"O fim das 'revolving doors' [portas giratórias] trará mais transparência à Justiça. Contra ventos cada vez mais fortes e marés cada vez mais revoltas, empenhar-me-ei na luta por esse objetivo, o que implicará, pelo menos, a indispensável alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais", afirmou Henrique Araújo, num discurso na conferência internacional da Associação Europeia de Juízes, no Porto.
Com o tema da integridade judicial a marcar o evento, o líder do STJ recuperou a ideia já manifestada na última semana, na cerimónia de abertura do ano judicial, quando defendeu que os juízes que, em determinado momento das suas vidas, optem pela carreira política, não devem poder regressar à magistratura judicial.
Henrique Araújo lembrou ainda que a independência e imparcialidade dos juízes vai além do que a lei consagra e que abrange a "aparência dessa imparcialidade pelas partes e pelo público em geral", ao defender que estas devem ser percecionadas "sem deixar dúvidas a ninguém".
"A confiança dos cidadãos nos juízes depende muito da forma como estes agem no plano funcional, mas também da forma como se comportam e interagem socialmente", explicou, continuando: "É através de uma conduta exemplar, discreta, reta, socialmente irrepreensível e desligada de quaisquer interesses políticos, económicos ou financeiros que os sinais de independência e imparcialidade são captados pela comunidade".
Henrique Araújo lamentou que o nível de confiança dos portugueses no sistema judicial esteja a baixar e se encontre atualmente em cerca de 40%. O também presidente do Conselho Superior da Magistratura justificou em parte esta evolução com a ocorrência de alguns casos mediáticos envolvendo juízes e figuras públicas nos últimos anos.
"É possível, no entanto, atribuir uma grande parte da percentagem da queda nos níveis de confiança dos cidadãos portugueses a condutas de alguns magistrados nos últimos anos, e também ao impacto negativo na opinião pública da forma como decorrem alguns processos criminais mais complexos envolvendo figuras públicas", observou.
Por outro lado, Henrique Araújo apontou também um aparente excesso de garantias processuais como uma das razões para a quebra da confiança social na justiça: "Se, por exemplo, as leis processuais tiverem um peso demasiado burocrático na economia do processo não se pode contar nem com celeridade nem com eficácia. E faltando estas, a confiança dos cidadãos na Justiça nunca será elevada".
Finalmente, o presidente do STJ deixou uma crítica aos juízes pela linguagem demasiado complexa e pouco compreensível na elaboração das suas decisões, tornando-se muitas vezes num "quebra-cabeças", e defendeu que esse comportamento não deve ser relevado em termos de avaliação de desempenho para progressão na carreira, valorizando antes "o exercício funcional eficaz e expedito, constituído por decisões fundamentadas".
"Vivemos no século XXI, mas a forma como se escrevem muitas sentenças e acórdãos em Portugal não acompanha os tempos modernos: fraseologia complexa, eruditismo, considerações sociológicas, filosóficas e outras, tudo numa amálgama que torna aquilo que deveria ser facilmente apreensível num quebra-cabeças", concluiu.
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