O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quebrou o silêncio e falou ao país, na noite de quinta-feira, sobre o facto de o primeiro-ministro, António Costa, ter contrariado a sua posição ao não aceitar o pedido de demissão do ministro das Infraestruturas, João Galamba. Apesar de não dissolver a Assembleia da República, o chefe de Estado garantiu que irá ficar "ainda mais atento à questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam".
Na noite de quinta-feira, o Presidente da República quis deixar "duas palavras" aos portugueses, que "esperam e precisam de um poder político que resolva, mais e melhor, os seus problemas". Já ao Governo, sobretudo a António Costa, deixou um 'puxão de orelhas' e um ultimato: "Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou se deixou fazer".
Marcelo fez questão de lembrar a Costa que "um governante sabe que ao aceitar sê-lo, aceita ser responsável por aquilo que faz e não faz e também por aquilo que fazem ou não fazem aqueles que escolhe, e nos quais é suposto mandar".
Dirigindo-se diretamente às polémicas em torno de Galamba, desde as reuniões secretas para a preparação da audição da ex-gestora da TAP às "situações rocambolescas" que envolvem Frederico Pinheiro e o roubo de um computador do Estado, Marcelo considerou que isso "não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido".
Após Costa não ter aceitado o pedido de demissão de João Galamba, "ocorreu uma divergência de fundo" entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, sobre a "responsabilidade, a confiabilidade, a credibilidade, a autoridade do ministro, do Governo e do Estado", referiu.
"No passado, com maior ou menor distância temporal, foi sempre possível acertar agulhas. Desta vez não", lamentou Marcelo, sublinhando que vai "retirar ilações do caso".
Apesar de não dissolver a Assembleia da República, uma vez que continua "a preferir a garantia da estabilidade institucional", o chefe de Estado reitera que "o que sucedeu terá outros efeitos no futuro".
"Terei de estar ainda mais atento à questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam. Porque até agora eu julgava que, sobre essa matéria, existia, com mais ou menos distância temporal, acordo no essencial. Viu-se que não. Que há uma diferença de fundo", asseverou.
Após o 'ralhete' de Marcelo, partidos não se calaram (à exceção do PS)
Logo após o fim do discurso, os partidos políticos fizeram questão de comentar a posição do Presidente da República. A única exceção foi o partido que lidera o Governo, o PS, que permaneceu em silêncio.
A crise de seis dias
A polémica 'estalou' na passada sexta-feira, 28 de abril, após ter sido noticiada a exoneração de Frederico Pinheiro e de o agora ex-adjunto ter acusado o ministro de querer mentir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP sobre a existência de notas de uma reunião entre membros do Governo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista (GPPS) e a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, nas vésperas de uma audição à gestora, em janeiro.
Após ter sido demitido, Frederico Pinheiro ter-se-á dirigido ao Ministério das Infraestruturas, onde, de acordo com João Galamba, agrediu duas pessoas e "levou um computador" que era propriedade do Estado. O caso levou ao envolvimento do Serviço de Informação e Segurança (SIS) e da Polícia Judiciária (PJ).
Na tarde de terça-feira, o Presidente da República e o primeiro-ministro reuniram-se e o pedido de exoneração de João Galamba, "em prol da necessária tranquilidade institucional", chegou horas depois.
No entanto, Costa surpreendeu tudo e todos e decidiu não aceitar o pedido de demissão do ministro das Infraestruturas, considerando ser "falso" que Galamba tenha querido "ocultar informação" à CPI.
A resposta não se fez tardar, com uma nota da Presidência a afirmar que "o Presidente da República, que não pode exonerar um membro do Governo sem ser por proposta do primeiro-ministro, discorda da posição deste quanto à leitura política dos factos e quanto à perceção deles resultante por parte dos portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem".
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