A Polícia Judiciária (PJ) está esta quinta-feira a fazer buscas em duas unidades do Serviço Nacional de Saúde e em instalações da Segurança Social no âmbito do caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com um medicamento de quatro milhões de euros.
A notícia surge dias depois de Lacerda Sales ter pedido para adiar a Comissão de Inquérito ao caso, para o qual tinha sido chamado, por motivos profissionais. Sabe-se agora que esse pedido pode estar relacionado com o facto de este já saber que tinha sido constituído arguido no caso.
Recorde-se que o ex-secretário de Estado da Saúde é um dos principais suspeitos no caso, em que são investigados crimes de "prevaricação, em concurso aparente com o de abuso de poderes, crime de abuso de poder na previsão do Código Penal e burla qualificada".
As buscas foram levadas a cabo no penúltimo dia de campanha eleitoral e marcaram, inevitavelmente, o 11.º da corrida às Europeias.
Temido 'foge' a acusações. Cabeças de lista 'tentam' não comentar
Marta Temido, que acaba por ser visada na investigação, uma vez que Lacerda Sales foi seu secretário de Estado, foi das primeiras a reagir.
"As polícias e o Ministério Público (MP) têm de fazer o seu trabalho de investigação. Eu não comento 'timings', eu não comento decisões", começou por referir em declarações aos jornalistas, na Figueira da Foz, acrescentando, de forma algo exaltada, que "não tenho nenhuma ligação à situação e insisto nesse aspeto".
O seu principal opositor, Sebastião Bugalho, tentou contornar as questões que lhe foram feitas sobre o assunto, durante uma visita a uma fábrica a Penafiel, esta manhã, referindo que seria "uma descortesia democrática" comentar um caso que "envolve uma pessoa que está a disputar esta eleição".
Questionado sobre o timing da investigação e a forma como esta pode afetar a imagem de Marta Temido a dois dias das eleições Europeias, o cabeça de lista da AD disse tratar-se de uma "coincidência".
"A nossa mensagem é positiva, eu não nacionalizo a campanha nem para me aproveitar do sucesso do Governo nem das controvérsias da oposição", atirou.
Já o candidato da Iniciativa Liberal corroborou desta última opinião, referindo que aqueles que aproveitam os "galões nacionais" para se saírem melhor na campanha às Europeias não merece um lugar no Parlamento Europeu.
"Tudo o que nós quisermos fazer para poluir a agenda da campanha eleitoral europeia vamos conseguir fazê-lo, portanto, eu vou fazer o meu trabalho que é não deixar poluir a campanha europeia por temas nacionais", sublinhou João Cotrim Figueiredo.
Também o cabeça de lista da CDU recusou fazer "aproveitamento político" das buscas que estão a ser feitas pela PJ sobre o caso das gémeas, pedindo uma rápida apuração dos factos, enquanto Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, defendeu que a Justiça deve ter garantias de independência face ao poder político - mas também provar que a tem na forma como atua.
Na ótica da bloquista, o caso em si deve ser esclarecido mas alertou que o que faz com que as pessoas "se escandalizem com todo este caso é a perceção de que há uma dificuldade de acesso ao Serviço Nacional de Saúde".
O Chega, por sua vez, não se inibiu em levantar questões sobre o caso, questionando mesmo o envolvimento de Marta Temido. André Ventura disse considerar "estranho" que a ex-ministra da Saúde e cabeça de lista do PS não soubesse de nada sobre o caso das gémeas, e acusou os socialistas de tentarem "abafar esta investigação".
Lacerda Sales e uma "estranha coincidência"
No dia em que foram anunciadas as buscas, soube-se também que António Lacerda Sales é arguido no processo. O presidente da comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas considerou ser "uma estranha coincidência" que Lacerda Sales seja constituído arguido no dia em que estava previsto ser ouvido no Parlamento.
"É uma estranha coincidência que no dia original em que ele era para ser ouvido pela comissão é o dia em que sabemos que ele é constituído arguido", disse à agência Lusa Rui Paulo Sousa (do Chega), referindo que só teve conhecimento da situação pelas notícias. Este lamentou ainda ter conversado por telefone com o visado e este nunca o ter avisado da situação em que estava envolvido.
O 'caso das gémeas' e a operação em curso
Em causa, note-se, está o tratamento, em 2020, de duas gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa, com o medicamento Zolgensma.
Com um custo total de quatro milhões de euros (dois milhões de euros por pessoa), este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa. O medicamento terá sido administrados às duas crianças por alegadas pressões do filho do Presidente da República.
As buscas hoje realizadas visam, segundo a Polícia Judiciária, o cumprimento de 11 mandados de busca e têm como objetivo "a recolha de equipamentos de telecomunicações, informáticos, prova de natureza documental, correio eletrónico, elementos que serão submetidos a exames e perícias, tendentes ao cabal esclarecimento dos factos".
Na operação participaram cerca de 40 inspetores da UNCC e peritos da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária, além de diversos magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais.
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