"É um caso muitíssimo grave e é muito importante que se esclareça o mais depressa possível. Creio que temos o direito de pedir ao STJ que seja lesto na realização do inquérito", declarou Augusto Santos Silva.
Esta posição foi defendida pelo ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiro em entrevista à RTP3, depois de questionado sobre o processo judicial que conduziu à demissão de António Costa das funções de primeiro-ministro.
Na semana passada ficámos a saber que corria um inquérito-crime contra o primeiro-ministro no Supremo, porque - diz o comunicado da Procuradoria Geral da República - suspeitos terão invocado o nome e autoridade do primeiro-ministro para desbloquear procedimentos. Isto precipitou uma crise: a demissão do primeiro-ministro, que tirou as consequências políticas deste comunicado; depois o Presidente da República entendeu que essa demissão implicava a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições", começou por apontar Augusto Santos Silva.
O presidente da Assembleia da República assinalou em seguida que este processo que envolve António Costa corre desde 17 de outubro passado, e até 10 de março, dia das eleições legislativas, "vão praticamente cinco meses".
"Cinco meses é um período de tempo que me parece mais do que suficiente para que o inquérito seja concluído e o conjunto dos portugueses saiba - da única fonte que deve saber, que é a justiça - o que realmente se passou e se há alguma responsabilidade penal do primeiro-ministro", sustentou.
Augusto Santos Silva disse que os portugueses se interrogam e devem ser esclarecidos sobre quais são os factos, quais são as provas e quais são as responsabilidades do primeiro-ministro neste caso.
"Acho que a justiça tem todas as condições para que nos informe - só as justiça nos pode informar - a tempo das pessoas perceberem e poderem avaliar o que se passou", reforçou, antes de se referir a "erros acumulados pelo Ministério Público" ao longo dos últimos anos.
"Ao constituir arguidos em processos de que depois não avançam - em alguns casos não chega a haver acusação, noutros há a acusação mas as pessoas são inocentadas em primeira instância -, provavelmente a constituição de arguido por si só, ao contrário do que é a perceção pública, não significa que haja suspeitas fundadas", referiu.
Confrontado com a posição do presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público de que o primeiro-ministro não precisava de se demitir por causa deste caso, Augusto Santos Silva classificou-a como cínica e criticou a atuação do Ministério Público.
"Respeito o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público nas suas funções sindicais, mas não aceito que seja o sindicato, e não a senhora procuradora [Geral da República, Lucília Gago] , ou quem ela entender, a ser a porta-voz do Ministério Público e a agir publicamente como se fossem os chefes do Ministério Público", declarou o ex-ministro socialista, antes de também se mostrar apreensivo com os riscos de judicialização da política.
"Há uma atitude que perpassa em vários operadores judiciais e judiciários segundo a qual a atividade política, por ser política, é por natureza suspeita. E, portanto, no limite, tende a criminalizar a ação política e governativa. É uma atitude de abordar em sede penal questões que são de natureza política ou, no limite, administrativa", advertiu.
Nesta entrevista, o presidente da Assembleia da República criticou também a existência de "um grande abuso" do recurso à técnica das escutas na investigação, indicando que se trata de uma técnica que permite "descontextualizações" de conversas em muitos casos e que é muito invasiva da privacidade e, igualmente, a "tentação de se deter" para investigar.
De acordo com Augusto Santos Silva, verifica-se um recurso a diligências "gravosas", como buscas domiciliárias, em fases muito iniciais de processos de investigação, "tipo pesca de arrastão".
Em relação ao chamado "operação influencer", Augusto Santos Silva, como presidente da Assembleia da República, sede do poder legislativo, pediu desculpa ao presidente da Câmara de Sines, que esteve detido seis dias e saiu em liberdade inocente, sem que sobre ele impenda qualquer suspeita de crime.
"Estou bastante triste com isto, com as consequências para o país, mas também muito inconformado", acrescentou.
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