Após quase dois anos atípicos, devido à pandemia da Covid-19, as crianças voltaram à escola em plena terceira (e última) fase de desconfinamento. Contudo, apesar de as máscaras terem sido dispensadas em muitos locais, as restrições à lotação e aos horários terem caído e até as discotecas terem aberto, nos estabelecimentos de ensino ainda há várias regras a cumprir, como é o caso do uso de máscara a partir do 2.º ciclo, o distanciamento físico, horários de entrada e saída alternados e outras recomendações da DGS - como o facto de os pais terem de deixar as crianças à porta das instalações -, que estão a ser tomadas como obrigatórias por algumas direções.
Para alguns pais e psicólogos, estas medidas são preocupantes e comprometem o bem estar das crianças. Tanto que um grupo de encarregados de educação decidiu criar o movimento ‘Assim não é escola’ a favor do bem-estar emocional dos filhos no regresso às aulas.
Ao Notícias ao Minuto, uma das fundadoras, Ana Sanches, criadora de conteúdo digital e da conta de Instagram Dido&Co., seguida por mais de 32 mil pessoas, começa por explicar que o movimento surgiu “como reação de um grupo de pais às medidas impostas no ano letivo passado” e depois de ter sido publicado um artigo público, “assinado por vários profissionais preocupados com o impacto das medidas, que deu também origem a uma carta aberta para a Ordem dos Psicólogos que teve quase 200 assinaturas de psicólogos”.
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Defende Ana que o grande objetivo do grupo é “realçar que não podemos impor medidas a crianças e jovens sem pesar bem o custo emocional de cada uma”, ou seja, “alertar para o impacto que estas medidas podem ter no desenvolvimento de crianças e jovens tem sido sempre o nosso principal foco”, salvaguarda.
Uma das questões que mais tem revoltado os pais é o facto de estes não poderem entrar nas instalações das escolas, nem fazer o acompanhamento dos filhos.
Sobre esta recomendação da DGS, Ana considera que é através dos pais - que são as figuras de referência das crianças -, que os mais novos aprendem a relacionar-se com as pessoas e com os lugares novos, ou seja, “procuram nos pais a informação necessária para saber se as pessoas e os sítios são seguros”. Por isso, quando passam muito tempo longe dessas figuras, “o seu sistema de alarme é ativado e isso pode ter consequências graves para o seu desenvolvimento emocional, cognitivo e até físico, se este alarme se mantiver com demasiada frequência”.
Para combater esta ‘insegurança’, que normalmente, ocorre até aos cinco anos, defende a influencer, os pais precisam de ajudar os filhos a “criar essa ligação com os adultos que irão ficar com eles durante o dia” até que estes também se tornem numa figura de referência.
“São os pais que têm de fazer a transferência do apego. Mas não é possível fazer isto se os pais não tiverem tempo para estar na presença dessas pessoas, para falar com elas, para mostrar que são de confiança e que é seguro para a criança estabelecer uma relação com elas”, esclarece.
Com a infância não se pode brincar, e todas as medidas que têm sido tomadas têm-no sido com base em presunções pessoais e políticas, e totalmente desprovidas de fundamento científico e profissionalEntre outras recomendações/orientações da DGS combatidas por estes pais, está “a forte recomendação da DGS” de utilização de máscara por parte das crianças entre os 6 e os 9 anos e para todas do 1.º ciclo, independentemente da idade; a impossibilidade de as crianças levarem brinquedos ou outros artigos de transição para a escola; e o distanciamento físico “e social” entre todas as crianças, “que são obrigadas a brincar em círculos, a alimentarem-se separadamente nos refeitórios, a não se aproximarem dos colegas”.
Para este grupo de pais, o uso de máscaras entre crianças dos 10 aos 12 anos, além de não ser feito “de forma adequada” é “bastante prejudicial pelas dificuldades de comunicação e de identificar as emoções que elas [as máscaras] provocam”.
“Mesmo acima dos 12 anos, em muitos países (por exemplo, na Holanda, Inglaterra, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Bélgica, Suíça) não são usadas na sala de aula (onde mais necessitam ouvir e serem bem ouvidas), mas apenas nos corredores quando nos intervalos se acumulam todas as turmas. O uso de máscara por parte dos cuidadores das crianças pequenas também está a atrasar o desenvolvimento da linguagem em muitas crianças e a dificultar bastante a criação de uma ligação entre essas crianças e os adultos”, argumenta Ana, acrescentando que o uso constante de álcool gel também pode ter um impacto bastante negativo na saúde das crianças pois “destrói as bactérias das mãos que são essenciais para um microbioma saudável”.
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Apesar do movimento ‘Assim não é Escola’, já contar com quase 9 mil seguidores, no Instagram, e de a Petição Pública já ter sido assinada por quase 8 mil pessoas, entre algumas caras bem conhecidas, como a atriz Sara Prata, a DGS ainda não respondeu ao “envio massificado de uma Carta Aberta” enviada por estes pais. Contudo, o grupo, ainda não perdeu a esperança e tem-se feito ouvir, não só nas redes sociais, como em vários meios de comunicação social.
“Exigimos que a DGS não assuma a posição de legislador e que não faça crer que as suas orientações e fortes recomendações são de carácter vinculativo, mas também que cumpra o Princípio da Legalidade a que está vinculada e que respeite e faça respeitar os Direitos Fundamentais das Crianças vertidos em instrumentos jurídicos de hierarquia superior, como sejam a nossa Constituição e a Convenção sobre os Direitos das Crianças, e que refletem uma visão da criança que vigora plenamente em Portugal, e em relação à qual as orientações propostas são absolutamente contrárias”, atira Ana, aproveitando para explicar que, apesar de a maioria destas medidas serem apenas “recomendações”, as escolas “têm tendência a acreditar que as devem cumprir”.
“Acreditamos que este tema é demasiado importante para que seja deixado ao critério de cada escola sabendo que nem todas terão o mesmo bom senso. Temos muito bons exemplos de autoridades de saúde de países europeus que veiculam informação correta e que recomendam medidas que respeitam as crianças pelo que queremos que a DGS corrija a sua conduta”, exige o grupo.
Ao Notícias ao Minuto, Ana Sanches sublinha ainda que o movimento pretende “sensibilizar a sociedade civil, os organismos públicos e privados, o Governo, todos, sobre o impacto que as medidas que têm sido aplicadas em contexto escolar estão a ter na saúde emocional e mental das crianças. Com a infância não se pode brincar, e todas as medidas que têm sido tomadas têm-no sido com base em presunções pessoais e políticas, e totalmente desprovidas de fundamento científico e profissional”, remata.
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