O advogado do antigo primeiro-ministro, Pedro Delille disse à Lusa que o inquérito realizado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) à atribuição deste caso, em setembro de 2014, ao juiz Carlos Alexandre reconheceu que foi feita em violação do juiz natural, princípio que garante a imparcialidade e a independência de quem vai apreciar o processo.
"O CSM deixa 'preto no branco' que houve violação do juiz natural. Porém, para o CSM não passa de uma mera irregularidade procedimental", criticou Pedro Delille, revelando que só a semana passada é que a defesa conseguiu ter acesso à conclusão deste inquérito.
Segundo o advogado, o CSM recusou durante cinco meses a José Sócrates a entrega das conclusões deste inquérito, tendo sido necessário recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que ordenou que fosse entregue a documentação.
De acordo com Pedro Delille, a atribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre foi executada por uma funcionária judicial sem a presença de nenhum dos dois juízes que então integravam o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). Alegou ainda que esta funcionária que fez a distribuição "já vinha a trabalhar com Carlos Alexandre há anos" em outro tribunal e que "não era ela que estava para ser nomeada escrivã do TCIC" em setembro de 2014.
No entender do advogado, a distribuição do processo foi feita por uma funcionária judicial "da absoluta confiança do juiz Carlos Alexandre".
Pedro Delille lamentou ainda que o órgão máximo de gestão e disciplina da magistratura judicial considere que o sorteio eletrónico dos processos seja obrigatório, mas depois não retire as devidas consequências quando tal não acontece.
O advogado de José Sócrates lembrou que o juiz de instrução Ivo Rosa considerou que havia uma nulidade insanável na forma como o processo foi entregue ao seu colega Carlos Alexandre, mas em vez de tirar consequências, "chutou para canto".
Segundo Pedro Delille, em termos de imagem da justiça portuguesa, é importante que tudo o que se passou em relação a esta entrega do processo Operação Marquês a Carlos Alexandre "seja esclarecido" pela justiça, tanto mais que o órgão de gestão dos juízes reconheceu que houve violação do juiz natural, pelo que "é a imparcialidade e a independência da justiça que estão em causa".
O advogado do ex-primeiro-ministro admitiu ainda que esta questão possa vir a ser evocada pela defesa no decurso do processo, uma vez que se trata de "uma nulidade absoluta".
Entretanto, em carta aberta ao CSM divulgada hoje pelo Diário de Notícias, José Sócrates afirmou que "o relatório admite, finalmente, que (...) a distribuição do processo Marquês foi manipulada e falsificada".
"Não foi feita por sorteio, não foi feita com a presidência de um juiz, não foi feita de modo a garantir igualdade na distribuição de serviço", realçou o antigo primeiro-ministro, sublinhando que aquilo que aconteceu no dia 09 de setembro de 2014 "foi uma trapaça jurídica com o objetivo de escolher, de forma arbitrária, o juiz do caso".
"Irregularidade procedimental? Não, senhores conselheiros, o que aconteceu não foi uma irregularidade, mas uma manipulação gravíssima da escolha do juiz por forma a tornar o todo o processo judicial num jogo de cartas marcadas", escreveu José Sócrates na carta aberta.
José Sócrates tinha sido acusado neste processo pelo Ministério Público, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. No entanto, na decisão instrutória, em abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar José Sócrates de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o, para ir a julgamento, por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.
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