"Se acontecer uma catástrofe em Portugal, o sistema não vai funcionar"

O engenheiro e diretor da Escola Portuguesa de Salvamento, Francisco Rocha, é o entrevistado desta sexta-feira do Vozes ao Minuto.

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© Fotografia cedida por Francisco Rocha

Cátia Carmo
13/12/2024 09:05 ‧ há 5 semanas por Cátia Carmo

País

Francisco Rocha

Em criança passava os fins de semana inteiros nas serras, em Valongo, a ver os mais velhos descer às minas. Aos 16 anos começou a 'matar o bichinho' de descer às grutas e cavernas praticando espeleologia, mas foi depois da experiência militar e de um emprego numa empresa de segurança que Francisco Rocha percebeu que a sua vocação era para salvar pessoas e resolver situações-limite.

 

Completou a carreira de bombeiro e, não satisfeito, foi ver o que se fazia pelos Estados Unidos e no Reino Unido na área do salvamento. Ficou um ano por terras britânicas, onde fez parte da Rescue 3, uma conceituada escola de formação em emergências. Desafiado por um dos tutores, Jonathan Gorman, trouxe o "conceito inovador" para Portugal. Em 2010 fundou a Escola Portuguesa de Salvamento e a SAR Team, uma organização voluntária de Proteção Civil.

Acabaria por revolucionar toda a prática do salvamento em Portugal, transmitindo métodos novos a corporações de bombeiros de todo o país. A equipa que fundou tornou-se de tal forma conceituada que levou a uma mudança na lei, em março de 2017, para as Organizações de Voluntários de Proteção Civil (OVPC), permitindo-lhes intervir "quando acontecem as catástrofes", tanto cá como lá fora. Hoje são uma referência na área do salvamento e é o telefone de Francisco que toca se Portugal for chamado para ajudar outro país durante uma situação de calamidade.

A SAR Team esteve a ajudar no sismo de fevereiro de 2023, na Turquia. Por cá, são presença constante nos maiores incêndios, estiveram nas cheias na Madeira, em 2010, e no tornado do Algarve, em 2012, em que o autarca até chorou, comovido com toda a preciosa ajuda que deram no terreno. 

Nas devastadoras cheias provocadas pelo fenómeno DANA, em Valência, não puderam ir ajudar por "questões políticas", mas o engenheiro não tem dúvidas de que houve muita coisa mal feita que custou vidas humanas. Quanto a Portugal, não tem dúvidas de que o país não está, de todo, preparado para qualquer grande catástrofe.

Estávamos mesmo 30 anos atrasados em comparação ao que se fazia lá fora

Teve dificuldade em integrar em Portugal o conceito de escola de formação para emergências que trouxe do Reino Unido?

Os primeiros anos foram muito difíceis porque era algo completamente novo, não havia nada neste conceito. Só que eu também fui bastante inteligente. Arranquei cá, em Portugal, com três cursos que eu sabia perfeitamente que iam ter sucesso. Eram lacunas da nossa falta de formação de profissionais. Tendo estado eu no área dos bombeiros e percebendo perfeitamente o que é que eu tinha aprendido lá fora, que melhorou a minha carreira profissional, sabia perfeitamente qual era a falha aqui e arranquei com três cursos: 'Rapid Intervention Teams', que eram equipas de intervenção rápida. Traduzimos à letra porque é mesmo para os operacionais que fazem busca em ambiente urbano de incêndio; arranquei com o Salvamento Técnico Cordas, que era 'loop rescue'. Este aqui, além de ser uma falha, era mesmo um erro. O que havia em Portugal era o salvamento em grande ângulo - eu era formador da Escola Nacional de Bombeiros nessa área -, mas quando fui para Inglaterra levei um choque enorme, porque era uma coisa completamente diferente do que nós ensinámos. Estávamos mesmo 30 anos atrasados em comparação ao que se fazia lá fora; e trouxe o Socorro no Local Remoto, que era o conceito de busca de desaparecidos em ambiente remoto.

Pode dizer-se que nos dois primeiros anos da escola fizemos 80 formações e só tínhamos três cursos. Agora temos 52. Foi uma coisa maluca de procura. Todos os cursos que abríamos esgotávamos completamente. Era uma ideia nova que teve uma projeção enorme.

As corporações de bombeiros aceitaram facilmente o conhecimento de alguém vindo de fora? Não houve resistência?

Já tinha passado por muitas corporações, muita gente já me conhecia da área. Eu já dava o curso de salvamento em grande ângulo noutro modelo e quando comecei a projetar a ideia tive grande aceitação, tal como hoje em dia. Claro que temos o know-how agora, é uma coisa diferente. Catorze anos depois as coisas mudam radicalmente. Tivemos muita gente que, além de procurar, comprou a ideia. Quatro anos depois, até começaram a abrir outras escolas no mesmo modelo. Uma das escolas tem a maior parte dos formadores formados por nós. É normal, é o mercado.

O que fez com que a escola crescesse muito foi ter escolhido esses três cursos que sabia que eram uma falha grave na formação de profissionais em Portugal. E depois também o modelo formativo. Num curso de grande ângulo dado pela Escola Portuguesa Salvamento, a que nós chamamos Salvamento Técnico de Cordas, levo 30 horas e consigo ensinar muito mais matéria do que um curso de grande ângulo dado no modelo que dava da Escola Nacional Bombeiros, de 50 horas.

Muita gente ainda agora no Brasil me disse: "Isto é um modelo formativo espetacular", mas o modelo formativo não é meu, atenção! Importei o que era da Rescue 3 e instalei o mesmo modelo formativo. Podia ter adaptado para o conteúdo português, como é lógico, temos de fazer adaptações para a nossa forma de trabalhar, mas, na realidade, o modelo formativo que utilizo em todos os cursos da escola é o modelo que importei de Inglaterra e com o qual trabalhava lá. Basicamente é um modelo onde o formador demonstra a técnica e depois dá a hipótese de os praticantes fazerem exatamente a mesma repetição.

Tive muitos profissionais que eram excelentes na escrita e quando chegavam ao terreno eram péssimos na execução.

Está provado que a teórica fica 10% - no máximo 15% - no cérebro humano. Por isso não tem aproveitamento. Tive muitos profissionais que eram excelentes na escrita e quando chegavam ao terreno eram péssimos na execução. Nesta área operacional é a execução que conta e conseguimos que a absorção pelo pessoal que está a fazer o curso seja perto dos 60%, o que é muito bom, em números de formação. Depois temos uma taxa de satisfação de 98%, por isso estamos acima da média de qualquer tipo de formação, e estamos com 1200 cursos dados em 14 anos.

A quem se dirigem os cursos? Só a bombeiros?

Em 2014 tivemos de abrir o leque. Até esse ano só dávamos a áreas de Proteção Civil e Socorro, mas tivemos de abrir a área profissional. Os profissionais que estavam a ser formados por nós começaram a queixar-se de acidentes de trabalho em áreas técnicas, que é o trabalho em altura, em espaços confinados e a quente, que são todos muito técnicos. Começámos a identificar que a própria indústria estava a ter imensas falhas de execução e então fizemos parcerias, porque a nossa autorização de formação profissional é numa área que é o 361, a proteção de pessoas e bens.

Fizemos ligação com alguns centros de formação profissional que sabíamos que trabalhavam com a indústria. Criámos protocolos com seis ou sete centros de formação em que damos trabalho em altura nível um, nível dois, espaços confinados e trabalhos a quente, tudo o que é áreas técnicas. A partir de 2014 ficámos com imensos cursos que damos a empresas de áreas técnicas para formar melhores profissionais deles que fazem este tipo de trabalho, para se colocarem menos em risco. Os salvamentos em silos, por exemplo são uma coisa bastante técnica e havia essa falha. 

A equipa nasce literalmente com o tornado do Algarve

Além do trabalho de formação, também vão para o terreno em situações de catástrofe.

A equipa nasce literalmente com o tornado do Algarve. Quando acontece tínhamos cerca de 15 pessoas na equipa, em outubro de 2011, que era no início da escola. Na altura, quando ocorre o tornado, percebemos que podíamos ajudar. Naquele momento tínhamos metade da equipa no Porto e outra metade em Lisboa. Os formadores de Lisboa encontraram-se a meio do caminho connosco e depois partimos para baixo todos juntos. Ao longe começámos a conversar e a perguntarmo-nos porque não íamos ajudar. Tínhamos o equipamento da escola e o conhecimento todo. Foi uma conversa de meia hora e decidimos ir todos para baixo. Fomos três carros cheios, 15 pessoas, para o tornado do Algarve.

Quando chegámos lá conseguimos fazer uma grande diferença porque tínhamos um conhecimento que não era normal. Foi a primeira grande catástrofe natural dos últimos tempos a chegar cá a Portugal e chegámos lá com um tipo de formação que não era vista, era muito específica para estas áreas. Tínhamos formação de estruturas colapsadas e aquilo eram estruturas colapsadas. Era a nossa área. Quando chegámos lá, na altura, o Marco Martins, que agora é comandante de Óbidos mas foi adjunto-nacional, conhecia-me e deu-me luz verde para trabalhar.

O presidente da Câmara de Silves chorou à minha beira por aquilo que conseguimos fazer

No domingo, quando estávamos para vir embora, o presidente da Câmara de Silves veio falar comigo para agradecer e estava preocupado porque achava que, ao irmos embora, a ajuda e organização iam acabar. Aconselhei-o a fazer o que se faz lá fora, a apelar à população para ajudar. Tanto que temos uma carta de reconhecimento da Câmara de Silves por causa disso e o presidente chorou à minha beira por aquilo que conseguimos fazer. Disse-lhe para pedir às pessoas que têm carros para publicidade na rua para se reunirem num largo, em frente à piscina, no domingo de manhã e dizer-lhes para ajudarem porque a reconstituição faz parte de todos.

Os bombeiros são uma coisa de primeira resposta, não são uma coisa de segunda resposta, que é quando acontecem as catástrofes

Foi uma coisa incrível. O homem fez exatamente o que eu disse e no domingo de manhã, às 11h00, tínhamos uma praça cheia de pessoas. Foi incrível ver-se aquela população toda a limpar a cidade de uma forma inacreditável. Só visto, mesmo. Tanto que ele nos fez um louvor. Quando regressámos ao Porto e os colegas a Lisboa, questionámo-nos: porque é que não criámos algo para ajudar? Porque não havia nada disto. O que havia em Portugal era apenas bombeiros, não havia mais nada. Os bombeiros são uma coisa de primeira resposta, não são uma coisa de segunda resposta, que é quando acontecem as catástrofes.

Decidimos então criar, mas tínhamos um problema: não havia nada na lei. Por isso, na realidade, a SAR Team nasceu antes da lei que existe agora para as OVPC [Organização de Voluntários de Proteção Civil]. A lei sai em março de 2017, após eu e muitas pessoas que me ajudaram irmos ao Parlamento tentar fazer com que houvesse uma proposta de lei específica para as OVPC. Nós existimos à margem da lei, a lei depois é que teve de se adaptar a nós. Neste momento temos uma lei de Proteção Civil, fazemos um processo de reconhecimento à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, temos, digamos, um alvará.

Tivemos muitas situações em que íamos tentar ajudar e nunca tivemos um "não", mas eu dizia aos senhores no Parlamento que tinham de criar uma lei porque podia haver um "não" a qualquer momento. Até houve situações em que um colega nosso foi identificado pela GNR. Eles não tinham conhecimento, tinham que fazer os procedimentos legais normais. Nunca houve nada jurídico contra nós mas, na realidade, houve um processo aqui ligeiramente complicado.

Na altura, com a nossa projeção também internacional em 2014, tivemos a hipótese de partir para uma organização que é a EVOLSAR, a Organização Europeia de Equipas Voluntárias de Proteção Civil. O nosso encaixe nessa organização acabou por nos abrir muitas portas, tanto em termos internacionais, como nacionais. Éramos conhecidos lá fora e nem sequer havia uma lei em Portugal. Isso ajudou-nos imenso. Neste momento somos uma equipa de referência, tanto nacional como internacional, e temos ajudado outras equipas a crescerem, como por exemplo a APBS [Associação Portuguesa de Busca e Salvamento], que é outra equipa que agora também foi para Sevilha.

Portanto, a SAR Team é uma fundação da Escola Portuguesa de Salvamento (EPS). Os sócios da EPS – eu, a minha mulher e outro sócio – na realidade são os fundadores da SAR Team. Neste momento a equipa tem mais de cem operacionais, distribuídos pelo país todo, desde lá debaixo, do Algarve, até cá acima, e já com um grande 'know-how' de missões com alguma significância em termos internacionais.

Se houver uma catástrofe em Portugal são vocês que tomam a iniciativa de ir para o terreno ou a vossa ajuda tem de ser ativada?

Existem duas equipas da EVOLSAR em Portugal neste momento, que somos nós e os Bombeiros de Peniche. Os Bombeiros de Peniche foram colocados por nós, porque temos lá um plano de formação e quisemos que os Bombeiros de Peniche estivessem metidos na EVOLSAR, por isso também fazem parte. O ponto de contacto em Portugal sou eu. Se precisar de solicitar a ajuda deles, solicito. Estamos a fazer o processo para entrarem mais duas corporações de bombeiros em Portugal, que são os Bombeiros de Penela e os Bombeiros de Lagos, porque também têm parcerias connosco e dá-nos jeito que isso aconteça.

Em termos de resposta internacional existem três formas de resposta. Uma delas é o acordo bilateral, que é o acordo com outro país qualquer. Por exemplo, nós temos uma relação direta com a Espanha e podemos responder a Espanha pelo acordo bilateral. Depois existe o Mecanismo Europeu de Proteção Civil, que normalmente é muito acionado pela GNR e pelo INEM, que são as organizações estatais. Há também outra coisa, que é o mecanismo das Nações Unidas, o ISARAG [International Search and Rescue Advisory Group]. Digamos que o ISARAG é o grupo de SAR das Nações Unidas. Não é estatal, têm de ser ONG a ativar.

Neste tipo de resposta internacional, com o Virtual OSOCC [Centro Virtual de Coordenação de Operações sobre o local, em português], neste momento somos a única equipa portuguesa lá registada. Por isso, somos a única equipa portuguesa que, na realidade, está introduzida no ISARAG porque cumprimos os requisitos deles.

Que requisitos são esses?

Aquilo tem três níveis de resposta: equipa ligeira, média e pesada. Nós cumprimos o requisito na média, mas respondemos como ligeira. Podíamos responder como média, mas temos um grande problema, que é juntar 32 elementos para arrancar em 48 horas. Então temos o equipamento de média, mas respondemos como ligeira, que é com 18 elementos. Porque aquilo depois tem em conta o equipamento e o número de pessoas. Só os americanos, canadianos, por aí adiante é que têm equipas pesadas, com 64 elementos prontos para responder em 48 horas.

Dependemos de voluntários que têm os seus trabalhos, é muito difícil passarmos para estes números. Preferimos inscrever-nos como equipa 'light', mais ligeira, de 18 homens, e que tenha aquela capacidade técnica.

Somos a única equipa portuguesa inserida nesse servidor, nesse portal. Qualquer situação que aconteça, em qualquer parte do mundo, em que seja acionado o mecanismo de resposta das Nações Unidas, que são a maior parte das missões de catástrofe, nós podemos, literalmente, responder.

Espanha recusou ajuda, tudo e mais alguma coisa, por isso nunca fomos para lá

Por que não foram para Espanha há pouco mais de um mês, onde o fenómeno DANA matou mais de 200 pessoas e deixou um rasto de destruição na região de Valência?

Foi uma treta porque Espanha recusou ajuda, tudo e mais alguma coisa, por isso não fomos para lá. Às vezes é preciso percebermos onde estamos inseridos porque, por exemplo, se tentássemos ir para Espanha fora do mecanismo seríamos prejudicados. Não sendo ativados estamos a ir contra o que está escrito e isso foi uma coisa que nos criou alguma sensibilidade. É estranho, não é? Estamos aqui perto! Fomos para a Turquia, para o México e depois não podemos ir aqui para os nossos vizinhos espanhóis, sabendo que temos qualidade para responder e que temos capacidade técnica para aquele tipo de incidente mas, na realidade, não podíamos porque Espanha, infelizmente, não pediu ajuda formal, não pediu ajuda formal de nada.

Pediram muito mais à frente, na reposição da normalidade, em que foram aqueles cem homens portugueses mas, para as ações de socorro, Espanha recusou sempre a ajuda. Esse foi um dos problemas que nós levantámos. Ir fora do sistema pode criar-nos problemas e tirar-nos de lá. As pessoas às vezes não conseguem entender.

Dos acordos bilaterais fazem parte todas as equipas da EVOLSAR, que são 16 equipas, de dez países. Estamos a falar de Portugal, França, Itália, Malta, Grécia, Inglaterra ou Hungria. Podemos responder-lhes em qualquer tipo de situação, por acordo bilateral. Temos lá os nossos colegas dessas equipas e se houver, por exemplo, uma cheia no sul da Itália, pode haver só um despacho nosso sem ativação do mecanismo.

Criam-se elos de ligação, eliminando a barreira em termos de processo de embaixada, porque em qualquer missão destas temos de pedir o aval à embaixada do país correspondente. Há formas de contornar o aconselhamento das embaixadas, mas não é o procedimento correto.

Tivemos esse problema nos incêndios na Madeira. O governo regional não queria pedir ajuda

Por que é que Espanha não aceitou ajuda?

Políticas, Esquerdas e Direitas. Infelizmente deu a entender muito isso. A Direita é o governo local e a Esquerda é o governo central. Foi um bocadinho isso, porque quem não pediu ajuda foi o regional ou nacional. Nós tivemos esse problema na Madeira. Numa escala mais pequena, quando os incêndios estavam lá, nós tínhamos equipa pronta para arrancar do continente e o governo regional não queria pedir ajuda. Só acabou a pedir porque houve força política, porque senão nem tinha aceitado a ajuda. Ali é exatamente a mesma coisa. É uma província que não quis mostrar a falha de resposta e pedir ajuda, que é uma coisa contra a população.

Esses casos, em que a ajuda é negada, são frequentes?

A política internacional é mesmo isso. Quando aconteceu o terramoto em Marrocos, só três países, que são monárquicos, tiveram autorização para responder lá: Espanha, Inglaterra e Emirados Árabes Unidos. Mais nenhum país foi autorizado a intervir. Quando aconteceu eu disse logo: 'Em Marrocos esqueçam, Portugal não vai'. Marrocos é um país de monarquia e nunca uma monarquia aceita ajuda de um país de república, porque mostra uma fragilidade perante as repúblicas, por isso é sempre a monarquia que vai lá. Infelizmente em Espanha foi um bocado isso.

Aquilo foi muito mau. Mandarem 500 homens para uma catástrofe em que havia dois mil desaparecidos é surreal para um país que tem um sistema de Proteção Civil muito superior ao nosso. Como é que Espanha nos manda ajuda para os incêndios florestais e não se consegue ajudar a si própria numa situação destas? Eles têm um sistema militar muito superior ao nosso. Acabámos por mostrar que, apesar de tudo, até acabamos por ser mais organizados, conseguimos meter mil homens num incêndio florestal e conseguimos organizar-nos para esse tipo de resposta.

Quando foi o sismo da Turquia, o Chipre tinha um avião com 60 pessoas para ir ajudar e não foi aceite porque a Turquia não os reconhece como país

Tem conhecimento de mais alguma situação de catástrofe internacional em que tenha sido negada ajuda?

Quando foi o sismo da Turquia, o Chipre tinha um avião com 60 pessoas para ir ajudar e não foi aceite porque a Turquia não os reconhece como país, mas estiveram a trabalhar na mesma cidade os russos e os ucranianos, ou seja, aceitaram ajuda da Rússia e já estávamos com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Até nos ríamos porque puseram, na mesma cidade, os russos e os ucranianos, mas em setores completamente diferentes, e não aceitaram um avião carregadinho de ajuda com operacionais. Infelizmente estas coisas passam-se por trás, é triste. No meio disto tudo quem perde é a população.

A sociedade portuguesa está preparada para este tipo de catástrofes? A maioria das pessoas nem tem curso de primeiros socorros, ao contrário do que acontece noutros países europeus.

Vou falar da realidade que conheci durante um ano, que é Inglaterra, e posso dizer que em 2009 chegava a qualquer rua, cemitério ou igreja e tinha um desfibrilhador automático. Nós começámos a entrar nessa ideia há três ou quatro anos. Começámos a pô-los em espaços públicos, nas ruas e nas praias, mas mesmo assim muito aquém. Aliás, está na lei que todos os espaços públicos que recebam mais de 500 pessoas têm de ter DAE [Desfibrilhador Automático Externo] e, mesmo assim, a maior parte, principalmente escolas, não cumprem a lei.

Continuamos a ensinar as nossas crianças, erradamente, a meterem-se debaixo das mesas. Essa realidade já mudou

A maioria das pessoas nem os sabe utilizar…

Isso tem que partir da nossa sociedade. Temos algumas disciplinas na escola que podem ser adaptadas à realidade. Ensinar Suporte Básico e Vida às nossas crianças está escrito nos conteúdos curriculares há anos e ainda não está a ser feito, ensinar cidadania relativamente à Proteção Civil também não está. Continuamos a ensinar as nossas crianças, erradamente, a meterem-se debaixo das mesas. Essa realidade já mudou.

O que me interessa, não percebendo nada de Proteção Civil, receber um SMS a dizer que vai chover torrencialmente?

O que fez quando se sentiu este último terramoto mais intenso em Portugal, no passado mês de agosto?

Estava de férias, em Sines, quando se deu o sismo, e estava no prédio mais alto de Sines, num hotel, no sétimo andar. Tenho um bebé pequenino, na altura tinha um aninho. O bebé estava no meio de mim e da minha esposa e mal se dá aquilo eu ponho-me a pé da cama e digo à minha esposa que é um sismo. Levo sempre, sempre a minha mala de emergência, vai para todo o lado comigo. Estava à minha frente, peguei logo nela. Na altura falei com muitos jornalistas mas, infelizmente, na mesma semana caiu o helicóptero no Douro em que morreram aqueles militares da GNR.

Estavam todos a falar de medidas sísmicas, dos prédios em Lisboa, mas depois com a queda do helicóptero esqueceu-se completamente. Se perguntares o que foi feito depois disso, a resposta vai ser rigorosamente nada. Nada mudou.

O que é que as pessoas fazem com um SMS que recebem? O que me interessa, não percebendo nada de Proteção Civil, receber um SMS a dizer que vai chover torrencialmente? A maior parte das pessoas que morreram em Espanha estavam a tentar sair de casa, foi o pior erro que se podia ter feito.

Infelizmente, a maior parte das pessoas morreu porque tentou sair dos locais onde estavam, seguras, refugiadas

As pessoas deviam, perante o aviso de chuvas intensas e risco de cheias, ter permanecido em casa?

A maior parte da construção na zona baixa de Valência é de quinto e sexto andar. Não teriam sido afetados se ficassem dentro dos apartamentos e subissem para os andares superiores. Infelizmente, a maior parte das pessoas morreu porque tentou sair dos locais onde estavam, seguras, refugiadas. Portanto, o que me interessa a mim receber um SMS? Em Pedrógão, se as pessoas tivessem ficado cá em baixo na praia, não tinham morrido. Meteram-se na estrada e acabaram por morrer. Temos de saber o que fazer, não basta esta treta dos SMS. São importantes quando as pessoas sabem o que fazer com eles.

No caso de Valência, até houve polémica porque os avisos por SMS chegaram quando já estava a chover intensamente.

Chegaram na altura pior, em que as pessoas não deviam mesmo ter saído de casa. Os brasileiros têm um termo que é enxurrada, nós usamos cheias e cheias rápidas, mas o que eles sofreram foi a chamada enxurrada, um termo antigo do nosso vocabulário técnico de cheias, que já não se usa. Se saíssem antes e protegessem os seus bens, tirassem os carros das zonas críticas, subissem para os pisos superiores, tudo bem. Quando recebem os SMS já está a enxurrada a vir por ali abaixo. A maior parte das pessoas morreu a tentar salvar carros, bens, a fazer coisas que não deviam ter feito. Se subissem para os andares superiores dos apartamentos tinham sobrevivido.

O ambiente que se viveu em Espanha é dos mais contaminantes que pode haver, muito mais do que os sismos, que não espalham

Já na fase de rescaldo, em que estava tudo coberto de lama, vimos milhares de pessoas no terreno, a maioria deles civis, a ajudar. Deviam ter equipamento de proteção individual?

É uma fase altamente tóxica, por todos os aspetos. As cheias são o elemento mais contaminante dos operacionais em terreno. Costumo dizer que uma cheia não tem fronteiras, arrasta tudo. Vai passar por elementos de lixo, combustíveis, matadouros ou aviários. Toda a porcaria vem na água, não há nenhum filtro. Inglaterra tem muitas cheias, estive lá um ano e percebi rapidamente que era um problema. A maior incidência que tinham com profissionais era após a cheia, em que quase todos os operacionais iam parar aos hospitais com gastroenterites. 

Em Espanha não deixa de ser assim também, até por outra coisa: o número de mortos e a contaminação provocada pelos corpos. Mas proibir as pessoas de ir lá ajudar não ajuda. Pudemos ver no caso do sismo da Turquia ou mesmo nos Estados Unidos, com a queda do World Trade Center, que proibir os civis de ajudar é a pior coisa que podemos fazer. Devemos pedir aos familiares para nos ajudar em algo, para os mantermos ocupados e não serem um problema na ação. Se mantivermos os cidadãos ocupados e se sentirem parte do problema, não serão um problema, mas tem de se fazer o que fiz no Algarve, que foi dizer ao presidente da câmara que tinha de arranjar luvas, capacetes e condições, que foi o que fizeram na parte final em Espanha.

A Proteção Civil deve ter stocks armazenados destes equipamentos e há muita coisa aí a apodrecer ainda da Covid-19. O ambiente que se viveu em Espanha é dos mais contaminantes que pode haver, muito mais do que os sismos, que não espalham. Nas cheias tudo se cruza, é o ambiente mais dinâmico que existe.

Então não deviam ter proibido a circulação de civis em determinados locais em Espanha, como fizeram quando milhares de voluntários se deslocaram às zonas afetadas pela catástrofe?

Não encontraram outra forma de gestão, o problema foi esse. Se gerissem a entrada de voluntários dando-lhes um kit e gerindo os setores, seria muito mais fácil. Nunca se vai conseguir limitar esta ajuda, é um ato natural humano. É preferível gerir a ajuda de forma controlada do que proibir a ajuda de forma descontrolada.

Temos de começar a sensibilizar as nossas populações sobre os procedimentos de Proteção Civil. Por exemplo, nós não temos o conceito de 'active shooter' [atirador ativo], mas os países nórdicos treinam para isso. Quando um indivíduo armado começou a disparar numa ponte, em Londres, as pessoas souberam todas exatamente o que fazer, onde se deviam colocar. Nós não formamos as pessoas para isso, para nada. As pessoas não sabem como reagir a uma cheia ou um sismo. Aquela história que fizeram agora no aniversário do sismo de Lisboa, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, com os pontos oficiais para encontros em caso de catástrofe, é uma treta.

Isso significa que, na prática, não funcionam?

Até foi um trabalho que exigiu um levantamento de dados, mas não chega à maior parte da população. Temos de começar a formar a nossa sociedade de raiz. Costumo dizer que fazemos reciclagem porque aprendemos com as crianças, que aprenderam na escola. Temos de pegar nesse padrão de ensino e começar a ensinar as nossas crianças na escola sobre quais são os procedimentos de emergência. Que pessoas é que têm, à saída de casa, uma mala de emergência pronta a sair? Quase ninguém. A minha está ali, com a da minha esposa e do meu filho, sempre à porta.

Quem tem esse tipo de prudência até é considerado como exagerado.

Como um lunático. Até que, infelizmente, as coisas acontecem. Não sabemos se o Putin vai usar armas nucleares. Isto é tudo uma incógnita. Não sabemos se, de um momento para o outro, nos cortam a internet, os dados e 'crashamos' completamente. Isto é a realidade. Temos de estar preparados e temos de começar a sensibilizar. A sociedade não pode viver dependente de um sistema e nós estamos dependentes de um sistema. Nas minhas aulas sobre catástrofes na faculdade digo sempre: numa situação dessas, todos precisam de ajuda, mas a ajuda pode não estar disponível.

Neste momento, se fosse atingido por um sismo e estivesse no local de trabalho, não ia conseguir contactar o meu filho nem a minha esposa. Pensam que vou socorrer alguém? Não vou estar minimamente preocupado com ninguém que apareça à minha frente, quero chegar ao meu filho e saber se ele está bem. Todos nós nos vamos preocupar com os nossos primeiro e só depois de garantir que estão bem é que vamos fazer socorro. É tão simples quanto isso e é assim que qualquer situação de catástrofe funciona. As populações vão preocupar-se com elas próprias. É egocêntrico, mas é normal. Somos humanos.

Se cada um de nós souber como agir nessas situações e, pelo menos, proteger os seus, podem poupar-se muitas vidas?

Aí está! Porque é que vou ser dependente da sociedade se posso fazer parte dela? Nos Estados Unidos existe um conceito muito interessante que são as CERT, Equipas Comunitárias de Resposta a Emergência. Basicamente são equipas criadas nos bairros. Meia dúzia de pessoas que, na realidade, são identificadas pelas comunidades internas, como as juntas de freguesia, e é-lhes dada formação de socorrismo, combate a incêndio, lidar com situações de 'active shooters' e essas pessoas é que são a equipa comunitária numa situação de catástrofe porque a ajuda demora a chegar nessas situações.

Foi o que se criou com o conceito de Aldeia Segura nos incêndios florestais. O conceito é o de equipas comunitárias de resposta, em que o "chefe da aldeia" já conhece as pessoas debilitadas naquele sítio e consegue dizer à GNR que há ali um deficiente motor, etc. E ele próprio já começa a tratar disso numa fase inicial, mas isto não pode ser só para os incêndios. Sei que os incêndios são a maior catástrofe nacional, é verdade, mas não há só isso. Falamos muito do sismo em Lisboa, mas o sismo nunca aconteceu em Lisboa. Dá-se a 300 quilómetros do Cabo de São Vicente, em Sagres, em toda a zona sul do Algarve.

Aquelas comunidades remotas, no meio do Alentejo, e o Algarve com os turistas todos lá, num dia de meio de agosto, como é que as pessoas estão treinadas para lidar com uma situação sísmica? Ninguém está! Não há nenhum sistema de resposta a este tipo de catástrofes, mas há sensibilização pública para dar uma resposta mais positiva a este tipo de situações. Continuamos a ensinar mal.

Não há possibilidade de ninguém debaixo de uma mesa sobreviver

A recomendação para nos colocarmos debaixo das mesas em caso de sismo foi, por exemplo, o que aprendi na escola há pouco mais de 20 anos.

O problema é que ainda hoje ensinam. Esta mesa que tenho aqui é do IKEA - não tenho nada contra a marca, até tenho muita coisa de lá, mas é para dar um exemplo de materiais usados por um conglomerado. Se abanar, isto cai tudo. Tenho 2.500 quilos de betão armado em cima de mim e vou meter-me debaixo da mesa. Pode-se olhar para as imagens da Turquia. Os prédios caíram todos “em panqueca”, como chamamos tecnicamente. Não há possibilidade de ninguém debaixo de uma mesa sobreviver.

Ainda há pior, quando dizem para as pessoas se meterem debaixo das padieiras. As portas não têm padieiras na construção há 30 anos. Padieira é um termo de engenharia que já não existe na construção civil, mas ainda ensinam as pessoas a fazer isso. Não aguenta nada! Temos de começar, neste momento, a sensibilizar as nossas crianças sobre o que se deve fazer para elas próprias ensinarem aos pais e, quando forem adultos, terem uma formação diferente. Isto é um trabalho que, se começar a ser feito agora, só terá frutos daqui a 40 anos. Temos de trabalhar com as nossas crianças para elas evoluírem para uma forma diferente de estar.

Nos dias de hoje, em caso de sismo, o que é que se deve mesmo fazer?

Com o sismo a partir da intensidade 6, as pessoas já nem conseguem andar - desequilibram-se e caem. Temos de perceber isso, a maior parte das pessoas nem sabe reconhecer um sismo. Neste de agosto, a maior parte das pessoas não sabiam que era um sismo, só souberam de manhã, quando começaram a falar. A história de sair para a rua é completamente contraindicado. Só se sai para a rua após o sismo. No momento em que está a acontecer devemos gatinhar para o sítio que identificamos, previamente, que é a zona segura da nossa casa, que é junto aos pilares normalmente localizados nas esquinas de parede exteriores.

Isso depois até entra no conceito de salvamento porque as equipas conseguem trabalhar de fora para dentro. Se estiveres no centro do edifício vai ser mais difícil lá chegar e os cães farejarem. Devemos identificar, em nossa casa, qual é o sítio mais robusto, que será junto a um pilar ou num armário, estante ou cómoda bastante robusta e colocarmo-nos em posição fetal ao lado desse objeto porque a massa ocupada por esse objeto nunca vai desaparecer. Até pode partir e amassar, mas não vai desaparecer. Se tiver uma cómoda cheia de roupa, ela até pode partir-se toda, mas a massa do objeto nunca vai desaparecer e, ao lado dela, vai criar-se o que se chama de triângulo da sobrevivência. Esse armário robusto deve estar preso à parede para garantir que, ao abanar, não vai começar a saltar.

Após o sismo, a primeira coisa é recolher informações, tentar perceber o que se passou e se vale a pena sair para o exterior ou não. No exterior temos de estar afastados três vezes o tamanho do edifício, o que às vezes não é fácil porque, vivendo num sétimo andar, por exemplo, para me afastar três vezes desse edifício tenho de ir para junto de outro prédio. Não é fácil. Na cidade urbana é muito difícil.

Eles são 15 homens e fizeram centenas de salvamentos. São heróis, sem dúvida nenhuma. Há vídeos gravados por eles que são coisas inacreditáveis

O método de ensino sobre catástrofes em Portugal só vai mudar quando acontecer algo mais grave?

Não vai mudar. Em Espanha não foi a primeira vez que aquilo aconteceu. Nos últimos 50 anos aconteceu oito vezes. E o quê? Mudou alguma coisa? Ninguém fez nada! Não tinham medidas, não tinham nada! Continuamos com o mesmo procedimento. Não estamos a mudar nada!

Agora, no Brasil, fui fazer a entrega de medalhas aos considerados heróis das cheias, ao pessoal que fez os salvamentos. Fizeram 200 e tal salvamentos nas cheias. Há três anos, quando fui lá, fui para dar a formação na área das cheias. Só que, há três anos, o Rio Grande do Sul não tinha sofrido as cheias. Na altura não conhecia o rio. Já tinha estado no Brasil, em São Paulo, no Rio e já tinha estado em Santa Catarina, a dar formação. Mas nunca tinha ido para Porto Alegre da formação. Entretanto fui convidado e quando conheci o Vale do Taquari, que me foi mostrado por um dos indivíduos da Proteção Civil de lá, disse logo que aquele vale era propício, em termos geológicos, a cheias.

Vamos ser realistas: se existe um vale encaixado com um rio a meio, o rio abriu por erosão, é lógico. Por isso, se alguma vez, em alguma altura, passou lá água, ela vai passar outra vez. E, infelizmente, sabe-se perfeitamente que no Brasil a construção é desorganizada. As casas todas são construídas no fundo, junto ao rio. Na altura, fiz uma palestra lá na prefeitura, a câmara municipal deles, e apresentei um modelo de risco. Disse: “Se isto acontecer isto, pode resultar naquilo”. Por um azar do caraças, no ano a seguir eles tiveram as cheias que mataram 200 e tal pessoas, com 24 metros de água.

No ano a seguir dei-lhes formação de cheias e disse-lhes que não tinha sido caso único, que ia voltar a acontecer. No ano passado, eles tiveram cheias em novembro e depois novamente em maio deste ano. Tiveram 34 metros de subida de cheia. Só que a diferença foi grande, por isso é que estes homens que lá estiveram e a quem dei formação receberam todos uma medalha. Resgataram centenas de pessoas e todos me agradeceram agora. Porque tudo o que lhes dei de formação fez com que as pessoas fossem salvas. Só a forma deles atuarem, porque eles atuavam muito tardiamente. Até porque ninguém queria sair de casa.

No Brasil, o problema de se sair de casa é que as pessoas são roubadas e as pessoas não queriam deixar as casas. Nas primeiras vezes, perderam muita gente porque, na realidade, não insistiam com as pessoas para sair. Desta vez, não. As pessoas acabaram todas a sair e eles fizeram centenas de salvamentos em 48 horas, salvaram muita gente. Claro que mesmo assim houve muitos mortos, mas é normal. Eles são 15 homens e fizeram centenas de salvamentos. São heróis, sem dúvida nenhuma. Há vídeos gravados por eles que são coisas inacreditáveis. 

Temos cidades mal construídas?

Muito mal construídas. Lisboa é um bom exemplo. O Porto, agora com a história da abertura dos túneis do metro, está a canalizar o que chamávamos de rio da vila, que era o rio que passa por baixo do Porto. Claro que quando chover mais intensamente na cidade, se o rio foi desviado, as coisas vão acontecer. A única coisa em que podemos trabalhar, já que não dá para mudar isso, é na sociedade. É sensibilizarmos a sociedade para isto, que vai acontecer, e para facto de não poder estar tão dependente do socorro. O socorro da nação não vai chegar a toda a gente. Não há nenhum país que tenha uma resposta para isto. 

A maior parte das pessoas tiram a cavilha de um extintor de CO2 e deixam cair em cima dos pés porque aquilo faz um barulho ensurdecedor, as pessoas assustam-se e deixam cair

O que é que cada um de nós, individualmente, pode fazer para ter esse tipo de formação e estar preparado para estas situações?

Continuo a dizer que devia ser o Estado a estruturar isto. Vamos ser realistas. Sou católico. Na minha altura havia Religião Moral na escola, eu tinha catequese e não precisava de Moral. Acabava por se duplicar. Porque é que não pegamos numa disciplina como a Religião Moral e transformamos em algo de cidadania com estas matérias? Ensinarmos coisas tão simples como fazer o IRS, aquelas coisas que a maior parte das pessoas, infelizmente, não sabe fazer. E ensinarmos, literalmente, Suporte Básico de Vida, a utilizar um extintor. Coisas essenciais para um ser humano existir cá no planeta Terra.

Somos obrigados a ter, em todos os locais, extintores, mas dou, muitas vezes, formação de extintores em empresas e a maior parte das pessoas não sabe utilizar. A maior parte das pessoas tiram a cavilha de um extintor de CO2 e deixam cair em cima dos pés porque aquilo faz um barulho ensurdecedor, as pessoas assustam-se e deixam cair.

Quando um carro arde, por exemplo, a primeira coisa que as pessoas fazem é abrir o capô, que é a pior coisa que podem fazer. O capô, lá fora, chama-se para-chamas e se calhar é o nome correto porque é mesmo isso. O capô tem aqueles dois linguetes de abertura, que é para abrir o primeiro linguete e ficar o segundo a prender, que é para se utilizar com ele aberto, com o extintor lá dentro, mas isso nem na escola de condução se aprende. Para que queremos as coisas se, na realidade, nem ensinamos as pessoas sobre como devem proceder? Temos que mudar, literalmente, o nosso sentido de segurança.

Se acontecer uma catástrofe em Portugal, como um sismo, o sistema não vai funcionar. As pessoas têm de estar preparadas para elas próprias terem as suas malas de emergência, terem que aguentar alguns dias

Nós temos tudo, hoje em dia, em termos de tecnologia e equipamentos, mas depois não pomos em prática a forma correta de trabalhar com esta tecnologia e equipamentos. Aí é que está o problema. Estamos dependentes de ligar, literalmente, o 112 e que alguém nos venha a acudir. O problema é que está toda a gente disponível num sistema normal. Quando o sistema normal deixa de existir, como é que comunicamos? Vamos ser realistas.

Tenho um telefone satélite, mas a maior parte das entidades públicas não tem. Se o sistema for abaixo, não há nada que faça chamadas. Um hospital público não tem telefone satélite, a maior parte das unidades de Proteção Civil camarárias não têm, 90% delas não têm porque fiz um levantamento sobre isso. Por isso, desculpem-me lá, mas como é que estamos preparados para uma catástrofe se as próprias entidades públicas não têm telefone satélite? Quando tivemos aquele problema com a Vodafone estivemos sem chamadas de emergência durante um dia e foi o problema que foi.

Tivemos agora, infelizmente, a greve dos técnicos de emergência e houve atrasos inacreditáveis no sistema de 112. Estamos a falar de coisas simples, não estamos a falar de nada significante, e que têm um efeito bola de neve inacreditável. Se acontecer uma catástrofe em Portugal, como um sismo, que é a coisa pior que pode acontecer, o sistema não vai funcionar. A realidade é esta. As pessoas têm de estar preparadas para elas próprias terem as suas malas de emergência, terem que aguentar alguns dias.

Preparar as pessoas para a pior situação possível é prevenção e não alarmismo?

Por isso é que agora se está a falar nos países nórdicos, que mandaram uns manuais com o que fazer em caso de guerra e o que é que as pessoas têm de ter em casa para estarem preparadas. Eles já se estão a preparar e a dizer às populações para armazenar água, comida, geradores e combustível. Devemos sair um bocadinho da nossa zona de conforto e pensar: será que não há lógica no facto de eles estarem a falar dessas coisas? Estão encostados, fazem quase todos fronteiras com a Rússia, estão todos próximos. Também quando aconteceu a guerra na Ucrânia ninguém acreditava que ia acontecer. Não tem nada a ver com alarmismo.

Leia Também: Um morto durante obras de reparação de escola após cheias em Espanha

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