O juiz alegou em sede disciplinar no Conselho Superior da Magistratura (CSM) que, "de todos os factos que o inspetor extraordinário trouxe para este processo [disciplinar], resulta claramente que a sua grande preocupação" foi ligá-lo [a Vaz das Neves] "toda a atividade, alegadamente ilícita ou ilícita", do desembargador Rui Rangel [já expulso da magistratura] sem que tenha sido produzida prova desses factos".
"As meras conjeturas, as meras convicções assentes em puras abstrações, sem prova realizada neste processo disciplinar, são aquilo que de mais grave e perigoso pode existir para sustentar uma acusação. E, pior do que isso, uma condenação", argumentou Vaz das Neves, que no processo-crime foi acusado pelo Ministério Público do crime de corrupção passiva para ato ilícito e do crime de abuso de poder.
Após justificar e explicar com detalhe as razões pelas quais houve três distribuições manuais (e não informáticas ou aleatórias) no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), quando era presidente do TRL, envolvendo recursos relativos ao empresário de futebol José Veiga, ao jornal Correio da Manhã versus Rangel e o empresário angolano Álvaro Sobrinho, Vaz das Neves - que enfrenta a eventual sanção de aposentação compulsiva - disse esperar que o CSM, com "saber e independência", analise cuidadosamente o processo disciplinar e o ilibe.
"Sou um homem sério e com provas dadas ao longo de toda a minha vida profissional, tendo sido a minha dignidade, como valor pessoal, aquilo que sempre pautou a minha conduta, seja como homem, seja como magistrado", disse, acrescentando que sempre julgou com imparcialidade e manifestando-se surpreendido com a "situação kafkiana" que agora envolve o seu "bom nome".
"Hoje está a acontecer comigo, amanhã poderá estar a acontecer a qualquer um de vós", declarou, dirigindo-se aos conselheiros que o ouviam no âmbito do processo disciplinar, transmitindo a ideia que a distribuição manual de processos não ocorreu só no TRL por razões específicas ligadas ao funcionamento do tribunal e da justiça em geral.
"Todos nós aqui presentes sabemos que os atos de gestão têm de ser analisados à luz do momento em que ocorreram e não posteriormente, porque correm o risco de ficarem descontextualizados. Como é que alguém pode pôr em causa, sem razões fundamentadas e provadas, a seriedade com que foram levados a cabo estes atos de gestão?", questionou.
Depois de justificar os motivos que levaram à distribuição manual e não aleatória de três recursos, Vaz das Neves respondeu à questão de ter realizado arbitragem (resolução privada de conflitos em tribunal arbitral), dizendo não ter tido conhecimento de uma deliberação do CSM de março de 2016 sobre este assunto.
"Sucede que essa deliberação não foi devidamente publicitada pelos magistrados e, no que a mim respeita, dela não tive conhecimento a não ser já no decurso deste processo disciplinar", alegou Vaz das Neves em sua defesa, depois de uma longa intervenção técnico-jurídica do seu advogado, José António Barreiros.
Segundo relatou, a sua função no processo arbitral foi "pública e até noticiada desde o seu início", não tendo sido escondida. Alegou ainda que a função de "árbitro em Tribunal Arbitral não interfere com a independência de um magistrado jubilado", que é o seu caso, desde julho de 2016.
Em contraponto, e na acusação do processo-crime da Operação Lex, o MP concluiu que o juiz Rui Rangel pediu a Vaz das Neves para que um recurso do empresário ligado ao Benfica José Veiga fosse distribuído manualmente a Rui Gonçalves.
Rui Rangel foi acusado de corrupção passiva para ato ilícito, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, usurpação de funções, fraude fiscal e falsificação de documento, Luís Vaz das Neves está acusado de corrupção passiva para ato ilícito e abuso de poder e o empresário José Veiga de corrupção ativa para ato ilícito.
A acusação entende que, ao ordenar a distribuição manual, Vaz das Neves violou e desrespeitou o princípio do juiz natural e os deveres de isenção e imparcialidade, em conivência com Rui Rangel e José Veiga.
Semelhante conduta foi imputada a Vaz das Neves em outros processos, incluindo uma ação civil onde Rui Rangel era parte e no processo de arresto de bens do empresário Álvaro Sobrinho que foi distribuído ao próprio Rui Rangel.
Poucos dias depois, José Veiga transferiu 30 mil euros para a conta do arguido Bernardo Santos Martins, um dos alegados testas-de-ferro de Rui Rangel.
Em julho de 2013, o relator Rui Gonçalves deu provimento integral ao recurso de José Veiga, absolvendo-o dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais de que foi acusado em primeira instância.
Dias mais tarde, novamente através da empresa International Services Congo SARL, o ex-dirigente do Benfica efetuou mais uma transferência de 50 mil euros para a conta de Bernardo Santos Martins, que está acusado de fraude fiscal, branqueamento de capitais, e oito dias depois outra transferência de 54 mil euros, seguida de outra de 51 mil euros, entre outras.
Segundo a acusação, as contas bancárias do advogado Santos Martins e do seu filho Bernardo serviram durante vários anos para fazer circular o dinheiro de Rangel e de outras arguidos do processo, entre as quais a juíza e sua mulher Fátima Galante (estão separados sem divórcio formalizado).
Na Operação Lex, em que está também acusado o oficial de justiça Octávio Correia, estão em causa crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento.
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