"Ora, salvo melhor prova em contrário, que ainda não encontrei, essa corrida liberal e ultraliberal, além de ser injusta a nível local, regional e nacional, é injusta a nível global, e cria problemas muito complicados em termos de reversibilidade", declarou o chefe de Estado, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa.
Marcelo Rebelo de Sousa falava num debate com estudantes, que durou perto duas horas, na sessão de apresentação de um livro de homenagem ao professor universitário e antigo ministro dos Assuntos Sociais Alfredo Bruto da Costa, que morreu em 2016.
Durante esse debate, defendeu que é preciso "dar prioridade política à pobreza", considerando que "nunca teve", a não ser pontualmente e nunca com uma "visão global", e reiterou que a persistência de um elevado número de pobres "é um dos grandes fracassos da democracia portuguesa".
Entre os momentos excecionais "de consciência do fenómeno" e definição de algumas políticas públicas, apontou os "anos de 2016 a 2019" -- período em que o PS governou com apoio de partidos à sua esquerda.
Numa longa resposta sobre os principais fatores de exclusão social em Portugal, o Presidente da República caracterizou o país como "uma sociedade marcada por desigualdades desde sempre", o que associou também ao contexto internacional e ao sistema capitalista.
"O sistema capitalista é um sistema inigualitário, mas assumidamente inigualitário. O liberalismo assumiu-se como tal. Não nos textos, mas depois na prática social, económica e social. Foi uma construção da burguesia", disse.
Mais à frente, retomou essa ideia: "Eu comecei por dizer que o capitalismo era uma raiz das desigualdades da pobreza. Mas hoje acho que isto já se globalizou. Isto é, já não é, como diziam alguns, o capitalismo de Estado, é o capitalismo globalizado".
Perante os estudantes e convidados que enchiam a sala, Marcelo Rebelo de Sousa distinguiu desenvolvimento de crescimento económico: "Uma coisa é crescer sem justiça social, sem pensar na repartição, na partilha social. Outra coisa é desenvolver mesmo".
O Presidente da República acrescentou, em tom crítico, que "o que todos os dias se debate é a produtividade que permite crescer, não percebendo que, numa sociedade em que há dois milhões, que pode chegar até perto de três milhões de pessoas que são cidadãos de segunda classe, não há crescimento sustentável".
"Não é possível. As desigualdades inevitavelmente travam quer o crescimento, quer, por maioria de razão, o desenvolvimento. E, portanto, resolver o problema das desigualdades e em particular o combate à pobreza é crucial", argumentou.
Neste ponto, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se àqueles "que, numa perspetiva liberal, ultraliberal -- o que está na moda hoje em termos globais -- acham que, verdadeiramente, é crescer, é crescer, é crescer, e depois um dia mais tarde, distribui-se".
O chefe de Estado distanciou-se desse pensamento, ilustrando desta forma o seu resultado: "Quando se for distribuir, os que estiverem vivos, porque os outros já morreram, os que estiverem vivos já têm um papel social muito limitado, muito limitado para o fenómeno do desenvolvimento".
Noutra fase do debate, comentou que "há modas" e que atualmente se vive "uma onda para a qual a solução é uma solução liberal ou ultraliberal" que chegou à Europa "há uns anos".
O Presidente da República considerou que esta onda "é injusta" e disse esperar que seja "menos longa do que mais longa".
Por outro lado, identificou o "enfraquecimento sindical" como fator de "agravamento da situação da pobreza".
Já no fim da sessão, contou que recebe associações que lhe falam da importância da produtividade e da competitividade, questionando: "Mas estamos a falar de pessoas de carne e osso? Competem, quem contra quem?".
Ao argumento de que "competem com os países e tal, é muito importante ver a comparação com outros países", contrapôs: "Mas os outros países que nível educativo tiveram, têm e vão tendo? E que condições, apesar de tudo, vão tendo ou não têm?".
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