Francisco Louçã considerou que a Operação Marquês, depois de conhecida a decisão instrutória há uma semana, teve consequências políticas que se se "foram intensificando" durante os últimos dias.
No seu espaço de comentário, na SIC, o ex-dirigente bloquista disse que José Sócrates, na entrevista que concedeu à TVI, deu "o tipo de resposta que costuma dar". O ex-primeiro-ministro "costuma puxar para uma narrativa política e torná-la o mais densa e dramática possível". E foi isso que aconteceu, constatou.
Na ótica de Louçã, esta é uma "estratégia de defesa", mas uma "estratégia frágil", e explicou porquê. Sócrates pode "invocar os sucessivos erros no processo - e creio que é um erro o abuso da prisão preventiva - , mas o que não pode tratar é a opinião pública como se fosse destituída da capacidade de entender que há um comportamento que nenhum primeiro-ministro, em nenhum caso, em nenhuma circunstância, jamais pode ter: não pode aceitar prendas ou dinheiro. Nem sistemática nem ocasionalmente", defendeu Louçã.
O comentador considerou que o "PS agradece todos os dias a forma como José Sócrates se lhe dirige, é um seguro de vida de António Costa. Em cada uma destas entrevistas, ele fica mais distanciado", analisou, sublinhando ser evidente que o partido "permitiu esta gestão". "E permitiu-a durante muitos anos".
Frisando que todas as pessoas devem ser respeitadas nos seus direitos perante a justiça e que qualquer pessoa só pode ser condenada com "provas sólidas" demonstradas em Tribunal não por convicções, Louçã afirmou que o "juízo político é irremediável".
O ex-dirigente do Bloco disse que o "PS pode dar-se ao luxo de tentar evitar pronunciar-se muito sobre o assunto porque Sócrates fala muito" e "como Sócrates lança os foguetes e apanha as canas, fica mais ou menos protegido o espaço do PS pelas acusações" do ex-primeiro-ministro.
"O que Portugal tem de ter a certeza é que nunca um primeiro-ministro, nunca um responsável político, pode aceitar qualquer situação de favorecimento ou de trânsito de favores", disse, recordando que já houve ministros a 'cair' por "terem aceite férias pagas".
"Não é possível que um responsável político possa alegar a proteção do sigilo da sua privacidade em questões que são da responsabilidade do cargo político", reforçou, dizendo que um cidadão pode "pedir empréstimos" aos amigos, mas um primeiro-ministro "não pode mesmo".
Assim, concluiu ser "lamentável" que possa haver alguém que possa "contestar esse tipo de conclusão".
O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal decidiu levar a julgamento os arguidos José Sócrates, Carlos Santos Silva, pronunciados por três crimes de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documentos cada um; o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, por três crimes de abuso de confiança; o ex-ministro Armando Vara, por branqueamento de capitais e João Perna, o ex-motorista do antigo primeiro-ministro, por posse de arma proibida.
A decisão do juiz ficou muito aquém do pedido pelo Ministério Público que tinha acusado 28 arguidos, entre os quais nove empresas, de um total de 188 crimes económicos e financeiros, entre os quais corrupção e fraude fiscal.
Sócrates viu declarações de Medina "com a devida repugnância"
"Eu ouvi essas declarações e ouvia-as com a devida repugnância. Mas concentremo-nos no essencial, porque o essencial não é esse personagem, o essencial é quem o manda dizer isso. Falemos, portanto, do mandante", reagiu José Sócrates, que foi secretário-geral do PS entre 2004 e 2011.
De acordo com o antigo primeiro-ministro, "o mandante" de Fernando Medina "é a liderança do PS e a sua direção". "Essas declarações dizem tudo sobre o que realmente pensa a direção do PS. Portanto, a direção do PS acha que pode e deve fazer uma condenação sem julgamento, fazer uma condenação sem defesa, esquecendo até o princípio da presunção da inocência base do direito moderno", declarou José Sócrates.
Mas o antigo líder socialista foi ainda mais longe nas suas críticas, considerando que essas declarações "são de uma profunda canalhice".
"Isto para mim é penoso, mas quero responder. O PS deveria ter vergonha por desconsiderar direitos, liberdades e garantias fundamentais. Valores que fizeram a cultura política do PS quando lutou pela liberdade em 1975", disse.
José Sócrates aproveitou ainda para dizer que o fundador do PS, antigo Presidente da República e primeiro líder dos socialistas, Mário Soares, esteve sempre ao seu lado, mesmo durante o processo Operação Marquês.
"Mesmo aí, quando expressou esse companheirismo comigo, por razões não apenas pessoais, mas entendendo que era o seu dever, mesmo aí tentaram desvalorizar essa posição. Tentaram insinuar que ele [Mário Soares] valorizava demasiado a amizade", alegou.
José Sócrates, em estilo de conclusão, disse que continua a entender que fez bem em abandonar o PS em 2018.
"Já não aguentava mais o silêncio. Grande parte desses que dizem essas coisas estão a ajustar contas com a sua própria covardia moral. Não disseram uma palavra quando fui detido no aeroporto [de Lisboa], com televisões, e com base no argumento do perigo de fuga. Hoje, isso parece ridículo, mas fui preso 11 meses sem acusação", acrescentou.
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