Um ano volvido sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, nada mudou nas posições dos partidos portugueses com representação na Assembleia da República. Cerca de um mês após o início da guerra, o PCP tinha ficado isolado no voto contra uma resolução apresentada pelo deputado do Livre Rui Tavares que pretendia associar Portugal ao "esforço internacional de investigação, acusação, condenação e punição de todos os crimes de guerra" cometidos pelas forças russas e que mereceu o voto favorável de todos os outros partidos.
A comparação da Rússia a um "cão atiçado", que só ataca depois de ser provocado, feita pelo novo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, em entrevista à agência Lusa em novembro do ano passado, e a posição do partido sobre a intenção do Presidente português de condecorar Volodymyr Zelensky, classificada de "afronta aos democratas", ilustra o fosso que separa os comunistas das outras forças políticas com assento no parlamento.
As posições iniciais mantêm-se, apesar de um maior alinhamento dos tradicionais partidos de governo (PS e PSD), mas também dos liberais e da extrema-direita (IL e Chega) com as posições das forças ocidentais, embora no essencial, apesar dos diferentes matizes, só os comunistas "fujam" a uma condenação inequívoca e sem atenuantes da invasão russa.
Comentando o primeiro ano da guerra, o PCP enviou à Lusa uma resposta escrita em que volta a apontar baterias às forças ocidentais. "É urgente que os EUA, a NATO e a UE cessem de instigar e alimentar a guerra na Ucrânia e que se abram vias de negociação com os demais intervenientes, nomeadamente a Federação Russa", sustenta o partido, para quem o conflito já começou "há nove anos" e, apesar de ser apresentado como opondo Moscovo e Kiev, é "expressão de décadas de política de cerco, tensão e confrontação dos Estados Unidos da América e da NATO visando a Rússia".
Os comunistas alegam que o "envio de armamento cada vez mais sofisticado e ofensivo encerra sérias consequências e acrescidos perigos" e defendem que o "Governo português não deve subordinar e alinhar Portugal com a política de agravamento do conflito, do militarismo, da guerra".
Quanto às sanções, o PCP sustenta que "é cada vez mais evidente que são os trabalhadores e os povos que estão a pagar os custos", dando o exemplo do aumento dos preços dos bens essenciais ou da "deterioração da situação económica e social".
Pelo PS, partido do governo, o deputado Diogo Leão fez um "balanço difícil" do primeiro ano de guerra, mas também de "esperança", salientando que a Ucrânia ganhou o "respeito dos democratas de todo o mundo".
Diogo Leão referiu que o PS tem sido "sempre favorável, desde o primeiro dia", ao apoio militar à Ucrânia, e manifestou-se orgulhoso que Portugal, dentro das suas capacidades e apesar de um esforço "muitíssimo grande", tenha conseguido disponibilizar meios como os helicópteros Kamov ou os carros de combate Leopard-2.
Sobre as sanções impostas pela União Europeia (UE) à Rússia, considerou que são necessárias e defendeu ser "importante insistir" nesse tipo de medidas também contra a Bielorrússia e o Irão, para procurar fazer "um cerco económico eficaz" a Moscovo e "aos seus parceiros".
O PSD defende a manutenção do apoio "político, diplomático e militar" à Ucrânia e salientou que, "desde a primeira hora", condenou "sem hesitações a guerra ilegal e imoral da Rússia à Ucrânia", bem como a continuação de sanções "que impeçam a Rússia de financiar a guerra".
"Para nós foi muito claro que a Rússia resolveu fazer a guerra na Ucrânia nesta altura porque julgou que o Ocidente estava fraco, que havia falta de unidade europeia e atlântica e que a NATO estava em morte cerebral. Tudo isso veio a verificar-se falso, a União Europeia e os Estados Unidos revelaram que estavam fortes, unidos e decididos a travar a batalha pela paz, pela liberdade e pela democracia", afirmou o coordenador do PSD na Comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, Tiago Moreira de Sá.
Para o futuro, defende Tiago Moreira de Sá, "é crucial que esta unidade não se desfaça" e que, ao fim de um ano de guerra, se explique às opiniões públicas o "interesse vital de continuar a apoiar a Ucrânia e impedir que a Rússia ganhe a guerra", recusando colocar linhas vermelhas ao apoio militar à Ucrânia.
Pelo BE, o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, reitera à Lusa a condenação feita pelos bloquistas "desde a primeira hora" de uma guerra que "é uma insanidade" e tem de cessar, pedindo um esforço internacional nesse sentido.
"Este ano é a confirmação dos piores receios: existe uma vontade de continuar a guerra e aquela ideia de que, no espaço de meses, poderia haver alguma reconsideração, isso não se verificou, pelo contrário, a guerra está cada vez a escalar mais", lamenta, considerando que "longe vão os dias em que se dizia que só se forneceria à Ucrânia material de defesa".
No entanto, Pedro Filipe Soares mostra-se muito crítico da "escalada armamentista que só tem beneficiado a indústria militar", insistindo na necessidade de caminhar "para um cessar-fogo rapidamente" e na criação de "condições para uma conferência pela paz" que não aprofunde esta corrida ao armamento.
"A União Europeia não melhorou a sua intervenção ao longo do último ano. Em vez de ter um papel preponderante, de servir como mediador do conflito e de promover uma agenda para a paz, acaba por ser aqui subsidiária aos interesses dos Estados Unidos", acusa.
O presidente do Chega, André Ventura, manifestou à Lusa a sua "posição inequívoca de que Portugal tem que estar ao lado da Ucrânia, de que é uma questão não só nacional, mas europeia, uma questão do futuro da Europa".
Apontando que um ano depois "as coisas não estão bem" ao nível económico e militar, o líder do partido mais à direita do parlamento disse esperar agora que "os líderes europeus, incluindo o primeiro-ministro, estejam disponíveis para enviar equipamento militar à Ucrânia para que esta guerra possa ser vencida".
"Esta não é uma questão só ucraniana, é uma questão da Europa e não há terceira opção, a Europa tem de vencer esta guerra e aí todos temos que fazer o nosso esforço e a nossa parte", vincou André Ventura.
Pelo Livre, numa mensagem escrita, o deputado Rui Tavares considera que "falta dar mais consideração estratégica ao quadro da União Europeia, incluindo na área da Defesa, num momento em que a NATO está sujeita à chantagem de Erdogan e aos humores de qualquer possível inquilino da Casa Branca ao passo que a União terá de se reformar tendo em vista a dinâmica que a levará ao alargamento".
"O governo português tem tido uma posição semelhante à maioria dos restantes governos europeus, sem assumir particular destaque. A exceção positiva pode e deve assinalar-se no projeto de reconstrução de escolas na Ucrânia", diz Rui Tavares.
A deputada única do PAN Inês Sousa Real lembra que desde a primeira hora tem manifestado "solidariedade para com o povo ucraniano" face a uma "guerra desigual".
Sousa Real apelou à paz e à necessidade de acolhimento do povo ucraniano. "Temos este dever de solidariedade para com os restantes povos da mesma forma que também nós, sendo cidadãos do mundo e tendo de facto estado em tantos países, procurámos ser sempre bem acolhidos, temos que também saber ser solidários, porque esta guerra não é apenas com a Ucrânia, é com todos nós", salienta.
A Iniciativa Liberal, pela voz do líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, pede que esta guerra "não caia no esquecimento e não se normalize", considerando que é preciso recordar "que há uma invasão brutal e totalmente condenável por parte da Rússia sobre o povo ucraniano".
Para o liberal todo o apoio deve ser dado à Ucrânia, desde logo aos ucranianos que vieram para Portugal, mas também "um apoio de material e militar", no âmbito da UE. "O exército ucraniano, o povo ucraniano têm que ter o apoio da comunidade internacional para continuar a ter a capacidade material para se defender porque, ao fazê-lo, os ucranianos estão também a defender-nos a todos", apela.
Sobre o posicionamento do Governo português, Rodrigo Saraiva afirma que "não tem estado mal" porque "sempre se pôs do lado da Ucrânia, do lado das sanções à Rússia e do lado do apoio material", lamentando, no entanto, a "incapacidade de materialmente responder de uma forma mais efetiva".
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