A Lusa encontra-a à tarde na Avenida de Roma, uma das mais movimentadas de Lisboa, com a serenidade de quem viveu "13 no mato" e baldes de água à cabeça, em Moçambique, e a paciência de quem tem no currículo 40 anos de ensino.
Mas, confessa, já dispensava assistir a esta dependência "horrorosa" daquilo a que chama a modernidade. "Pedi boleia ao Papa Francisco, mas ele não me levou. Já cá não estou a fazer nada", lamenta.
Ali ao lado, na loja que tudo vende vai um corrupio de gente, sobretudo em busca de pilhas e velas, e há quem saia exultante por ainda ter conseguido pagar com multibanco.
Na farmácia, ainda se vendem produtos, desde que tenham preço marcado (dado que todo o sistema está em baixo) e sejam comprados com dinheiro vivo.
É por isso que Manuela Campos guarda uma "nota fétiche" de 100 euros na carteira. Foi hoje o dia de lhe valer, agora só uma fila de gente a separa das vitaminas de que precisa.
Pelas 14:30 já eram muitos os estabelecimentos comerciais fechados na zona, enquanto outros - com portas automáticas que deixaram de o ser e grades que fecham eletronicamente - permaneciam guardados por funcionários, de plantão.
"Estamos à espera de instruções... Está tudo exposto... Espero que nos paguem horas extra, se tivermos de cá ficar", comenta uma jovem trabalhadora numa papelaria.
Na rua não se fala de outra coisa e as esplanadas estão cheia de gente que bebe algo fresco ou se abastece de pão. "Enquanto durar o gerador, estaremos abertos", estima o funcionário de um café, sem ideia do que isso quererá dizer em tempo.
As pessoas acumulam-se nas paragens de autocarros, dos poucos transportes públicos que continuam em funcionamento. O trânsito sem semáforos vai ficando cada vez mais caótico. O combustível há de ter um fim para o qual as bombas de gasolina, com tudo automatizado, não serão solução.
Os supermercados da avenida já fecharam e a carne de um dos talhos está à espera que a transportem para o armazém.
Na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) fecham-se as portas. "Não se consegue fazer nada. É desafiante. Somos mais interdependentes do que imaginávamos ", desabafa, à saída, a presidente, Rosário Farmhouse.
"Prova que temos que ter um plano b", realça uma rececionista da AML.
Luísa, funcionária da casa, prefere brincar com o assunto: "Cá para mim isto foi ideia do Luís Montenegro e do Pedro Nuno Santos, assim lá se foi o debate de logo."
Conta ainda que saiu sem pagar do veterinário onde levou a cadela. "Mas a conta há de chegar", prevê.
Enquanto isso, ali ao lado, há gente agarrada à analogia da leitura e da escrita, enquanto aproveita o sol no parque Fernando Pessoa, que, se fosse vivo, haveria de rematar este texto com "e esta, hein?".
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