Depois de Assunção Cristas, de António Costa, de Rui Rio e de Catarina Martins, esta quinta-feira foi a vez de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, entrar em cena no programa de Cristina Ferreira, na SIC, onde falou abertamente das dificuldades económicas com que lidou na infância e na juventude. E do caminho trilhado até ao mundo da política, onde a vida e a experiência foram sempre a sua mais-valia num mundo de "doutores" e "engenheiros".
O "último da fila" de seis filhos, Jerónimo de Sousa revisitou os tempos antigos e as dificuldades pelas quais passou num tempo em que havia a consciência de que o destino "era a fábrica".
"Não valia a pena sonhar, mesmo que o sonho muitas vezes fosse soterrado, a verdade é que as condições económicas levavam a que os pais desejassem que os filhos fossem rapidamente para a fábrica", contou, recordando a vida enquanto operário metalúrgico.
O líder comunista contou ainda como funcionavam as refeições em casa. "A mãe fazia a comida e servia primeiro para o pai, depois para o mais velho, depois para o outro, eu era o penúltimo, sempre com uma vontade enorme de comer mais, e a última era ela. Se não houvesse, era ela a prejudicada", recordou com emoção.
"Era preciso ir trabalhar e no momento em que fôssemos, ganhávamos um novo estatuto. Era uma vida muito difícil. Tanto os cinco rapazes como a minha irmã foram todos operários", prosseguiu a conversa. Três dos seus irmãos já faleceram.
"A vida partido continuará para além da minha vida"Questionado sobre se tem medo da morte, Jerónimo respondeu que não. "Não gostava de morrer, mas não me inquieta a morte, que a vida é assim mesmo. O ser humano tem de lidar com essa dificuldade da precariedade da vida. Devemos dar tudo enquanto cá estamos", disse.
Insistindo no tema do fim partidário, a apresentadora pergunta se é algo que o inquieta e se está para breve, mas Jerónimo não desvendou muito mais do que aquilo que tem vindo a dizer, sempre que a questão é colocada pelos jornalistas. "Não conte com isso, Cristina. Nada nesta vida é eterno. Posso quando muito alterar responsabilidades. Deveríamos ter sempre a consciência de sermos nós a decidir quando sair", afirmou, garantindo que "a questão do secretário-geral do PCP não vai ser um problema no Congresso".
"Mas substituí-lo vai ser uma tarefa muito difícil", tentou Cristina mais uma vez. "Mais difícil era quando entrei e olhavam para mim como operário metalúrgico", respondeu, contando que um operário é tido como um burro.
"A questão ainda não está colocada. Tenho a consciência de que a questão do secretário-geral do PCP não vai ser um problema no Congresso. Não vai ser. E mais não digo", arrumou o assunto.
Seja como for, e independentemente da insatisfação natural, Jerónimo assegura que deu o melhor de si. Aliás: "Dou o melhor de mim, não só pelo meu partido, mas pelo meu povo"
Deputado da Constituinte. "Dr?", "Engenheiro?"
Jerónimo recordou os primeiros tempos na Assembleia da República enquanto deputado da Constituinte. "Um dia, um velho contínuo chama-me "senhor Doutor". "Eu não sou doutor.", respondi. "Ai desculpe senhor Engenheiro", devolveu o funcionário.
"E nas primeiras intervenções também tive a mesma reação que era 'quem é que lhe escreveu o discurso?'"
Jerónimo, o operário metalúrgico, também assume as vestes de político. "Assumo responsabilidades políticas, com esta vantagem que é: mantive sempre uma profunda ligação à vida, aos problemas, era tratado como um igual", enalteceu, orgulhando-se de nunca ninguém ter olhado para si com admiração por ser alguém superior.
Cristina lembrou Jerónimo que a coordenadora do Bloco de Esquerda dissera, na mesma cadeira, que o líder comunista era uma figura que admirava na política. "Folgo em sabê-lo. Nunca me disse", reagiu, entre sorrisos, realçando: "Tenho esta satisfação interior de ver, de pessoas que divergem no plano ideológico, o respeito e conhecimento".