Em declarações à Lusa, a pedopsiquiatra Margarida Crujo alertou que é preciso perceber "o que os mais novos já sabem" sobre o que é a guerra e o que se está a passar entre a Rússia e a Ucrânia, e responder às perguntas que forem feitas, mas "não de forma muito excessiva".
No mesmo sentido, o psicólogo infantil Tiago Pereira considerou que "não se deve fugir a perguntas" sobre a guerra e que os adultos devem "acompanhar e orientar" a procura de informação por parte dos mais novos.
"A guerra não deve ser um assunto tabu. Se em casa sempre se falou de tudo e de repente há um assunto que não se pode falar, isto pode criar ansiedades e receios nas crianças que não entendem o porquê da recusa de falar deste assunto", explicou o psicólogo.
Para Margarida Crujo, "o primeiro passo é perceber o que cada criança já sabe e se tem vontade de falar sobre o assunto".
A médica salientou que "as necessidades e a curiosidade das crianças variam", pelo que "é preciso ajustar o vocabulário" à criança em concreto.
"Uma coisa mal explicada ou que não satisfaz a curiosidade da criança pode deixá-la mais inquieta, criar ansiedade. O uso de metáforas ou analogias pode ser um bom recurso, explicar com conceitos que ela entenda, sem cair no uso em excesso de imagens, deixando que a criança veja o que se passa, mas de forma filtrada", defendeu a pedopsiquiatra.
Aos mais novos, até cerca dos 5 anos, Tiago Pereira não aconselha que "se provoque" a conversa: "Se a criança fizer perguntas é importante responder e abrir esse canal de comunicação, mas nesta idade não aconselho que se provoque a conversa, ao contrário de com crianças mais velhas, que já são capazes de entender conceitos como discussão, discórdia ou conflito", explicou.
Margarida Crujo considerou que "o mais importante é ter atenção às características de cada criança e que não haja uma alteração de dinâmicas só por causa deste assunto".
O psicólogo referiu que "os mais novos entendem que há gente que sofre, sabem o que é o sofrimento, mas cabe ao adulto saber explicar que as guerras existem mas também acabam, por forma a tranquilizar a criança que não é preciso um país deixar de existir para esta guerra acabar".
Importante, para ambos, é "tentar dar um sentido" ao que está a acontecer.
"Explicar que já havia um conflito, mas isto não é justificar a guerra porque não há justificação, mas explicar o propósito da guerra para a criança não interiorizar que uma guerra pode acontecer só porque sim", referiu o psicólogo.
A pedopsiquiatra chamou ainda a atenção para a "importância de se estar atento a sinais da criança como perturbações do sono, pesadelos, uma regressão de comportamentos", porque "podem ser sinais de que a criança está em sofrimento, com dúvidas e com medos".
Tiago Pereira aconselha pais e educadores a "de alguma forma usar o atual conflito na Ucrânia para algo positivo" para o futuro.
"Podemos ajudar os mais novos a perceber como podem ajudar, o que cada um pode fazer, noção do que é a solidariedade, de como se podem resolver conflitos sem ser pela luta, de forma violenta", apontou.
Sobre este tema, a Ordem dos Psicólogos, num guia intitulado "Conversar sobre a Guerra", salienta que "mesmo sem estarem em ambientes de guerra (...) é natural que [as crianças] se sintam ansiosas, aterrorizadas, confusas ou com medo" e que "por muito que conversar sobre violência, conflitos e guerra possa ser assustador e gerar medos, é ainda mais assustador pensar que ninguém pode falar [com elas] sobre esses sentimentos".
Assim, a ordem sugere que "se dê espaço à criança para expressar os seus pensamentos, que se escute atentamente, que se valide os seus sentimentos", bem como se assista às notícias em conjunto (com crianças mais velhas)".
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar com três frentes na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamentos em várias cidades. As autoridades de Kiev contabilizaram, até ao momento, mais de 2.000 civis mortos, incluindo crianças, e, segundo a ONU, os ataques já provocaram mais de 100 mil deslocados e pelo menos 836 mil refugiados na Polónia, Hungria, Moldova e Roménia.
O Presidente russo, Vladimir Putin, justificou a "operação militar especial" na Ucrânia com a necessidade de desmilitarizar o país vizinho, afirmando ser a única maneira de a Rússia se defender e garantindo que a ofensiva durará o tempo necessário.
O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional, e a União Europeia e os Estados Unidos, entre outros, responderam com o envio de armas e munições para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas para isolar ainda mais Moscovo.
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