"A última intervenção, antes do incêndio, foi nos dias 05, 06 e 07 de junho [de 2017], em toda a EN 236-1", afirmou Rogério Mota, responsável pela coordenação do serviço de assistência e manutenção da subconcessão do Pinhal Interior e da concessão da Grande Lisboa.
O arguido falava esta tarde no julgamento do Tribunal Judicial de Leiria para apurar as responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, que hoje prosseguiu na Exposalão, concelho da Batalha.
Rogério Mota, assim como outros dois funcionários da Ascendi -- José Revés e Ugo Berardinelli -- estão acusados de 34 crimes de homicídio e sete crimes de ofensa à integridade física, cinco deles graves, todos por negligência.
Segundo o Ministério Público, estes arguidos eram responsáveis pela gestão e manutenção da EN 236-1 (a subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível).
O arguido explicou que o seu trabalho era "assegurar todo o serviço de assistência aos utentes, para garantir as condições do contrato de concessão, dos manuais de operação e de manutenção e do plano de controlo de qualidade".
Segundo Rogério Mota, a gestão de combustível era feita numa faixa de cinco metros.
Confrontado pela procuradora da República Ana Mexia com fotografias da estrada, em quilómetros onde foram encontradas vítimas mortais, imagens que apresentavam vegetação e árvores a ladear a estrada "a menos dos tais cinco metros", o arguido salientou que quanto às árvores, o trabalho "era feito na ótica da segurança rodoviária".
"Cortávamos as árvores que estivessem em mau estado fitossanitário", garantiu, precisando depois com as que estavam doentes ou secas, para acrescentar depois: "Não víamos perigo naquela estrada, perigo de incêndio".
Sobre a empresa que fazia esses trabalhos de gestão de combustível, a Vibeiras, garantiu que cumpriu a obrigação, além de que o serviço de assistência e vigilância da Ascendi acompanhava os trabalhos, através de percursos periódicos. "Poderia dizem-se que eram diários", referiu.
Da parte da manhã, diretor de Operação e Manutenção da Ascendi, Ugo Berardinelli, revelou que alertou por diversas vezes a comissão executiva da empresa sobre o decreto-lei que prevê a gestão de combustível florestal num perímetro de 10 metros.
"Questionei por diversas vezes, em 'e-mails' enviados que constam na minha contestação, se iríamos cortar os 10 metros e depois de consultar o decreto-lei chamei a atenção por várias vezes, mas mantiveram-se sempre os cinco metros, decisão validada pelo departamento jurídico. Não tinha autonomia para decidir", contou o arguido.
Segundo o acusado, "o que estava estabelecido no contrato de manutenção florestal entre a Ascendi e a Vibeiras, prestadora de serviços, é que tinha de cortar cinco metros para lá da faixa de rodagem, na subconcessão do Pinhal Interior"
O responsável acrescentou que se algum município solicitasse uma intervenção adicional a empresa fá-lo-ia. "A comissão executiva nunca recusou qualquer pedido", garantiu, referindo ainda que "nunca chegou nenhuma comunicação da Câmara de Pedrógão Grande" a solicitar a gestão de combustível.
O julgamento para determinar responsabilidades nos incêndios de Pedrógão Grande, nos quais o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal, tem 11 arguidos.
Aos arguidos são imputados crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, dois funcionários da EDP e três da Ascendi, e o ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes.
Os presidentes das Câmaras de Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, Jorge Abreu e Valdemar Alves, respetivamente, também foram acusados.
O antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão igualmente entre os arguidos.
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