Segundo o ofício enviado pelo SFJ às duas entidades, e que pede à PGR e à Provedora de Justiça que peçam ao Tribunal Constitucional a verificação da constitucionalidade da aplicação da lei, em causa está uma discriminação na progressão na carreira, que remonta ao tempo de serviço congelado a toda a administração pública durante a vigência da 'troika' em Portugal.
Por decisão judicial, foi permitido aos funcionários judiciais progredir na carreira durante esses anos, levando a que, quando a partir de 2018 foi decidido o descongelamento das carreiras para a administração pública, fossem aplicadas regras diferentes de descongelamento consoante o funcionário tivesse tido ou não uma promoção entre 2011 e 2017.
As carreiras gerais viram a totalidade dos anos congelados -- sete anos -- contabilizados para efeitos de progressão, atribuindo um ponto por ano de congelamento, sendo que nestas carreiras as progressões acontecem quando se atingem 10 pontos.
Tendo por base isto, o Governo decidiu que para as carreiras especiais seria criada uma regra de recuperação de 70% do tempo necessário para uma progressão, definindo tempos diferentes consoante os tempos necessários à progressão em cada carreira.
No caso dos funcionários judiciais, definiu-se como tempo de recuperação dois anos, um mês e seis, dias, 70% dos três anos necessários para avançar na carreira.
Segundo o ofício do SFJ, a aplicação da lei levou a que, por exemplo, um oficial de justiça que tenha entrado na carreira em 1999 e tenha mudado de categoria em 2017, ainda durante o período de congelamento, sendo promovido de auxiliar a adjunto, tenha visto apenas ser contabilizados 36 dias, porque a interpretação da lei era de que o descongelamento devia incidir apenas no tempo congelado após entrada em funções na nova categoria, e de forma proporcional à regra de 70% decidida para toda a administração pública.
Já outro oficial de justiça, que tenha ingressado na carreira também em 1999, mas que não tenha tido qualquer progressão de categoria, recuperou todo o tempo de serviço previsto, ou seja os mais de dois anos, o que se traduziu naquilo que o SFJ considera uma segunda desigualdade, inconstitucional, para além da diferença no tempo recuperado entre profissionais com o mesmo tempo de serviço.
A carreira de funcionário judicial permite não só a progressão vertical -- entre três categorias profissionais -- como a progressão horizontal, ao ter escalões remuneratórios dentro de cada categoria.
O funcionário judicial que não teve qualquer progressão de escalão durante o período de congelamento, e que por isso viu recuperado todo o tempo de serviço, viu-se em janeiro de 2022, segundo os dados do SFJ, numa posição de estar num escalão remuneratório que o colocava a auferir um salário superior ao oficial de justiça que tinha progredido na carreira e que tinha recuperado 36 dias de tempo congelado.
Para o SFJ, "não existe qualquer justificação para a diferenciação legal, dado que pertencem à mesma carreira e são-lhe aplicadas as mesmas regras legais (...). Além de que se violou o princípio da igualdade, da justiça, da proporcionalidade previstos na lei e constitucionalmente reconhecidos".
O sindicato acrescenta que para os funcionários que apenas viram contado o tempo congelado após a promoção, o tempo congelado antes de esta se concretizar "nunca mais poderá ser recuperado" e "cria desigualdades entre eles sem motivo justificativo", acrescentando que, "em termos práticos", se verificou que "manter a categoria de base foi mais vantajoso do que ser promovido".
Houve ainda casos em que foi decidido que aos que foram promovidos em 2018 não havia lugar a qualquer contabilização do tempo de serviço, segundo o ofício do SFJ.
"(...) o mais correto seria contabilizar-se aos trabalhadores até à promoção o tempo proporcional aos 70% do módulo de tempo padrão e a partir da promoção, o tempo proporcional aos 70% do módulo de tempo padrão. Só assim se conseguiria respeitar a lei e o princípio da igualdade. E permitindo que todos recuperassem na exata medida o tempo de serviço que foi permitido recuperar", defende o SFJ.
Para o presidente do SFJ, António Marçal, o nível de desigualdade e discriminação pode aumentar nos próximos tempos face a outras carreiras na administração pública, uma vez que a coligação Aliança Democrática e o Partido Socialista tinham nos programas para as legislativas de 10 de março a recuperação de tempo de serviço ainda congelado aos professores.
"Se não for resolvido o problema, a discrepância [entre carreiras] vai ser ainda pior", disse Marçal.
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