Não há, na comunidade de running, quem não se tenha cruzado com Analice Silva, uma atleta de estatura baixa, mas uma verdadeira máquina em qualquer tipo de prova: maratonas, ultramaratonas e trails.
Uma verdadeira referência, uma guerreira nascida no nordeste brasileiro, em Esperança (e é de esperança que agora precisa), num lar onde a pobreza era rainha e senhora. Violência também não faltava. Faltava, sim, tudo o resto: amor e carinho.
Foi abandonada pelos pais o que a obrigou a trabalhar desde criança como criada a troco de alguma comida. Foi, portanto, escravizada até se casar. Ao primeiro episódio de violência no casamento, meteu a mochila às costas e fugiu de casa. Já estava grávida, sem o saber. Pôs-se num autocarro e foi do Recife para o Rio de Janeiro. Sofreu um aborto e não voltaria a querer engravidar.
Foi o Rio a cidade onde viveu e trabalhou, sozinha. E havia de ser na 'cidade maravilhosa', já com 37 anos que começaria a correr. Foi extamente no dia 1 de janeiro de 1980 quando decidiu apagar o seu último cigarro. E assim foi.
Desde então que trata os quilómetros por tu, sejam eles 10 ou 250. Sim, leu bem. Analice cumpriu o sonho de correr a Maratona das Areias, no deserto do Sahara, em Marrocos, apadrinhada pelo ultramaratonista Carlos Sá.
Habituada a desenrascar-se sozinha e sempre à procura de novos desafios, Analice havia de encontrar, em 1986, o seu porto de abrigo em Portugal. Aqui trabalhou e aqui foi construindo a sua vida.
1 de janeiro, uma data curiosa
Foi curiosamente também a 1 de janeiro de 2017 que começou a corrida mais complicada da sua vida. Embora com fortes dores abdominais, Analice ainda correu na São Silvestre de Almada, nos últimos dias de 2016. O diagnóstico foi o pior, Analice tem um tumor no pâncreas, com ramificações no fígado. Uma notícia, dada por um dos amigos e gestores da página de fãs do Facebook, Orlando Duarte.
A notícia caiu como um balde de água mais do que gelada. Desde que o seu estado de saúde foi revelado, tem-se assistido a uma onda de solidariedade e de homenagens dos seus dois mil fãs.
Muitas são as fotografias partilhadas na página, de momentos em provas, com Analice a surgir tal como é: sorridente. "Para já, tal como nas ultras, há que ter coragem, ânimo, calma e, pé ante pé, de troço em troço (de tratamento em tratamento) ir atingindo o abastecimento seguinte - sinal de melhoras e que está a vencer a doença – até à vitória final!", lê-se no post onde foi dada a notícia.
Ainda que bastante fragilizada, Analice já agradeceu aos fãs o carinho e as palavras de ânimo nesta altura deveras difícil, através de um vídeo publicado na sua página.