André Ventura está pronto para se lançar na política sem o apoio de um dos maiores partidos de Portugal, o PSD. As divergências face à estratégia política da atual direção levaram o também comentador televisivo a bater com a porta e a arregaçar as mangas para criar o seu próprio partido, o CHEGA.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Ventura revela aqueles que são os princípios fundamentais do seu partido e defende que "não fez sentido que num país com 10 milhões de pessoas existam 230 deputados".
Aquele que foi eleito vereador da Câmara de Loures pelo PSD - cargo a que decidiu renunciar - tem visões para e da sociedade que geram polémica, como o próprio admitiu, mas, ainda assim, confessa que não esperava tamanha celeuma com as suas propostas: "Parece que estou a falar do apuramento da raça".
Além de defender a castração química dos pedófilos, a prisão perpétua para homicídios qualificados e a redução do número de deputados, André Ventura advoga também o fim das pensões vitalícias e a obrigatoriedade do trabalho para os reclusos: "É justo que também eles contribuam".
O CHEGA começou por ser um movimento para destituir Rui Rio. O objetivo era tornar-se no presidente do PSD?
Não. Achei que era outro neste momento que devia ter responsabilidades.
Porquê?
Porque sinto que não é o meu tempo. Algumas pessoas incentivaram-me para seguir com o movimento, mas depois, chegada a altura, disseram que não era o momento ainda e eu isso não posso compreender.
Quem é que se demarcou?
Um dia dir-lhe-ei, até porque tenho elementos que demonstram isso.
Não quer dizer agora porquê?
Para não parecer que estou a fazer isto como forma vingança ou de ressabiamento em relação a alguém ou ‘alguéns’, porque é mais do que uma pessoa e na verdade tentaram silenciar-me e isso eu não aceito.
Alguém que saia do PSD consigo?
Sim, virão pessoas comigo.
Algum nome de peso?
Quando fizermos a equipa formal falamos. Ainda estamos em conversações.
Isto é mesmo para defender estas ideias e valores, custe o que custar, gere a polémica que gerar, este é o caminho que temos de seguir
E quem o seguir o que deve ter em mente?
Que se é para vir a pensar em lugares, deputados, assessorias mais vale não vir. Ou acreditam nisto ou não vale a pena virem. Para depois andarem a dizer que isto é demais, que não devia ser assim, mais vale não virem. Isto é mesmo para defender estas ideias e valores, custe o que custar, gere a polémica que gerar, este é o caminho que temos de seguir.
Quais são então os princípios fundadores do seu partido, o CHEGA?
São vários. Do ponto de vista político acredito que devemos permitir que a iniciativa privada, mérito e trabalho sejam mais valorizados para acabar com o inferno que os empresários vivem hoje em termos de burocracia, mas também em termos fiscais.
Nós hoje temos um sistema fiscal que penaliza quem trabalha mais, em troca daqueles que não querem fazer nada e só querem receber a transferência de dinheiro que vem do Estado e isso não pode acontecer. Não podemos ter meio país a trabalhar para outro meio país. Geram-se injustiças.
Que injustiças?
Se há alguém que tem três trabalhos é justo que ganhe mais e é justo que não seja taxado de uma forma que fique praticamente igual a outro que só tem um trabalho. Tal como não é justo que pessoas que se esforçam para subir na hierarquia sejam penalizadas depois em sede de IRS porque sobem de escalão. Quem se esforça é penalizado porque ganha muito, quem fica em casa ou só tem um part-time é beneficiado.
Temos tido um país que anda a brincar com coisas sérias. Indivíduos como o Pedro Dias ou o violador de Telheiras não podem voltar a sair da prisão O que defende para o setor da Justiça?
Este é, para mim, o ponto fundamental. Temos tido um país que na verdade anda a brincar com coisas muito sérias. Quando temos um caso como Pedro Dias como é que se calhar daqui a 12 ou 13 anos está cá fora? É esta a justiça que temos em Portugal? Indivíduos como o Pedro Dias ou como o violador de Telheiras não podem voltar a sair da prisão.
Qual é a solução?
Em alguns casos a prisão perpétua. Não me parece justo que alguém que mata várias pessoas de forma aleatória, fria e por motivos fúteis possa estar cá fora ao fim de 12 anos. E as pessoas que tiveram a vida destruída?
A prisão perpétua aplicar-se-ia em que casos?
Essencialmente em homicídios qualificados. Outro exemplo para aplicar a prisão perpétua: se se vier a demonstrar que a Diana Fialho matou efetivamente a mãe daquela forma, para mim, não há dúvidas de que devia passar o resto da vida na prisão porque mostra uma perversidade que o sistema não pode tolerar. Uma coisa é ter um sistema humanitário, humano e digno, outra é sermos palhaços.
As nossas prisões são humanas?
Essa é outra questão, porque na verdade as pessoas têm saído da prisão pior do que entram. E isto porque a escola do crime lá é maior e gera-se uma espécie de sinergia empresarial do crime. Não podemos ter prisões ao nível do terceiro mundo.
Mas as pessoas que cometem crimes podem arrepender-se...
Prefiro que não cometam os crimes e não que se arrependam. Uma coisa é sermos um país que defende os direitos humanos, outra coisa é sermos um país que, por causa da alegada defesa dos direitos humanos, é verdadeiramente permissivo. Porque é que as mulheres apresentam queixa por violência doméstica e os homens saem em liberdade? Porque é que a regra não é prisão preventiva? Porque não temos coragem.
Olhe o exemplo do acórdão em que os desembargadores alegaram “sedução mútua” num caso em que dois homens violaram uma jovem inconsciente. Este é um tipo de decisão que aliena as mulheres. A visão com que um certo mundo judicial continua a olhar para as mulheres é uma das razões para que em casos de violência doméstica, violação e abusos sexuais as decisões sejam o que são, porque é sempre visto com um contexto de desculpabilização do homem.
Defendo a obrigatoriedade de trabalho para os reclusos. Alguns chamam a isto trabalhos forçados, querem chamar-lhe isso, força. Não me importo Regressemos às prisões…
Defendo a obrigatoriedade de trabalho para os reclusos. Quem está na prisão é porque cometeu um crime de forma voluntária então não é justo que também ele contribua para aquilo que estamos nós todos a contribuir? Alguns chamam a isto trabalhos forçados, querem chamar-lhe isso, força. Não me importo.
E que trabalhos poderiam ser esses?
Limpar matas por exemplo. Pessoas que estejam em idade ativa, sem problemas físicos e de saúde, devem obrigatoriamente contribuir.
Por que razão defende a castração química dos pedófilos?
Sabia que os pedófilos e violadores têm um benefício na pena se assinarem um documento a dizerem que reconhecem a sua culpa? O Carlos Cruz, por exemplo, não assinou, não assumiu a sua culpa.
E seria um candidato à castração química?
Claro, tendo sido condenado por este crime, sim.
Porquê a castração química nestes casos e não a prisão perpétua?
Porque apesar de serem ambos crimes gravíssimos, não posso equiparar quem mata duas pessoas e quem abusa sexualmente de duas pessoas. Mas o perigo para a sociedade é muito grande e aquele tratamento químico garante que não haverá reincidência dos ímpetos sexuais para voltar a atacar. Há países onde isto tem sido aplicado com sucesso, porque é que não olhamos para esses bons exemplos.
A castração química vai afetar a pessoa e a sua dignidade? Vai, mas temos de proteger as nossas crianças
Por essa ordem de ideias, a lista de pessoas condenadas por crimes sexuais contra menores deveria ser pública…
No início, a minha posição foi essa, mas reconheço, após reflexão, que pode gerar justiça pelas próprias mãos e devemos evitar isso. O que se devia fazer era alargar o acesso à lista por parte de escolas, hospitais e polícias de proximidade. A castração química vai afetar a pessoa e a sua dignidade? Vai, mas temos de proteger as nossas crianças. A lista ser de acesso a várias instituições é um elemento que pode ser considerado discriminatório? É, mas entre isso e proteger as crianças temos que nos deixar do politicamente correto. O grande objetivo de um Estado é proteger as pessoas e para isso é preciso às vezes tomar medidas radicais.
Está então a admitir que são medidas radicais.
São radicais para o sistema que temos. Aliás, vê-se pelas reações. Parece que estou a falar do apuramento da raça. Fiquei estupefacto com as reações.
A sua maior preocupação é proteger as pessoas. Como é que é a proibição do casamento homossexual protege as pessoas?
O que defendo na verdade é que a designação de casamento fique reservada à questão homem-mulher. O que defendo é que as pessoas do mesmo sexo possam ter uma união civil com os mesmos direitos, acho é que se lhe chamamos a mesma instituição e lhe damos o mesmo enquadramento jurídico então não faz sentido depois criar limitações como temos hoje. Se os dois são um casamento porque é que uns podem adotar e outros não? Não faz sentido.
Então é a favor da adoção por casais homossexuais?
Sou contra a adoção por casais homossexuais. Faltam estudos que mostrem que isso não tem impacto nas crianças em termos de desenvolvimento.
Qual é o seu receio?
O meu único receio é que o desenvolvimento da criança em termos de personalidade não seja igual.
Mas uma pessoa homossexual é criada no seio de uma família heterossexual.
Sim, mas a questão que tem de ser colocada é se há ou não impacto ao nível da personalidade e ao nível psiquico-afetivo? Tem de ser estudado. Se não existirem serei o primeiro a aprovar a adoção por casais do mesmo sexo. Em relação a casais heterossexuais que tenham historial de violência, ainda que tenha sido há muito tempo, também sou contra a adoção.
Falemos agora da saúde. Qual é a sua posição face à eutanásia?
Acho honestamente que não é uma questão fundamental da República. Acho que é essencialmente de natureza ética em que ao permitirmos estamos quase a tornar o valor da vida e da morte iguais. O grande desafio aqui é essencialmente jurídico: como é que definimos o que é o sofrimento inqualificável?
Uma pessoa não tem o direito de pedir ao Estado que a mate, porque o Estado tem de defender os direitos fundamentaisUma pessoa não deveria ter o direito a decidir se quer continuar a viver?
Uma pessoa não tem o direito de pedir ao Estado que a mate, porque o Estado tem de defender os direitos fundamentais. O que eu acho é que os critérios se tornam depois muito difíceis de distinguir.
Não é uma questão de definição médica?
Mas é nessa definição que está a minha negação da eutanásia. A dor não é mensurável. A questão é não conseguirmos distinguir onde está o tal sofrimento totalmente compreensível e inqualificável. Isto é muito difícil porque o sofrimento é de natureza subjetiva.
Teme uma generalização?
Exato. A generalização e a destruição do valor fundamental que é vida. De repente viver ou morrer torna-se na mesma coisa e isso não pode ser.
Não faz sentido um país com 10 milhões de pessoas ter 230 deputados, 100 deputados é mais do que suficienteVamos falar de política. Como está o nosso Parlamento?
Olhe quando olhamos para as bancadas é uma vergonha o que vemos porque muitas vezes não vemos quase ninguém. A Constituição impõe um limite mínimo do número de deputados que é 180. Hoje temos 230 e quem intervém é uma meia dúzia de deputados. Não faz sentido um país com 10 milhões de pessoas ter 230 deputados, 100 deputados é mais do que suficiente. Não há dinheiro para tanta coisa e há dinheiro para ter 230 deputados? Tem de haver uma reforma constitucional.
Por que razão se definiu o limite mínimo em 180?
Os pais fundadores lá saberão. Mas a verdade é que não pode haver uma geração a querer vincular as outras para sempre. Essa ideia de que os pais fundadores, por terem participado na Revolução do 25 de Abril, vincularam-nos para sempre em questões fundamentais não pode ser. Não estamos proibidos de fazer nada, temos nas nossas mãos o poder e o poder pertence ao povo.
A mudança que quer fazer abrange também as pensões vitalícias dos políticos?
Claro. Se eu trabalhar 12 anos como funcionário público tenho direito a quê? A nada, a trabalhar mais 30 e se lá ficar. Outros por trabalharem 12 ou 15 anos têm uma reforma vitalícia.
Nenhum cargo político pelo seu mero exercício deve gerar uma reforma vitalícia, é uma vergonha Qual é a lógica?
É uma lógica antiga em que se entende que este tipo de serviço público deve ser premiado. Deve, mas não tem de ser assim. Então e quem é funcionário público? Não serve o erário público também? É um disparate. Falta um partido que diga que isto tem de acabar e o meu partido vai dizê-lo: nenhum cargo político pelo seu mero exercício deve gerar uma reforma vitalícia, é uma vergonha.
Mas para isso é preciso uma reforma constitucional.
Sim e é hora disso. Aliás para questões como a prisão perpétua, por exemplo, será preciso fazer uma reforma constitucional.
Qual é a sua política para a questão da imigração?
É um tema difícil. O que nós temos tido em termos de imigração na Europa é uma vergonha. Não lhes devemos virar as costas, é óbvio, mas também não podemos ser estúpidos como temos sido até agora e deixá-los entrar à vontade. A imigração oriunda de certas partes do globo tem de ser mais controlada – há um risco maior de pessoas que vêm da Síria ou do Iraque do que de pessoas que vêm da Venezuela ou da Bolívia.
Mas assim estaremos a ser elitistas.
Estaremos, mas por isso é quedigo que não pode fazer-se esta distinção pelo nível económico do país, mas sim pelo seu nível de perigosidade.
E o nível de perigosidade não está intimamente ligado ao nível económico?
Pode estar ou não. No caso da Síria está. A verdade é que vêm pessoas destes países a fugir à fome, à guerra e ao terrorismo, mas também vêm terroristas. Tem de haver um controlo efetivo destas pessoas.
Mas também há terroristas que já nasceram na Europa. O problema mantém-se.
É verdade, mas é por aí que quero chegar à minha medida que é defender a perda de nacionalidade para pessoas que cometam crimes terroristas, mesmo sendo nacionais dos Estados membros. Fica apátrida? Fica.
Quando fala em controlo refere-se ao acompanhamento que é feito no território europeu ou ao ato de deixar os imigrantes entrarem na Europa?
As duas coisas. Quando as pessoas não têm papéis o esforço que tem de se fazer para identificar concretamente aquela pessoa e o seu passado tem de ser mais intenso em relação a determinados países de origem.
E onde é que as pessoas ficam entretanto?
Onde têm ficado: na fronteira externa da União Europeia. Se os deixamos entrar e só depois vamos investigar, nunca mais os vemos. Olhe, na Alemanha deixaram entrar um jovem de 19 anos sem documentos, deram-lhe dinheiro e meteram-no numa pensão. Ora, sem amigos, sem família, sem trabalho, sem compreender a língua, radicalizou-se e acabou por esfaquear várias pessoas. Isto não pode acontecer.
Destas medidas quais são aquelas das quais não abre mão?
Da castração química para os pedófilos, da prisão perpétua e do trabalho obrigatório nas prisões.
Estou-me nas tintas. Se querem dizer que sou de extrema-direita, digam
Não tem medo de que o colem, por exemplo, à imagem de Jair Bolsonaro?
Não. O ano passado colaram-me ao Trump, este ano foi ao Bolsonaro, para o ano há-de ser outro. Estou-me nas tintas. Se querem dizer que sou de extrema-direita, digam. Para mim, o que é importante é que as pessoas conheçam as propostas e que votem.
Então em que espectro político se enquadra?
No centro-direita. Não tenho medo de o dizer.
Mas tem noção de que corre o risco de o colocarem no espectro da extrema-direita?
O que me interessa é o que os portugueses acham. Como querem catalogar o meu partido? Façam como quiserem. Se defender a castração química dos pedófilos, a prisão perpétua e um sistema fiscal em que não estão uns a trabalhar para os outros é de extrema-direita, então eu sou de extrema-direita.
Tem um discurso semelhante ao que teve nas autárquicas do ano passado e acabou por não ser eleito.
Mas tive o melhor resultado dos últimos 30 anos. Fomos buscar votos à abstenção e é isso que quero essencialmente, quero ir buscar abstencionistas que sei que pensam como eu, mas que não têm votado porque não encontram ninguém com quem se identificam.
Uma vitória para si vai ser eleger quantos deputados?
O grande objetivo é eleger deputados, seja nas eleições europeias, seja nas legislativas, porque assim vou contribuir para evitar uma maioria de esquerda em Portugal. O número não é tão importante como o objetivo, mas talvez dois, três deputados será provavelmente o necessário para evitar uma maioria e poder começar uma política de mudança nas propostas legislativas.
E se não alcançar estes objetivos? Alterará o seu discurso?
Assumirei a derrota, mas nunca irei mudar o discurso, porque é nisto em que acredito e eu não ando ao sabor da onda.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.