O PAN – Pessoas-Animais-Natureza foi a surpresa da noite eleitoral do passado domingo ao conseguir votos suficientes para eleger o cabeça de lista Francisco Guerreiro como eurodeputado. O salto do PAN nestas eleições segue, de resto, a tendência verificada a nível europeu de crescimento dos partidos ecologistas e que foi impulsionada, não só mas sobretudo, pela crise climática a que assistimos no planeta. Embora a eleição de Francisco Guerreiro tenha sido uma surpresa para muitos, certo é que algumas sondagens, ainda que tímidas, já o anunciavam.
O crescimento do partido liderado por André Silva nas Europeias, que deixa antever um salto nas Legislativas de outubro, suscitou as mais variadas reações. E desde domingo, muito se tem dito e escrito sobre o partido que poderá fazer parte da próxima conjugação de forças no Parlamento - até já se fala numa 'PANgonça', não fechando o PS nem o PAN as portas a tal.
O comentador Miguel Sousa Tavares, uma das vozes críticas, disse, na noite eleitoral, que os eleitores do PAN são “urbano-depressivos que comem alface” e que “quando o PAN deixar de ser um partido dos cãezinhos e dos gatinhos, terá um grande futuro pela frente”. Na mesma linha, o comentador Daniel Oliveira tem referido que o PAN não é um partido, que não é ecologista mas sim "animalista" e que as suas propostas são "radicais". Opinião que Pacheco Pereira assinou por baixo.
Em que ficamos? É, ou não, o PAN só um partido animalista? Se analisarmos as propostas do PAN desta legislatura, constatamos que dos 35 projetos que o partido conseguiu ver aprovados, cinco dizem respeito a animais, quatro referem-se estritamente a questões ambientais e dois à comida das cantinas. E os restantes? Dizem respeito a direitos parentais, das crianças, questões de género e de violência doméstica, propostas sobre direitos dos imigrantes, procriação medicamente assistida, habitação, direitos dos cidadãos com deficiência.
[O PAN] existe. Estranho é só agora reparem nissoÉ certo que muitos reconhecem o PAN pela defesa dos direitos dos animais (a proibição de animais no circo, o estatuto jurídico dos animais, o fim do abate nos canis, etc.). Todavia, André Silva já viu serem aprovadas medidas como a contratação de intérpretes de LGP (língua gestual portuguesa) nas urgências dos hospitais; a inclusão da opção vegetariana em cantinas públicas; a possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo; a distribuição de fruta no ensino pré-escolar público; a contratação de nutricionistas e psicólogos para o SNS, e a implementação de tara recuperável para garrafas de plástico e vidro para latas. Estas são as cinco vitórias que o partido destaca como as propostas mais importantes até agora alcançadas.
Por outro lado, muitos foram os projetos não relacionados com animais que foram rejeitados. E destes, o partido enfatiza: a alteração do código penal para que ato sexual sem consentimento seja considerado violação; o projeto que visava impedir a exploração de petróleo e gás em Portugal; a despenalização da eutanásia; a criação de tribunais especializados em corrupção; e um projeto que visava permitir a auto-produção de energia eléctrica renovável a comunidades ou grupos de pessoas (condomínios, bairros, aldeias, etc).
Em resposta a Miguel Sousa Tavares, André Silva afirmou que o comentador "lida mal com a existência do PAN" e que se socorre de "falsidades para fazer o seu 'comentário político' com o inacreditável respaldo da TVI(...). "Sousa Tavares, cego pelas suas emoções negativas, não está a ser leal nem honesto", reagiu o deputado.
O comentador dissera também que o PAN nunca se pronunciou sobre as grandes questões ambientais, nomeadamente sobre a barragem da EDP do Alto Tâmega; a central nuclear de Almaraz; a exploração do olival intensivo no Alqueva; os concursos para a exploração das minas de lítio e o ordenamento do território, com destaque para a “confusão de eucaliptos em todo o país”. "Todos e cada um dos pontos que consubstanciam a acusação de Sousa Tavares são cabalmente desmentidos pelos factos" analisados pelo Polígrafo, fez ainda sobressair o deputado e líder do PAN.
O PAN é um partido ecologista, que "não é uma melancia"
Sendo um partido que "tem um deputado", que "está sentado entre o PS e o PSD e que "tem um programa, bandeiras e medidas", José Adelino Maltez estranha que muitos tenham sido apanhados de surpresa pela eleição do eurodeputado Francisco Guerreiro. "[O PAN] existe. Estranho é só agora reparem nisso", diz ao Notícias ao Minuto.
O politólogo não tem dúvidas de que o PAN é, ao contrário do que têm dito os comentadores e opinion makers nos últimos dias, um partido ecologista e não apenas animalista. "É um partido formalmente inscrito no Tribunal Constitucional, que se insere na família dos verdes europeus e que não é uma melancia - verde por fora e vermelho por dentro, como o PEV", realça, lembrando que se trata de um partido ecologista e que isso nem é novidade na democracia portuguesa. A vaga da ecologia ficou desocupada depois de Gonçalo Ribeiro Telles e de o Movimento Partido da Terra (MPT) terem desaparecido, analisa.
Estes desapareceram e o PAN aparece como um partido verde num momento em que em toda a Europa os Verdes sobem, não vejo qual é o espantoO professor universitário recorda que, aquando do surgimento dos verdes alemães, na década de 70, por cá "os grandes partidos arranjaram uns verdes internos de serviço": "O PSD arranjou o Carlos Pimenta, o PS arranjou não sei quem, o PCP inventou os Verdes. E agora aparece um grupo [o PAN] que diz ‘eu não sou desses e também sou verde’".
Por isso, Maltez não percebe "qual é o espanto" que o resultado eleitoral do PAN provocou.
"Portugal está sujeito a uma espécie de ditadura dos educadores do proletariado e das classes médias, que são os comentadores residentes, os comentadores do costume. E como estes não previram isto, estão danados", refere.
Constatando que nenhum comentador foi capaz de prever a ascensão do PAN, Maltez dá o exemplo do concelho de Oeiras, onde o partido tem gente na Assembleia Municipal e tem feito trabalho. "O resultado foi Oeiras ser o concelho com mais votos no PAN do país. Porque houve trabalho, mostraram-se, apresentaram uma equipa. O partido tem estruturas autárquicas de representação", analisa, demonstrando que os resultados da noite do passado dia 26 vêm "na sequência de um caminho". "O Bloco de Esquerda também andou dez anos a fazer trabalho antes de ter um deputado, também foi uma grande surpresa", compara.
Maior parte das críticas ao PAN são críticas gerontocráticas, de velhinhos que não percebem que há uma mudançaMaltez critica aqueles que agora falam do PAN sem terem a "mínima ideia" do que é e do que propõe o partido. "O PAN é um partido europeísta, ecologista, de causas LGBTI e uma série de medidas deste género e enquadra-se perfeitamente nos programas de partidos verdes europeístas", reforça.
E os outros partidos, prossegue na análise, estão igualmente "danados", sendo que "a maior parte das críticas ao PAN são críticas gerontocráticas, de velhinhos que não percebem que há uma mudança". Para o especialista em assuntos políticos, a ascensão do partido liderado por André Silva é positiva, embora não assine por baixo as suas propostas. "Quanto maiores representações houver destes grupos minoritários melhor é para a democracia", justifica.
Na sua ótica, o coro de críticas que agora tem como o alvo o PAN vai beneficiar o próprio partido. "Ainda por cima como o deputado André Silva está habituado a isto, e não é parvo, sempre que lhe derem foco e lhe puserem o microfone, ele cresce", sublinha. Maltez considera que a forma como o partido vai reagir às críticas, nesta fase, vai também determinar o maior ou menor sucesso no futuro.
E uma 'PANgonça', é possível?
"Costa percebeu cedo que isso ia acontecer, apaparicou o PAN e recebeu os votos condizentes", analisa Maltez, convicto de que se o partido tiver o número deputados suficientes para dar a maioria absoluta ao PS", "é evidente" que abrirá caminho a uma espécie de PANgonça.
"Até por uma simples razão, o PAN é um partido europeísta”, algo que agradará mais a Costa. “Isso ninguém tenha dúvidas”. Maltez só tem dúvidas que isso venha a acontecer em termos eleitorais. De acordo com aquilo que prevê, o PAN vai ter um “crescimento sustentado” mas não vai ser suficiente para dar maioria absoluta ao PS. Independentemente disso, também a relação entre PS e PAN não é novidade.
“O PS não estendeu mão absolutamente nenhuma ao PAN. São cinco Orçamentos do Costa apresentados na AR, num o PAN absteve-se, noutros votou a favor depois de negociar com o PS. Isto já foi feito. Já existe. Já foi negociado com medidas. Parece que ninguém repara nisso. O André Silva votou os últimos três Orçamentos negociando com o Costa, com elogios públicos do primeiro-ministro à prestação dele no Parlamento”, frisa o especialista. Não é, por isso, de estranhar que o PAN possa “participar num acordo alargado”.
O politólogo rejeita, por fim, que as medidas do partido ‘estrela’ das Europeias sejam radicais (como têm dito vários comentadores, nomeadamente Daniel Oliveira e Pacheco Pereira), mas nota que os verdes europeus “são muitíssimo mais moderados”e o partido “vai aprender no Parlamento Europeu a limar alguns aspetos que lhe dão um ar de vegan”. “Vai ser cada vez menos vegan, menos gatos e cãezinhos. Vai politizar-se muito mais” (…) e “vai ser mais adulto e mais verde”, acredita, considerando isso o percurso normal.