"A cidade está a ser adulterada na sua paisagem urbana", afirmou aos jornalistas o presidente da Câmara do Porto, o independente Rui Moreira.
O autarca, que na segunda-feira pediu ao Governo alterações no licenciamento zero que permitam aos municípios regular o comércio, destacou que "não acordou ontem [segunda-feira] mal disposto" e que há já algum tempo esta matéria tem sido alvo de preocupação.
"As nossas cidades começam a ter um conjunto de alterações no uso que resultam de inúmeros fenómenos, mas essas lojas de 'souvenir' [lembranças] parecem ter suscitado algumas dúvidas", referiu.
Segundo Rui Moreira, em setembro do ano passado, o Ministério da Administração Interna, então liderado pelo socialista José Luís Carneiro, solicitou à autarquia um levantamento e mapeamento dessas lojas.
"O então ministro da Administração Interna entrou em contacto com a Câmara do Porto e disse que estava a ser feita uma investigação, salvo erro também no âmbito da PGR [Procuradoria Geral da República] de Lisboa, para perceber porque é que subitamente havia uma proliferação dessas lojas na cidade", adiantou.
Em setembro de 2023 existiam 181 lojas de souvenir em 43 ruas do centro histórico do Porto, indicou Moreira, dizendo acreditar que os números "hoje são piores".
"Aquilo que era a preocupação então do senhor ministro era que não lhe parecia haver uma relação direta entre aquilo que são as vendas potenciais dessas lojas e as rendas que essas lojas vão pagando à medida que se vão apropriando significativamente de locais 'premium' do Porto, o que não parece compaginável com o tipo de produtos que vendem", indicou.
Questionado se poderiam existir interesses ocultos por detrás destes negócios, ou até mesmo suspeitas de pessoas a dormir nas traseiras, Rui Moreira disse não lhe competir avaliar se existem essas suspeitas ou interesses, mas assumiu estar preocupado com o aumento destes negócios na cidade.
"Uma cidade é feita de um misto (...). Se, de repente, há determinadas atividades que começam a tomar conta da cidade, essa é uma situação em que os municípios deviam ter uma palavra a dizer", referiu, assinalando que este tipo de comércio "está a degradar a imagem que os portuenses têm da própria cidade".
A par do aumento do número de lojas de 'souvenir', o autarca destacou as transformações de hábitos e consumos das populações, dando como exemplo a Livraria Latina, espaço histórico na Rua de Santa Catarina que irá encerrar.
"O neto do fundador faleceu, a loja foi vendida a um grupo, é o maior grupo editorial português, esse grupo foi agora adquirido por uma multinacional e resolveram fechar. Não tem a ver com especulação imobiliária ou rendas, porque para isso temos proteção. Eles resolveram encerrar a loja", avançou Rui Moreira, que acabou por não visitar a livraria na sequência do mau tempo.
O autarca lamentou, no entanto, que "muitas das pessoas que estão indignadas" com o fecho da livraria, "nunca lá tenham comprado um livro".
"Uma loja não é um papel de parede, é um sítio onde temos de ir. Começamos a comprar os livros como? Ou não compramos, ou compramos nas grandes superfícies ou 'online' e isso naturalmente leva a que este tipo de atividades extinga. O presidente da câmara nada pode fazer, pode apenas chorar como os outros e dizer 'que pena que já não há a livraria onde eu comprei e apresentei livros'", referiu.
Aos jornalistas, Rui Moreira salientou que as práticas de consumo da população ditam o futuro de uma cidade.
"Não podemos esperar que seja o presidente da câmara a ir ter com uma multinacional e a dizer que mantemos a loja aberta, é uma coisa impensável e que não faz nenhum sentido".
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