O caso das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal que foram tratadas com Zolgensma, um medicamento que custa mais de dois milhões de euros, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, voltou a adensar-se. Com o arranque das audições da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na segunda-feira, ficou a saber-se, na quarta-feira, que a mãe das meninas será ouvida presencialmente, já na sexta-feira. Por outro lado, o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, recusou-se a prestar esclarecimentos, o que levou a CPI a intimá-lo a comparecer "presencialmente ou por videoconferência", sob pena de vir a ser alvo de uma queixa pelo crime de desobediência. Foi, entretanto, constituído arguido, tendo Marcelo Rebelo de Sousa assegurado que "não sabia" destes desenvolvimentos.
"A audição à mãe das gémeas na próxima sexta-feira vai ser presencial. Ela confirmou que pode deslocar-se presencialmente. Antes não podia mas agora já disse que sim, através do advogado", fez saber o deputado do Chega e presidente da CPI, Rui Paulo Sousa.
O responsável apontou que os custos da viagem serão assumidos pela Assembleia da República, "tal como já estava autorizado", prevendo-se que a audiência ocorra "por volta das 14h00" de sexta-feira, dia 21 de junho.
Daniela Martins mostrou-se também disponível para ser inquirida pelo "Ministério Público [MP], pela Polícia Judiciária [PJ] ou por qualquer órgão [judiciário] que esteja a investigar o caso", para que, segundo o seu advogado, "possa seguir a sua vida sem essa mácula, essa mancha na história dela e das filhas".
A mãe das meninas, que provavelmente chegará a Portugal esta quinta-feira, não foi constituída arguida no caso. O mesmo não se pode dizer do filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, que se juntou à lista já composta pelo antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, e pelo ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria, Luís Pinheiro.
Antes, Nuno Rebelo de Sousa, cuja audiência na CPI estava prevista para 3 ou 4 de julho, recusou comparecer, tendo invocado o estatuto processual que alegou ter, ainda que não tenha esclarecido qual. Perante esta decisão, a CPI anunciou que poderá avançar com uma queixa por desobediência qualificada, um dos crimes previstos neste caso, para o Ministério Público (MP).
"O Chega não aceitará que ninguém, cidadão português ou não, se recuse a participar numa comissão de inquérito", disse o presidente do partido de extrema-direita, André Ventura, tendo frisado que o filho de Marcelo "é um elemento fundamental para o apuramento da verdade". Garantiu, por isso, que Nuno Rebelo de Sousa "tem os mesmos direitos que toda a gente para responder via videoconferência, meios telemáticos", e, ao mesmo tempo, indicou que "o Parlamento colocará à sua disposição todos os meios".
Marcelo Rebelo de Sousa, por seu turno, garantiu que "não sabia" que o filho tinha sido constituído arguido, tendo reforçado que obtém informações sobre os avanços no caso através da comunicação social, uma vez que deixou de falar com Nuno Rebelo de Sousa.
"Não tenho anda a dizer sobre isso. Acaba de me dar uma notícia que eu não sabia [...] e tomo-a como boa", disse.
O Chefe de Estado complementou ainda que as suas afirmações anteriores não tiveram "alteração nenhuma", não tendo, por isso, "nada de novo a acrescentar".
Saliente-se que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) concluiu que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal, enquanto uma auditoria interna do Hospital Santa Maria deu conta de que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.
Já na sua comunicação de 4 de dezembro do ano passado, o Presidente da República traçou a linha temporal da intervenção da Presidência no caso, depois de o programa da TVI Exclusivo ter divulgado que as gémeas tinham sido tratadas em Portugal por sua influência.
De acordo com Marcelo, a documentação enviada pelo filho foi reencaminhada para a Casa Civil no dia 21 de outubro. A resposta chegaria dois dias depois, tendo sido garantido a Nuno Rebelo de Sousa que o processo foi recebido, mas que estavam a ser "analisados vários casos do mesmo tipo", com capacidade de resposta "limitada".
O filho de Marcelo contactou novamente a Casa Civil, tendo o organismo apontado que "a prioridade é dada aos casos portugueses, daí que não tenham sido contactados, nem devam ser", uma vez que as crianças não se encontravam no país. Os pais das meninas foram informados, e assim terminou a intervenção da Presidência, de acordo com o Chefe de Estado.
Sublinhe-se ainda que, no Brasil, o Tribunal Regional Federal decidiu que as menores não deveriam receber o medicamento através do Estado, uma vez que a família não estava "em condição de pobreza e as crianças não [estavam] desassistidas".
Leia Também: Filho arguido? "Eu não sabia", diz Marcelo