A estimativa foi adiantada à Lusa por fonte da PSP, sendo visível uma mancha de pessoas que preenchia por completo a maior parte da zona pedonal daquela artéria da cidade do Porto, com os manifestantes a passarem pelos turistas que observavam com espanto a dimensão do protesto.
Palavras de ordem como "Paz, Pão, Saúde, Habitação", "A Habitação é um direito, sem ela nada feito", "A casa é para morar, não é para especular", "Para os bancos vão milhões, para nós vêm tostões", "Nem gente sem casa, nem casa sem gente" foram das mais entoadas pelos milhares de manifestantes.
Por um dia, os milhares de turistas que costumam preencher a rua de Santa Catarina limitaram-se a observar e deram lugar a milhares de pessoas clamando por casas para viver, saindo da Praça da Batalha cerca das 15:30.
"Nós vamos aos 'sites' das câmaras municipais, tanto de Gaia como do Porto, fazemos todo o preenchimento e não há respostas de nada, nem 'feedback' de nada", disse à Lusa Gisela Ferreira, de 42 anos, que ostentava um cartaz dizendo "15 candidaturas, zero respostas".
Funcionária pública há 20 anos, inserida num agregado familiar de três pessoas e com um ordenado de 800 euros, Gisela Ferreira reside em Perosinho, em Vila Nova de Gaia, mas está à procura de casa há "dois anos", e mesmo no interior do concelho há "uma diferença mínima de preços" entre os diferentes territórios.
"Neste momento eu resido numa casa própria, só que a renda é extremamente alta. De há um ano para cá ela duplicou. Por isso mesmo é que procuro habitação social", explicou.
A manifestação dirigiu-se então para a Rua Fernandes Tomás rumo à Câmara Municipal, numa fila interminável de manifestantes, apenas abrigados do sol e do calor pela sombra dos edifícios das principais artérias comerciais do Porto, já perto do Mercado do Bolhão.
Cristiana Braga, de 29 anos, portuense mas a residir atualmente em Guimarães, veio à manifestação "porque as casas estão a preços astronómicos" e "os salários não acompanham o custo de vida atual, assim como os impostos, que também roubam grande parte desse salário, que já é pouco".
"Sendo uma pessoa autónoma e independente, é muito difícil fazer face ao custo de vida. O meu dinheiro vai quase todo para a renda, não consigo ter perspetiva de comprar uma casa, e o dinheiro que sobra é pouco, tendo em conta que a renda não é a única despesa que temos mensalmente", disse à Lusa.
A jovem disse ainda que encontrou a mesma realidade imobiliária tanto em Guimarães como no Porto, olhando para isso como uma evidência de que "nem indo para uma zona em que há menos acessos de transportes públicos" conseguiu ter uma renda mais baixa.
Na chegada à Praça Humberto Delgado, os cânticos direcionaram-se mais contra o presidente da autarquia, o independente Rui Moreira, sendo também audíveis protestos de músicos do Centro Comercial Stop, que têm estado envolvidos numa querela burocrática envolvendo a sua possível saída do edifício que alberga 500 músicos, artistas e lojistas.
Ivo Oliveira, de 48 anos, veio à manifestação não por sofrer de problemas com habitação, mas para "defender o direito constitucional" à mesma, "para que todos possam, um dia, ter o direito a escolher o local onde moram, com quem moram".
Questionado sobre as causas para o problema da habitação, considerou que "não é uma questão de falta de construção, como se tem dito", mas sim que o que está a ser construído "não é para habitação, é efetivamente para acumular capital".
"Essas escolhas têm de ser feitas, e são escolhas políticas", defendeu, dizendo que o país vive "uma situação de urgência, e portanto são precisas políticas adaptadas a isso", apesar de concordar genericamente com algumas das medidas do Governo.
Sobre se a crise da habitação poderá atingir um ponto de rotura, considerou que, "se não surgirem respostas, vão surgir, de facto, problemas mais complicados, porque estamos a falar da casa, que é o mais elementar".
Para Ivo Oliveira, o turismo excessivo "claro que influencia" a crise na habitação, apesar de ser uma "atividade económica importante, mas como tudo, tem que haver regras".
"Quando uma atividade económica destrói tudo o resto, temos um problema", vincou, dizendo que "há um momento em que é preciso fazer escolhas, que é mesmo este".
O turista alemão Manfred Bischoff concorda, observando o protesto na sua fase inicial, dizendo à Lusa que já tinha visitado a cidade em 2001 e 2006, quando "tudo era mais sossegado", mas "agora o Porto é como Maiorca", com demasiado turismo" que "destrói tudo".
"Temos o mesmo problema na Alemanha, especialmente à volta de Hamburgo ou noutras grandes cidades. É demasiado caro. Todos os novos edifícios são de luxo, e não há rendas baixas para pessoas normais", partilhou.
Também Woojung Hoh, turista vindo da Coreia do Sul, não sabia do que se tratava a manifestação, mas observou que "via muitas casas vazias usadas por AirBnb".
"Não sabia disso antes, mas quando cheguei ao Porto percebi que era um bocado grave", assinalando a cidade portuguesa já é "mais turística do que Barcelona", a cidade de onde vieram antes de chegar a Portugal.
[Notícia atualizada às 18h24]
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