Ramalho Eanes faz 90 anos. A vida do 1.º Presidente eleito em democracia

O primeiro Presidente da República eleito democraticamente após o 25 de Abril, Ramalho Eanes, completa hoje 90 anos de uma vida dedicada primeiro à instituição militar, ganhando visibilidade com a operação do 25 de Novembro de 1975.

Notícia

© Rui Ochoa/Presidência da República

Lusa
25/01/2025 07:23 ‧ ontem por Lusa

País

Ramalho Eanes

António dos Santos Ramalho Eanes nasce a 25 de janeiro de 1935 em Alcains, no concelho de Castelo Branco, numa família de quatro irmãos, filho de um pequeno construtor civil e de uma dona de casa.

 

Ingressa na Escola do Exército, na Amadora, aos 18 anos, como cadete. No mesmo ano de 1956 entram para o curso geral preparatório Garcia dos Santos, Loureiro dos Santos, Tomé Pinto e Jaime Neves.

Escolhe a Infantaria e faz comissões de serviço em Goa, Macau, Moçambique e na Guiné.

Na Guiné, comandado pelo general António de Spínola, trabalha com o seu companheiro de camarata Otelo Saraiva de Carvalho. É também na Guiné que reforça a relação com Vasco Lourenço.

Aos 35 anos, em outubro de 1970, interrompe a comissão na Guiné para casar com Maria Manuela Duarte Neto Portugal, com quem tem dois filhos, Miguel e Manuel, que serão crianças no Palácio de Belém.

Recebe sem surpresa a notícia do 25 de Abril em Angola, para onde tinha sido transferido em fevereiro de 1974, porque tinha participado até 1973 em várias reuniões de militares para organizar uma resposta ao regime.

Após o 25 de Abril, é nomeado para Comissão ad-hoc para os Meios de Comunicação Social e depois presidente do conselho de administração da RTP, cargo de que se demite depois do 11 de Março, em cujos acontecimentos é implicado.

Vasco Lourenço conta, na biografia autorizada escrita por Isabel Tavares, que chega a ser sugerida a sua prisão e até o seu fuzilamento na noite de 11 de Março, já derrotadas as forças de Spínola.

De acordo com o capitão de Abril, que o defende, Eanes participou mesmo em reuniões a 09 e 10 de março "e não denunciou a movimentação que estava em marcha", o que, considera, "faz com que tenha sido conivente com a situação".

Eanes é ilibado e colocado no Estado-Maior General das Forças Armadas.

Os acontecimentos de 11 de Março são o catalisador do Período Revolucionário em Curso (PREC). O MFA é institucionalizado, através da criação do Conselho da Revolução, dão-se as nacionalizações e a reforma agrária.

Mas as clivagens entre a chamada esquerda militar (de Otelo e o COPCON, Vasco Gonçalves e o PCP e a extrema-esquerda) e os moderados vão-se acentuando. No campo moderado, desenha-se dentro do Conselho da Revolução o Grupo dos Nove: Melo Antunes, Vasco Lourenço, Canto e Castro, Vítor Crespo, Costa Neves, Vítor Alves, Franco Charais, Pezarat Correia e Sousa e Castro.

Eanes subscreve o Documento dos Nove, um manifesto por um socialismo "inseparável da democracia política", que recusa simultaneamente "o modelo de sociedade socialista tipo europeu oriental" e o modelo social-democrata. Salgueiro Maia, Costa Braz e Garcia dos Santos, entre outros, também assinam.

Neste contexto, Eanes envolve-se ativamente na preparação de um plano operacional de resposta a alguma movimentação da ala mais radical das Forças Armadas, o que é aplicado com sucesso a 25 de novembro de 1975.

Marcelo felicita Ramalho Eanes, que

Marcelo felicita Ramalho Eanes, que "serviu Portugal" desde "muito cedo"

O Presidente da República felicitou hoje o antigo chefe de Estado António Ramalho Eanes pelo seu 90.º aniversário, destacando que "serviu Portugal", e ainda o faz, em várias dimensões, colocando "o interesse nacional sempre em primeiro lugar".

Lusa | 10:11 - 25/01/2025

Os acontecimentos do 25 de Novembro, ainda não totalmente esclarecidos, em que forças militares antagónicas se defrontaram no terreno, determinam a vitória da ala moderada do MFA e marcam o fim PREC.

O tenente-coronel Ramalho Eanes é o comandante operacional e aparece na RTP ao lado de Jaime Neves, perante o Presidente da República, general Costa Gomes, o primeiro-ministro, Pinheiro de Azevedo, e Vasco Lourenço.

Todas as operações, diz Eanes, "foram conduzidas com a preocupação de evitar baixas de qualquer dois lados".

"Esta preocupação foi grande e teve a determiná-la o facto de um lado e do outro lado estarem portugueses", declara Eanes, concluindo que as unidades envolvidas conseguiram "restituir, ao povo português, agora, de uma maneira aberta e livre, os ideais que fizeram a revolução do 25 de Abril".

Eanes assume logo de seguida a chefia do Estado-Maior do Exército, substituindo Soares Fabião.

A Constituição é aprovada a 2 de Abril de 1976. A primeira eleição democrática de um Presidente da República aproxima-se e o nome de Eanes é colocado em cima da mesa dos conselheiros da revolução.

O Grupo dos Nove inclina-se maioritariamente para Eanes, que começa por rejeitar, mas acaba a reunir o apoio dos líderes do PPD, Francisco Sá Carneiro, primeiro, depois do secretário-geral do PS, Mário Soares, e também do presidente do CDS, Diogo Freitas do Amaral.

A candidatura é anunciada a 14 de maio de 1976 e segue-se uma campanha eleitoral com focos de grande tensão. Chega a existir uma troca de tiros em Évora. Morre um homem, que teria tentado atingir Eanes.

Desse momento, fica a imagem de Eanes a subir para o tejadilho de um carro, mãos na cintura e peito aberto.

Sob o lema "Muitos prometem, Eanes cumpre", vence as eleições a 27 de junho, com 61,59% e afirma querer ser o "Presidente de todos os portugueses".

Eanes é também chefe de Estado Maior das Forças Armadas e preside ao Conselho da Revolução, de acordo com o II Pacto MFA-Partidos, de fevereiro de 1976, que formaliza a tutela das Forças Armadas à democracia portuguesa, situação que só se reverterá com a revisão constitucional de 1982.

Um dos primeiros atos do chefe de Estado é dar posse ao Governo PS, encabeçado por Mário Soares, o I Governo Constitucional.

Na tomada de posse, Eanes faz alertas: "O povo português compreende e aceita a austeridade e o sacrifício que o presente lhe exige, mas é preciso que se sinta empenhado na criação de uma sociedade em que o esforço de cada um seja compensado com a justa distribuição de riqueza que soubermos criar".

Eanes convive com sete primeiros-ministros: Mário Soares, Alfredo Nobre da Costa, Carlos Mota Pinto, Maria de Lurdes Pintassilgo, Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, e Aníbal Cavaco Silva.

Destes, três, são por si indicados, no âmbito dos chamados governos de iniciativa presidencial, que a Constituição chegou a permitir: Nobre da Costa, Mota Pinto e Pintassilgo, a única mulher a chefiar um Governo em Portugal.

As relações foram por vezes muito tensas com os primeiros-ministros com quem se cruzou, designadamente com Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto Balsemão e a revisão constitucional de 1982 foi central nestas tensões.

Seria a diminuição dos poderes presidenciais realizada pela revisão da Lei Fundamental, - acordada entre PS e PSD -, que mais acinte criou, tendo em conta que a negociação dessa alteração se arrastou por vários anos.

A Constituição de 1982, no segundo mandato de Eanes, acaba com o Conselho da Revolução e cria o Tribunal Constitucional. O Presidente deixa de poder demitir o Governo, a não ser que esteja em causa o regular funcionamento das instituições e perde a sua intervenção junto da ação executiva, deixando, por exemplo, de poder assistir ao Conselho de Ministros.

Outro motivo de divergências era a chamada diplomacia paralela que o PR exercia em relação ao Governo, questão que ficou esclarecida com a revisão da Constituição de 1982, a favor dos executivos.

As relações algo conturbadas com Soares e com Sá Carneiro explicam os apoios que tem para a sua reeleição. O PS continua a apoiar a sua reeleição, mas Mário Soares pessoalmente não o faz, gerando convulsão no seio dos socialistas, e o PPD, de Sá Carneiro, apresenta um candidato próprio, o general Soares Carneiro.

Curiosamente, o PCP, de quem na primeira eleição Eanes disse que, caso o apoiassem, recusaria esse apoio, desiste da candidatura de Carlos Brito a favor da recandidatura do Presidente.

Durante a campanha eleitoral, no dia 4 de dezembro de 1980, a aeronave de Sá Carneiro com destino Porto despenha-se pouco depois de deslocar e cai sobre Camarate, matando sua campanheira Snu Abecassis, o ministro da Defesa e vice-presidente do CDS, Adelino Amaro da Costa, o chefe de gabinete do primeiro-ministro, António Patrício Gouveia.

No funeral de Sá Carneiro é recebido com hostilidade.

A data das eleições mantém-se e Eanes é reeleito em 7 de dezembro de 1980, igualmente à primeira volta, com 56,44% dos votos expressos.

É no decurso do segundo mandato que se forma o Partido Renovador Democrático (PRD), tendo por referência Eanes.

Presidido por Hermínio Martinho, o PRD junta personalidades como Medeiros Ferreira, Miguel Galvão Teles, Marques Júnior, Roberto Amaral, Melo Antunes, Silva Lopes, Manuela Silva.

Em 1985 Cavaco Silva chega à liderança do PSD e acaba com o entendimento para o Governo do Bloco Central (PS e PSD), o IX Governo Constitucional, liderado por Mário Soares. O executivo cai, há eleições antecipadas e o PRD surpreende ao alcançar 18% e eleger 45 deputados.

O PSD vence com 29,8% - o PS tem 20,8% - e Cavaco Silva forma Governo, sem maioria na Assembleia da República.

Ramalho Eanes assume a liderança do partido em outubro de 1986, mas dois anos depois da sua formação, o PRD tem uma hecatombe eleitoral.

Em abril de 1987 é aprovada uma moção de censura do PRD e o Governo de Cavaco cai. Nas eleições, o partido passa para 5%, elege só sete deputados e Eanes abandona a liderança.

Depois de sair da Presidência da República, Ramalho Eanes prossegue a intervenção política e cívica. Apoia Cavaco Silva na corrida a Belém, presidindo à sua comissão de honra, em 2011, e Sampaio da Nóvoa, que perde contra Marcelo Rebelo de Sousa em 2016.

Em 1993 passa à reforma e pondera recandidatar-se à Presidência da República, em 1995, mas tal não se concretiza.

No ano 2000 recusa a ascensão à mais alta patente da hierarquia militar, não aceitando a promoção a marechal.

Na galeria dos Presidentes, no Palácio de Belém, Eanes escolhe o pintor Luís Pinto Coelho para o retratar. É o único Presidente militar retratado à civil, por sua vontade, sem qualquer condecoração.

Leia Também: Rocha Vieira. Eanes lembra "um dos melhores" entre os maiores do país

Partilhe a notícia

Escolha do ocnsumidor 2025

Descarregue a nossa App gratuita

Nono ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.

* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com
App androidApp iOS

Recomendados para si

Leia também

Últimas notícias


Newsletter

Receba os principais destaques todos os dias no seu email.

Mais lidas