Provedora defende lei autónoma para responder a emergências sanitárias

Portugal precisa de uma nova lei que regulamente situações de emergência como a criada pela pandemia, sem os limites de vigência temporal impostos pelo estado de emergência constitucional, defendeu a Provedora de Justiça.

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© Filipa Bernardo / Global Imagens 

Lusa
20/05/2021 18:49 ‧ 20/05/2021 por Lusa

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A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, divulgou hoje três documentos, intitulados Cadernos da Pandemia, um dos quais dedicado ao Estado de Direito e os problemas identificados no decurso da pandemia e da instauração do estado de emergência constitucional como instrumento jurídico para enquadrar as medidas de combate à crise sanitária provocada pela covid-19.

A determinação constitucional de avaliação, e eventual renovação, a cada 15 dias do estado de emergência conferem um prazo de caducidade às decisões políticas que comprometem a adesão e a confiança dos cidadãos às medidas, defendeu a Provedora de Justiça.

"É inevitável que tal aconteça, quanto mais não seja porque se torna assim dificílimo acompanhar a sucessão vertiginosa das decisões", afirmou Maria Lúcia Amaral.

A Provedora defende que "tem feito falta, por isso, um instrumento jurídico que ordene para além dos quinze dias ou que dure para além deles", o qual, por essa razão, "não pode senão conter quadros gerais, definidos de forma suficientemente dúctil de modo a poder acomodar a regulação precisa das medidas que a variabilidade territorial e/ou temporal das circunstâncias venha a exigir".

"Precisamos de uma Lei. De uma lei que indique, em contexto de grave crise sanitária como a que estamos a viver, quais os quadros gerais de atuação que podem vir a ser seguidos e de que modo é que eles podem vir a ser, depois, executados", afirmou.

No entendimento de Maria Lúcia Amaral, o decretar do estado de emergência pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nos primeiros momentos da pandemia e em novembro de 2020 revelam um "receio fundadíssimo" de que sem esse quadro legal em vigor não houvesse enquadramento para exigir o cumprimento de medidas de confinamento e outras restrições de direitos impostas.

"Todavia, uma coisa é o aferir-se da necessidade de instauração do estado de exceção constitucional por as leis já existentes, e escritas muito antes da pandemia, serem insuficientes para sustentarem a adoção de medidas de 'confinamento'; e outra, completamente diferente, é o dizer-se que, em quaisquer circunstâncias, nunca nenhuma lei as poderá vir algum dia a autorizar ou habilitar, pelo que só mediante a declaração de estado de emergência poderão tais medidas legitimamente impor-se", defendeu a Provedora.

Maria Lúcia Amaral lembra os enquadramentos jurídicos de França, Itália e Alemanha, onde a emergência constitucional se direciona a responder a ameaças políticas ao normal funcionamento das instituições e a atacar "a alma do Estado", tendo o combate à pandemia sido guiado por leis autónomas de saúde pública e proteção civil, que pela excecionalidade foram atualizadas para poderem continuar a enquadrar a resposta à crise sanitária.

"Neste contexto, em que o condicionamento dos comportamentos sociais tem que durar o tempo que for sanitariamente exigido e não o tempo que for politicamente conveniente, a necessidade da tomada de decisões de curtíssima duração perde a lógica que o artigo 19.º, n.º 5, da Constituição inicialmente lhe tinha dado", defendeu a Provedora, referindo-se ao artigo constitucional que determina uma reavaliação quinzenal do estado de emergência.

Maria Lúcia Amaral defende ainda uma reposição de equilíbrio com a devolução do papel legislativo à Assembleia da República neste quadro de emergência.

"Ao longo de todo este ano fomos combatendo a pandemia através de decretos e de resoluções. Decretos do Presidente a declarar ou a renovar a declaração o estado de emergência; resoluções da Assembleia da República a autorizar, sem mais, as declarações presidenciais; decretos ou resoluções do Governo a regulamentá-las. Muitas vezes no espaço público foi apresentada a ideia segundo a qual haveria sempre um 'continuum' a equilibrar todos estes atos. Mas não há", lê-se no documento da Provedora.

"Entre o momento da regulação administrativa emitida pelo Governo e o momento da decisão política da maior gravidade tomada pelos decretos presidenciais há um elo que falta: o do momento legislativo, que é o próprio do parlamento", acrescenta Maria Lúcia Amaral, que defende que "talvez o suprir desse elo que nos tem faltado contribuísse para repor o equilíbrio que o surgimento da pandemia tão abruptamente suspendeu".

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