Após a interrupção de verão, os jovens lidam novamente com o regresso à escola, que teve início para alguns já na terça-feira, dia 13 de setembro. Embora nem todos os alunos voltem às instituições de ensino no mesmo dia, há algo que a maioria tem em comum: a falta de professores numa determinada ou várias disciplinas, um problema que se repete anualmente.
Este ano letivo, que conta com 1,3 milhões de alunos do 1.º ao 12.º ano de escolaridade, a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) não esconde a preocupação com os docentes e discentes perante as implicações no arranque das aulas.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, comentou que "nos últimos anos, Portugal teve as gerações melhor qualificadas, muitas vezes mal tratadas cá, mas muito bem aceites no estrangeiro", frisando que "se essas gerações existem e se foram bem formadas foi pelos professores que temos e pela sua qualificação".
Na sequência da forma como o Governo tem lidado com a situação, o secretário-geral da FENPROF defendeu que as políticas adotadas são, não só, "incompetentes no que diz respeito à preparação do futuro e à previsão do que vai ser preciso" como "imprevidentes, porque não procuraram prevenir".
Não são estas medidas avulsas que resolvem o problema, podem dar uma resposta imediata e disfarçar, mas rapidamente se fará sentir e até provavelmente de forma agravada
Os dados do Ministério de Educação apontam para cerca de 60 mil alunos que não têm todos os professores atribuídos. A que se deve esta falha? Como se explica a falta de professores no início do ano letivo?
Os professores não lecionam tudo. Embora hoje em dia já não existam muitos excessos, pode haver um excesso de professores do 1.º ciclo, mas as escolas precisam é de professores de história e geografia do 2.º ciclo, por exemplo. Esta falta de docentes tem a ver com políticas que vêm de trás, por um lado incompetentes no que diz respeito à preparação do futuro e à previsão do que vai ser preciso e, por outro, imprevidentes porque não procuraram prevenir.
O que hoje falta mais são professores de biologia e geologia, geografia, filosofia, inglês e físico-química. Por exemplo, com base num estudo da Universidade Nova de Lisboa - Nova School of Business and Economics (SBE) apresentado, em maio, ao Conselho Nacional de Educação, os professores de físico-química correspondem apenas a 6% das necessidades que o sistema vai ter até ao final da década. Há aqui uma falta de prevenção, não se está a prevenir o futuro. Pode acontecer que haja disciplinas em que o número sobra, mas um professor de português não poderá lecionar matemática.
Este é um problema que tende a agravar-se. O ano passado entraram no curso de professores 1.100 jovens, mas saíram para aposentação 1.944 professores, quase o dobro. Este ano, que se prevê que se aposentem entre 2.200 a 2.500 e, na primeira fase de acesso ao ensino superior, entraram apenas 727 estudantes. Embora possam entrar ainda mais alguns, serão à volta de 1.200, ou seja, mais uma vez apenas metade. Isto num contexto geral porque se for analisada disciplina a disciplina a situação agrava-se, há disciplinas onde poderão estar muitos professores e outras nenhum.
Em termos de futuro, não são estas ‘medidazinhas’, estas medidas avulsas, que o ministro vai anunciando e aprovando que resolvem o problema, podem dar uma resposta imediata e disfarçar, mas como não resolve é apenas uma gestão de merceeiro, podem atenuar a falta de professores, mas rapidamente se fará sentir e até provavelmente de forma agravada.
Pelo segundo ano consecutivo, os professores que se vão aposentar no primeiro período ou mesmo no inicio de outubro tiveram turmas atribuídas. Só em outubro vão aposentar-se 280, no conjunto de novembro e dezembro cerca de mais 400, todos com turma atribuída. Quando saírem vai ser outro problema.
Ou o Ministério da Educação resolve, de uma vez por todas, dar uma resposta aos problemas, mantendo os profissionais que tem, recuperando os que saíram e atraindo os jovens ou o problema vai ser gravíssimo
Como é que esta situação deve ser colmatada?
É necessário criar condições para que, quem cá está não se vá embora, e foram muitos já os que abandonaram a profissão na última década - uns 10 mil, que deveriam ser recuperados e não estão a ser. Muitos já não voltam, a não ser que a profissão os volte a atrair. Depois existe a questão da precariedade, a carreira é desvalorizada por causa do tempo de serviço que não foi contado e ainda a sobrecarga de trabalho porque como há falta sobrecarrega-se quem está.
Ou o Ministério da Educação resolve, de uma vez por todas, dar uma resposta aos problemas, mantendo os profissionais que tem, recuperando os que saíram e atraindo os jovens ou o problema vai ser gravíssimo. Vamos parecer um país do terceiro mundo porque teremos que ir buscar pessoas que têm jeito para dar aulas, em vez de profissionais, mas isso não pode ser o futuro.
É preciso criar condições para que a carreira seja atrativa e prever as necessidades senão até podemos vir a ter um excesso de professores de uma determinada disciplina e falta noutra. Não só é preciso formar e atrair professores, como não levá-los ao engano. Falta uma planificação e uma previsão do que se pretende no futuro dado que há uma desarticulação, uma falta de prevenção e planificação.
Baixas dos professores? É atirar areia para os olhos da opinião pública para dar ideia que a culpa é dos professores e não do Ministério que é incompetente na resolução deste problema
O Ministério da Educação afirma que existem turmas ainda sem professores devido ao facto de alguns profissionais apresentarem baixas médicas, o que a FENPROF alega ser menos de 2%, ou turmas que ainda não estão formadas. Será esta justificação plausível?
O número de baixas médicas, este ano, não é diferente do número do ano passado. O ministro de Educação João Costa revelou que, em 2022, após o recrutamento dos professores havia duas mil baixas médicas. O ano passado, na mesma altura, existiam 1.958 baixas médicas.
Este motivo, para o Ministério de Educação, é justificação para que a culpa não seja do Governo, mas dos professores. De recordar que este ano, o Ministério da Educação reconheceu a 7.500 professores doenças incapacitantes, recusou a aproximação à residência e ao local de tratamento a três mil. O número de baixas deverá ainda aumentar porque o número atual não reflete ainda os professores com doenças incapacitantes a quem foi recusada a aproximação, são apenas professores com doenças prolongadas, há muito tempo que estão doentes e alguns até a aguardar a aposentação.
Porém, essa não é justificação, é atirar areia para os olhos da opinião pública para dar ideia que a culpa é dos professores e não do Ministério que é incompetente na resolução deste problema.
Segundo o conhecimento da FENPROF, todos os professores têm horários atribuídos?
Não há nenhum professor que não tenha horário atribuído a não ser os que estão de baixa médica, os professores nas escolas têm todos um horário de 35 horas. O que pode acontecer é haver professores que têm, neste horário, a chamada componente letiva, ou seja, turmas atribuídas e as restantes horas são de componente não letiva, quer de trabalho na escola quer de trabalho individual, preparação das aulas, avaliação dos alunos, avaliações ou reuniões. Embora possa haver professores que não têm possibilidades, pelas suas limitações, mas não estão de baixa, estão nas escolas com projetos e atividades, contudo têm também 35 horas atribuídas, mas não têm atribuído horário letivo.
Terça-feira, ao final do dia, por volta das 23h00, na plataforma de oferta de escolas estavam 1.061 horários dos quais 846 eram de disciplinas, ou seja, correspondentes a grupos de recrutamento e os restantes a técnicos especiais, sendo que estes também darão aulas. Nos grupos de recrutamento correspondem, segundo o ministro da Educação, 600, na segunda-feira eram 747, na terça-feira eram 846. Neste momento, já são mais de 60 mil, os alunos que não teriam os professores todos se as aulas já tivessem começado.
Penso que, dentro de uma ou duas semanas, atingiremos um pico. Esse pico, o ano passado, foi atingido, os tais 100 mil, entre os dias 24 e 29 de setembro, e é natural que este ano isso volte a acontecer.
Qual o motivo para a falta de professores ser mais acentuada nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve?
São vários, o primeiro é porque existe uma concentração de professores mais no Norte do que no Sul, por várias razões: primeiro porque eram precisos no Norte, entretanto o Norte e o Interior foram desertificando, o que fez não só com que muitas escolas fossem fechando como que o número de alunos fosse reduzindo. Assim, acabaram por sobrar muitas pessoas formadas, qualificadas, que já deram aulas durante anos e agora ou estão no desemprego ou a desempenhar outros cargos.
Há uma concentração de pessoas no Norte que resulta, por um lado de alterações demográficas e de uma redução do número de alunos e da população dessas zonas. Por outro, porque as instituições de ensino superior que formam docentes concentram-se mais no Centro e Norte do que na zona de Lisboa.
Outra razão é que os professores não podem ir para Lisboa, Setúbal ou Algarve porque o custo de vida destas regiões é de tal ordem elevado que o salário de um professor com contrato não permite ter uma vida normal, tem que pagar para trabalhar. Essas pessoas têm que se deslocar, ter uma segunda habitação, em alguns casos levar consigo os filhos. Devia haver incentivos, quando se pretende que professores do Norte vão trabalhar para Lisboa, por exemplo. Aí os municípios poderiam desempenhar um papel na oferta de residência a preços que os professores possam pagar e garantia, por exemplo, que os filhos teriam apoios para se deslocar também.
Teria de haver uma estratégia de atração para estas regiões, não havendo as pessoas não vão. Para as coisas baterem certo tinha de haver pessoas nas várias regiões do país que decidissem ir para professores em número igual à necessidade das regiões, o que não acontece.
Não queremos negociar uma carreira nova, não queremos uma carreira que seja melhor paga, queremos é que a carreira que está na lei desde 1989 seja cumprida e respeitada
Qual a negociação que a FENPROF pretende fazer com o Ministério da Educação na reunião que decorrerá no final do mês? De que forma é que a FENPROF julga que deve ser feita a "valorização da profissão de docente"?
Não queremos negociar uma carreira nova, não queremos uma carreira que seja melhor paga, queremos é que a carreira que está na lei desde 1989 seja cumprida e respeitada, ou seja, que o tempo de serviço que as pessoas cumpriram a trabalhar e lhes está a ser roubado que seja recuperado tanto no continente como na Madeira e nos Açores, tal como foi feito com o resto da função pública, mas não com os professores.
Não exigimos nada de novo, queremos que as vagas que impedem seis mil professores de passar a escalões intermédios sejam eliminadas; que as cotas, que impedem que professores que são avaliados com excelente ou muito bom depois desçam na avaliação, sejam abolidas e que o tempo de serviço cumprido e trabalhado seja contabilizado, entre outros aspetos.
Contudo, na terça-feira, o ministro da Educação deu uma entrevista à Lusa onde disse que o tempo de serviço não será recuperado. Ainda não houve a reunião para se discutir o que será feito, mas o ministro já disse o que será feito ou aceite, isso não é negociação nem diálogo.
Se faltam professores, não é por serem as escolas a escolher ou o concurso ter outra caraterística que passam a aparecer
A FENPROF concorda que o Ministério dê autonomia às escolas para escolher professores? (O Ministério da Educação quer dar autonomia aos diretores para que possam selecionar um terço dos seus professores tendo em conta o perfil dos docentes e os projetos educativos da escola)
Esse é outro aspeto que a FENPROF pretende abordar, os concursos. Apesar de o ministro da Educação considerar que o problema dos concursos resolve-se se forem as escolas a escolher os professores, as experiências anteriores provam o contrário. Quando foram as escolas a escolher diretamente os professores o processo de colocação não só se atrasou como ainda foram criadas situações pouco transparentes em alguns casos.
Se o Ministério de Educação quer dar autonomia às escolas deve permitir que decidam o número de alunos por turma, mas essa autonomia o ministério não quer dar. Também devia dar às escolas autonomia para decidir o número de horas que precisam, para além do normal número de horas de aulas, para apoios e projetos, mas isso também não dá.
Se faltam professores, não é por serem as escolas a escolher ou o concurso ter outra caraterística que passam a aparecer. O ministério quer dar às escolas essa autonomia porque quem escolhe também dispensa e isso cria um nível de sujeição dos professores de tal ordem que ficarão mais domesticados e obedientes pelo medo de ser dispensados.
O número de pessoas não cresce por serem as escolas a escolher até pode agravar o problema devido a haver escolas que consigam rapidamente preencher as suas necessidades à custa de outras que ainda vão ficar com menos professores. Por outro lado, quanto à rapidez, basta olhar para as bolsas de contratação de escola. Já este ministro era secretário de estado, no primeiro governo de António Costa, quando acabaram as chamadas bolsas de contração de escolas que permitiam contratar diretamente professores que acabaram porque, não só existiram situações menos claras que acabaram em tribunal e com queixas devido às formas de seleção pouco transparentes e até ilegais, mas sobretudo porque isso atrasou as colocações.
Quando as escolas lançam os concursos, quem está desempregado concorre a muitas e acaba por ficar colocado em várias. Esse processo fez com que a colocação de professores nas escolas tivesse atrasado cerca de um mês. Normalmente até ao final de setembro o problema estabilizava e, nessa altura, só quase no final de outubro é que começava a estabilizar porque, ao serem oferecidos os horários, os docentes tentavam qualquer um e as escolas tinham que fazer a seleção.
Nunca a colocação feita localmente foi mais célere do que a colocação feita em lista nacional. A lista nacional pode é não ter a burocracia que há para ir buscar um professor, ou seja, quando um docente adoece e entra de baixa ou se reforma não deveria ser preciso passar quinze dias ou três semanas para que venha outro, deveria ser possível estando a lista disponível a escola contactar o que se encontra no topo, mas se tiver que contactar e pedir ao autorização ao ministério, demora tempo e aí é que as escolas deveriam ter autonomia.
A questão da contratação direta pelas instituições de ensino tem outros objetivos, não é o de haver mais professores nem é o de ser mais rápida a colocação. Todos sabemos quais são e o porquê de o ministro querer ir por esse caminho.
Concorda com os estágios remunerados e a possibilidade de os docentes frequentarem mestrado enquanto dão aulas?
Quando os estágios remunerados acabaram a FENPROF foi contra. Na altura, isto foi feito para embaratecer o sistema, ou seja, aos jovens que estavam a fazer o estágio já lhes era atribuída uma turma, eram acompanhados pelos professores nas escolas e realizavam todas as funções. Era um estágio remunerado que depois, por razões estritamente economicistas, acabou o que foi uma desqualificação da própria formação de professores pelo menos na parte prática, dado que deixaram de fazer para passar a ver fazer e durante o ano iam apenas preparar algumas aulas para mostrar o que aprenderam a fazer.
Sempre achamos que não é pelo estágio ser remunerado, mas pela caraterística do estágio que é estar a trabalhar, estar a dar aulas, ter responsabilidades atribuídas. Vamos ver que modelo e que remuneração aí vem.
A solução da falta de professores não está nas medidas de resultado imediato que possam ser tomadas, a resolução deste problema está em haver uma política que de facto tenha a educação como uma área prioritária para o Governo
Qual o balanço que faz do regresso às aulas este ano relativamente ao ano passado?
A situação é semelhante e vem provar que as medidas que o ministério tomou, o mais que fizeram foram cócegas aos problemas, não os resolveram. A solução da falta de professores não está nas medidas de resultado imediato que possam ser tomadas, a resolução deste problema está em haver uma política que de facto tenha a educação como uma área prioritária para o Governo que perceba que os professores têm que ser profissionais devidamente qualificados porque, se assim não for, isto tem consequências na qualidade do ensino.
O que se está a fazer é irresponsável porque se está a criar uma situação em que um dia destes as qualificações dos alunos baixam porque as qualificações de quem dá aulas descem ou até porque os alunos estão muitos períodos sem ter professores.
Depois, quem tem dinheiro tem explicações e tenta compensar por aí e quem não tem não consegue, o que cria desigualdades ainda maiores do que aquelas que já existem. A escola pública deveria ser um espaço de mitigação das desigualdades, um espaço de igualdade de oportunidades e não está a sê-lo porque as políticas têm sido de desvalorização tanto da escola pública e da educação como dos professores.
A forma como os governos têm tentado resolver o problema, transferindo cada vez mais financiamento da educação para fundos europeus em vez de ser o Orçamento de Estado a assumir essa responsabilidade e agora transferindo também responsabilidades financeiras para as câmaras municipais - que muitas, como é conhecido, estão em situações de endividamento - não é o caminho, essas não são as soluções do ponto de vista político e infelizmente é por aí que o Governo está a ir, tem ido e parece que quer continuar.
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