Garagem de Carcavelos é 'gruta de Ali Babá' para quem recorre ao Vamos Ajudar
Uma simples garagem num bairro habitacional em Carcavelos, Cascais, transformou-se numa espécie de 'gruta de Ali Babá' pois lá dentro esconde os 'tesouros' para aqueles que mais necessitam e que há dez anos procuram o grupo "Vamos Ajudar".
© ShutterStock
País Carcavelos
Criado no tempo da 'troika' (devido à crise financeira que se tinha abatido no país), o grupo "Vamos Ajudar" começou numa página da rede social Facebook com o mesmo nome a "pensar nas famílias que estavam a passar um período menos bom".
Apesar da crise de há dez anos ter passado e a ajuda financeira externa ao país terminado em 2014, o grupo manteve-se ativo até aos nossos dias e, atualmente, começa a ser procurado por mais pessoas, espelho da inflação, do aumento dos preços dos combustíveis, da alimentação e também da guerra na Ucrânia.
À Lusa, Maria da Neve, ou Mané, a mentora do projeto, disse que, inicialmente, o grupo surgiu para ajudar pessoas com carcinomas que estavam sozinhas, a quem ia levar "uma sopinha depois da quimioterapia".
Ao mesmo tempo, nos bairros por onde passava, foi-se "apercebendo que havia ali situações de carência".
"Eu pensei, tenho meia dúzia de amigas que podem contribuir com 20, 25 euros, que há dez anos já não era mau, e assim foi. Começou com uma mesa redonda e as coisinhas lá em cima. A palavra vai passando e o grupo foi crescendo, chegámos a ter 20 famílias por mês [para ajudar]", conta.
Maria da Neve recorda que, mesmo durante a pandemia, o grupo esteve ativo, resguardado devido à covid-19, mas ativo, e hoje reconhece que "as pessoas ficaram fechadas nelas próprias e a esquecer um bocado o mundo cá fora".
Nunca foi sua intenção criar uma associação com estatutos porque há "burocracia a mais" e as coisas entre as amigas sempre funcionaram, não participa em outros grupos de ajuda pois o seu "já é suficiente" mas, lembra, no entanto, que faz a ponte, por exemplo, com uma pessoa que tem espaço físico para albergar doações mais volumosas se for preciso.
Nos últimos tempos diz que tem chegado muita gente ao país "muitas famílias, sobretudo do Brasil", que chegam sem nada e pedem ajuda.
Ali, na garagem do prédio onde mora, no distrito de Lisboa, consegue-se encontrar tudo o que é preciso para 'montar' uma casa. Há caixas com roupas de criança separadas pelas idades, roupas de homem e de senhora devidamente dobradas em prateleiras, copos, pratos, mantas, lençóis e atoalhados, brinquedos, calçado e até uma caixa de gato espreita no topo da estante dos livros.
"Damos de tudo o que nos dão, desde o talher até à gaiola para o rato, e damos muito de uma coisa que não custa dinheiro, que é uma palavrinha", revela com um sorriso, para logo rematar que também recebe: "grandes ensinamentos e muitas histórias".
O apoio espalha-se de norte a sul, Maria da Neve explica que já deve ter chegado a mais de 500 famílias e que ainda hoje mantém contacto com algumas, porque saber o que precisam é uma mais-valia, revela.
"Os miúdos crescem todos os anos, não é?", exemplifica.
Agora, conta, há também "a pobreza envergonhada" de pessoas, "até conhecidas", que "têm muita vergonha de pedir ajuda".
"As pessoas que pedem desbocadamente ou estão no sistema há muito tempo, ou são mesmo assim mas, os que não estão habituados a pedir, passam mal, tentamos com pés de lã ver o que se pode arranjar e ajudar", expressa.
Ângela Martins e Teresa são amigas da Mané e às quintas-feiras juntam-se para ajudar no que é preciso.
Agora estão a preparar os cabazes de Natal para mandar para as famílias que ajudam. Levam tudo o que é preciso para uma refeição - onde o bacalhau e o azeite não faltam -, e seguem dentro de um caixote de cartão devidamente empacotado por Ângela.
"Comecei a vir cá uma vez por semana, trouxe mais uma amiga e passamos umas tardes fantásticas. É um trio muito simpático que, além de ajudar, se diverte também", explica, depois de lembrar que o voluntariado não era uma coisa nova para si por ter colaborado muitos anos com uma instituição dedicada à terceira idade.
Antes de os bens serem dispostos para doar, é feita uma triagem, missão que está a cargo da amiga Teresa, que "arruma tudo o que é roupa" porque "tem imenso jeito", já que nem sempre "as coisas estão em condições".
"As pessoas, muito sinceramente, pensam que é para os pobres e trazem lixo", desabafa Ângela.
Não é o caso das coisas que Mafalda, uma amiga de Trajouce, vem doar ao grupo.
À Lusa conta que já conhece o 'Vamos Ajudar' "há muitos anos" e que ajuda "sempre que pode". Desta vez trouxe "algumas roupas, brinquedos" e fez uma participação monetária para ajudar nos cabazes de Natal.
Uma vez por mês são feitas as compras no supermercado para os cabazes que distribuem e, quando há um ano o carrinho vinha cheio até cima, hoje, pelo mesmo valor, o volume de compras fica longe do que era, resultado da inflação, lamentou Ângela Martins.
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