segurança ou grande probabilidade, que tais "limitações persistam no tempo sem possibilidade de cura e melhoras apreciáveis".
Em alguns casos, este "sofrimento grave, crónico e impossibilitante" pode "presumir a dependência absoluta de apoio tecnológico", ainda segundo o diploma espanhol.
No acórdão, são ainda dados exemplos de "uma mais cuidada e fina densificação dos conceitos (indeterminados)" que, em si mesmos, são constitucionais.
É o caso do direito penal e o direito civil, "no que se refere à avaliação de incapacidades por acidentes de trabalho ou doença profissional e à avaliação da incapacidade e do dano corporal em direto civil, para efetivação do direito à reparação, em casos de sinistro, doença ou lesão".
Para o TC é "possível, desejável e exigível uma maior densificação" quanto ao conceito de `gravidade extrema´ da lesão, "designadamente por referência às lesões corporais e às lesões funcionais" e quanto à "afetação da capacidade, temporária ou permanente para o trabalho".
O Tribunal Constitucional (TC) chumbou hoje, por uma maioria de sete juízes contra cinco, a lei sobre a morte medicamente assistida, em resposta a um pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República.
Os juízes analisarem se os conceitos de "sofrimento intolerável" e "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" tinham ou não "caráter excessivamente indeterminado", dando razão ao Presidente da República apenas relativamente ao segundo conceito.
No seu pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma do parlamento sobre esta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que a norma principal da lei utilizava "conceitos altamente indeterminados", e escreveu que não estava em questão "saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme a Constituição".
No entanto, o Tribunal Constitucional entendeu tomar posição sobre essa questão de fundo, considerando que a inviolabilidade da vida humana consagrada na Constituição não constitui um obstáculo inultrapassável para se despenalizar em determinadas condições a antecipação da morte medicamente assistida.
O diploma foi aprovado com votos a favor da maioria da bancada do PS, 14 deputados do PSD, incluindo o presidente do partido, Rui Rio, todos os do BE, do PAN, do PEV, o deputado único da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.
Face à declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República já vetou o diploma, devolvendo-o ao parlamento.
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