No projeto de resolução, que não tem força de lei, entregue hoje na Assembleia da República, Joacine Katar Moreira aponta que, "apesar do parecer negativo de todos os técnicos envolvidos", a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) decidiu "pela afetação do complexo monumental de estruturas arqueológicas interpretadas como integrantes da mesquita aljama medieval islâmica de Lisboa, com o argumento de que a sua preservação colocava em risco de ruína o claustro e a própria catedral".
Para a deputada não inscrita, o discurso daDGPC face aos achados arqueológicosna ala sul do claustro da Sé, "relativizando a sua importância", demonstra "uma visão já ultrapassada, ao determinar, neste caso, o que lhe parece ser digno de preservar ou de musealizar".
Apesar de a situação ter sido "denunciada por diversos arqueólogos, historiadores e outros investigadores" e do Ministério da Cultura ter decidido que "os achados arqueológicos deviam ser preservados, musealizados e integrados no projeto de recuperação", Joacine considera que a salvaguarda prevista "ainda não está garantida".
"A DGPC fez sair um comunicado no início de janeiro alegando que os achados não são da mesquita, com base em pareceres de quatro investigadores que não são especialistas em arqueologia islâmica de Lisboa e omitindo outros pareceres", escreve a deputada, acrescentando que "as duas arqueólogas especialistas em arqueologia islâmica de Lisboa, que são quem dirige os trabalhos arqueológicos, funcionárias da própria DGPC, Alexandra Gaspar e Ana Gomes, foram ignoradas".
Neste contexto,recomenda ao executivo que "crie as condições necessárias para a boa conclusão dos trabalhos arqueológicos, da investigação e publicação integral dos resultados das intervenções desenvolvidas no claustro da Sé, promovendo um amplo debate científico e académico".
Além disto, a deputada quer que o governo "instigue a DGPC a agir de forma a assegurar o interesse público, procedendo à revisão do projeto arquitetónico de forma a assegurar de forma cabal, e pelo seu elevado valor patrimonial, cultural e simbólico, a salvaguarda integral" dos vestígios islâmicos, garantindo a sua preservação"no local exato onde se encontram" para que "sejam visíveis e visitáveis pelo público".
O destino a dar aos vestígios de uma construção islâmica, encontrados nos claustros da Sé de Lisboa, no âmbito dos trabalhos de requalificação deste monumento nacional, têm sido alvo de um debate, com arqueólogos a defenderem a sua manutenção e integração no novo projeto.
No passado dia 14 de janeiro, o Conselho Nacional de Cultura defendeu a integração dos vestígios muçulmanos, descobertos na Sé de Lisboa, e solicitou alterações ao projeto de recuperação e valorização do monumento.
A Secção do Património Arquitetónico e Arqueológico (SPAA), do Conselho Nacional de Cultura, ouviu alguns especialistas sobre as ruínas descobertas na zona sul do claustro, que considera relevantes, mesmo "que não exista evidência de que tais vestígios correspondam à mesquita aljama de Lisboa", mas devem ser salvaguardados, segundo o comunicado então divulgado pela DGPC.
Em outubro de 2020, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, determinou que os vestígios da antiga mesquita, referenciada como "almorávida", deviam ser mantidos no local.
A decisão de Graça Fonseca dissipou a possibilidade de exumação destes vestígios, por razões de segurança, alegadas pela DGPC, e optou pela sua conservação "in situ" (no local), que vários setores da arqueologia, nomeadamente a Associação de Arqueólogos Portugueses, os professores universitários da disciplina, e o Sindicato dos Trabalhadores de Arqueologia, tinham já vindo a público defender.
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