O antigo primeiro-ministro José Sócrates acusou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Cura Mariano, de revelar uma "surpreendente e inédita falta de escrúpulo".
"Acha-se no direito de se pronunciar, em concreto, sobre um processo que está em discussão judicial nos tribunais", escreve Sócrates em comunicado enviado ao Notícias ao Minuto esta sexta-feira.
A nota surge em resposta a uma entrevista do Expresso, publicada esta semana, e na qual João Cura Mariano é questionado sobre a Operação Marquês.
A óbvia intenção é a de limitar o direito de defesa e pressionar os juízes a tomar decisões desfavoráveis aos visados
"Diz o senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura que 'não tenho razão nenhuma' – mas não diz porquê. Basta dizer que não, que não tenho razão. O senhor juiz não está habituado a explicar-se. A sua posição de autoridade parece-lhe suficiente", considera ainda Sócrates, referindo-se a uma pergunta em que o juiz é questionado sobre se José Sócrates, arguido na Operação Marquês, tem motivos para se queixar sobre uma alegada situação de exceção com a comissão de acompanhamento neste processo.
"A constituição de uma 'task force' do Conselho Superior da Magistratura para acompanhar o processo Marquês é um ato inconstitucional. Trata-se de estabelecer uma tutela administrativa sobre o poder jurisdicional num processo criminal em concreto. A óbvia intenção é a de limitar o direito de defesa e pressionar os juízes a tomar decisões desfavoráveis aos visados", defendeu Sócrates na sua nota de repúdio.
Também o antigo primeiro-ministro António Costa é tema na entrevista ao líder do Supremo, e Sócrates fala do processo Influencer, que levou à saída do mesmo. "Todavia, quanto à outra parte, quanto ao Ministério Público, isto é, ao Estado, este pode prender e difamar à vontade durante o tempo que quiser. O processo Marquês teve quatro anos de inquérito; o processo 'Influencer' leva apenas um e meio: nada demais. Deve ser a isto que o senhor presidente chama de 'igualdade de armas' ou de 'ampla defesa', ambos conceitos chave do devido processo legal", criticou.
No final da sua nota, o antigo primeiro-ministro recorda ainda o processo que levou à queda do Governo de Costa, utilizando-o como exemplo para abordar o tema da "imparcialidade": "Quando o senhor juiz defende energicamente o Ministério Público, quando diz que um ano e meio para investigar o antigo primeiro-ministro não é muito, a pergunta que nos fica no espírito é a seguinte – que confiança podemos ter na sua imparcialidade? Nenhuma, senhor juiz, nenhuma", escreve.
Sócrates considera ainda que a entrevista em causa "mostra que o senhor juiz nunca aceitou a decisão instrutória de 2021" e que "verdadeiramente, é essa decisão que ataca. Verdadeiramente é essa decisão que o incomoda".
"É certo que existe um acórdão da Relação, de janeiro de 2024, que pretende, com base no truque do 'lapso de escrita', reverter a decisão instrutória e pronunciar os visados. Mas esse acórdão está sob contestação. Esse acórdão não transitou em julgado. Como se atreve o senhor juiz a falar em julgamento se isso está ainda em disputa nos tribunais? Como levar a sério a sua isenção? Como respeitar a sua independência?", questionou.
[Notícia atualizada às 16h17]
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