"O nosso coletivo está focado em pressionar a constituição de uma comissão centrada na proteção das vítimas e não na defesa dos agressores: esse é o nosso objetivo. É imprescindível que a comissão seja instaurada e que a absoluta independência da comissão em relação ao CES seja garantida", destacou este grupo, numa carta a que a agência Lusa teve acesso.
Três investigadoras que passaram pelo CES da Universidade de Coimbra denunciaram situações de assédio num capítulo do livro intitulado "Má conduta sexual na Academia - Para uma Ética de Cuidado na Universidade", publicado pela editora internacional Routledge.
Os investigadores Boaventura Sousa Santos e Bruno Sena Martins acabaram suspensos de todos os cargos que ocupavam no CES, até ao apuramento das conclusões da comissão independente que a instituição está a constituir para averiguar as acusações de que são alvo.
Depois da divulgação do capítulo do livro, em abril, chegaram "testemunhos de outras três vítimas" à rede de advogadas feministas no Brasil que, numa carta com data de hoje, afirmaram que pretendem que os factos sejam apurados na íntegra e que haja "respeito pelos direitos das vítimas e pelas suas histórias de dor e sofrimento".
"Queremos justiça! A necessária investigação dos casos tem de assegurar um espaço em que as vítimas possam testemunhar sem medo de retaliações", acrescentaram.
Há quase dois meses, este grupo de mulheres já tinha enviado uma carta aberta ao CES, a exigir a constituição de uma comissão de investigação "totalmente independente e imparcial", para que se sintam seguras a denunciar e juntar provas.
"Desde a primeira carta que endereçamos ao CES, muito embora tenhamos obtido uma resposta célere e indicando preocupação em garantir os direitos das vítimas, nada se alterou. O que temos visto é Boaventura [Sousa Santos] a usar o poder que tem para garantir tempo de antena e veicular à exaustão a sua versão dos factos, enquanto nós aguardamos e torcemos para que os procedimentos do CES sejam escorreitos e garantam que os nossos direitos serão respeitados e que seremos acolhidas num contexto seguro para apresentarmos as nossas histórias, juntamente com as evidências que estamos reunindo], referiram.
Na missiva, o grupo de mulheres diz ainda sentir-se inseguro em relação à forma como essa comissão irá funcionar, questionando quando serão conhecidos os termos do seu funcionamento, nomeadamente em relação à sua constituição, autonomia, objetivos, regras éticas e de sigilo.
"Enquanto o CES não constituir a prometida comissão de investigação, é Boaventura quem fica a ganhar, porque tem poder para controlar a narrativa. Enquanto ele prepara a sua comunicação de crise, sem reconhecer uma única falha concreta, as nossas carreiras e nossas vidas continuam abaladas, sem um fim à vista", indicaram.
A carta alude ainda à reflexão autocrítica que Boaventura Sousa Santos faz ao seu comportamento, na sequência das acusações de assédio sexual e moral, num artigo de opinião publicado no Expresso, com o título "Uma reflexão autocrítica: um compromisso para o futuro".
"A desigualdade continua a pesar sobre nós e as nossas cartas não são publicadas à mesma velocidade e no mesmo número de meios de comunicação social. Continuamos aqui a reviver os traumas e contamos apenas umas com as outras: a nossa cura ainda está por fazer", evidenciaram.
O coletivo de mulheres defendeu que se trata de uma "autocrítica vazia de responsabilização", que "não recompõe danos, nem supera desigualdades".
"Temos as nossas histórias para exigir verdadeira responsabilização, sabemos que o que sofremos não foram situações inofensivas de um professor que ficou parado no tempo e não se apercebeu que o mundo andou. Falamos de um padrão sistemático de abusos que foi reproduzido com diferentes mulheres, em situações diversas", alegaram.
Em meados de maio, o sociólogo Boaventura Sousa Santos enviou uma carta aos órgãos sociais e associados do CES a apelar à criação, com "máxima urgência", da comissão independente que investigará as acusações de assédio de moral e sexual contra si.
"Preocupa-me que não haja ainda (...) uma comissão independente para averiguar as denúncias. O CES não pode ficar de braços cruzados sem reagir às denúncias efetuadas. Também me preocupam as consequências que podem advir desta passividade por parte do CES, que podem pôr em causa a sua existência", alertou na altura.
Contactado pela agência Lusa, o CES confirmou que a comissão de investigação ainda não foi constituída.
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