Em 6 de março de 1921 nasceu o Partido Comunista Português, fruto dos movimentos reivindicativos dos trabalhadores que ganharam força nos anos anteriores, e, volvidos 100 anos, o partido faz parte da história do Portugal contemporâneo, desde a implementação da ditadura, em maio de 1926, da conquista da democracia, em 25 de Abril de 1974, e até hoje.
Volvidos 100 anos, a história do PCP foi também feita das histórias dos militantes, dos que viveram a génese do partido, que enfrentaram o Estado Novo, que estiveram presos em Peniche ou Caxias, e dos que hoje encontram significado na pertença a esta força política.
A História é também feita de objetos, em particular, o significado que adquirem, e foi esse o mote para a criação de "Vozes ao Alto! 100 Histórias na História do Partido Comunista Português", livro que é hoje apresentado no arranque da 45.ª Festa do Avante!, na Quinta da Atalaia (Seixal).
O livro, feito a 14 mãos, vai ser apresentado às 21:30 no espaço Festa do Livro da rentrée comunista e, de acordo com Cristina Nogueira, coautora e investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, esta é "uma abordagem diferente" do centenário do PCP, em que é possível encontrar "a história de um partido" e um partido feito de histórias, de "momentos particulares e de momentos que foram importantes" ao longo de 100 anos.
A investigadora confessou à agência Lusa que "não foi fácil encontrar todos estes objetos, escrever 100 textos, tirar 100 fotografias". No entanto, o resultado foi uma obra em que o texto não é "a legenda da fotografia" e a fotografia não é a "ilustração do texto".
Escolher apenas um objeto é tarefa árdua, confessou, mas Cristina Nogueira recordou uma escultura em madeira de uma foice e um martelo, datada de 1937, que foi escondida dentro de uma parede e reencontrada em "1977, nas obras da Casa da Cultura, nas Caldas da Rainha, e, por decisão unânime, foi entregue ao PCP, que o conserva", de acordo com o livro, a que a Lusa teve acesso.
A obra está dividida em três períodos que marcaram o centenário do PCP: legalidade, entre 1921-1926, clandestinidade, entre 1926-1974, e liberdade, desde a Revolução dos Cravos e até hoje.
A legalidade arranca com um documento encontrado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, e que "é considerado o primeiro comunicado" do PCP. Datado de 1921, o manifesto não pretendia "apresentar a totalidade do programa partidário, remetendo-o para um primeiro congresso nacional", que viria a realizar-se entre 10 e 12 de novembro de 1923.
É na clandestinidade que o livro apresenta a maior diversidade de objetos, entre os quais um "banal relógio", pertencente a Rogério Paulo, e que foi utilizado para "dar um dos sinais necessários" à fuga do histórico secretário-geral comunista Álvaro Cunhal e de mais nove camaradas da prisão de Peniche, em 03 de janeiro de 1960, e que ficariam para a história como os "Dez de Peniche".
O relógio foi dado ao ator Rogério Paulo por Pires Jorge e tinha a hora indicada nos ponteiros para as 16:00. Sem ainda saber o papel que desempenharia neste episódio, considerado um dos principais da resistência ao regime, a essa hora parou o carro "no largo diante do forte e abriu o porta-bagagens".
Mais de uma década depois, na madrugada de 08 de março de 1971, uma explosão destruiu vários aviões e helicópteros destinados à Guerra Colonial. O que resta do detonador e do relógio que o acionou estão preservados nesta obra. O detonador -- cedido pelo próprio PCP -- foi utilizado na base aérea de Tancos pela Ação Revolucionária Armada (ARA), o braço armado do PCP e que esteve em atividade nos últimos anos do Estado Novo.
Conquistada a liberdade, começou uma nova fase da vida do PCP, em particular o "Verão Quente" de 1975. Adriano Mirando, coautor e fotojornalista do diário Público, recordou este episódio e registou-o através de "uma pedra da calçada" arremessada contra o Centro de Trabalho de Aveiro do PCP, "que foi o segundo a ser assaltado". À Lusa contou que aquele objeto peculiar foi guardado por ser "a primeira pedra que entrou", o início de "um assalto que durou quase dois dias".
Dos episódios do passado, considerou, é possível extrair lições para a atualidade: "É curioso que, ao ver aquela pedra e ao contarem as histórias à volta do assalto, que chegou até a fazer um morto, foi uma coisa bastante violenta... Fiz uma relação com o que vivemos hoje, como o ressurgimento da extrema-direita, a nível mundial, a nível europeu, e, infelizmente, a nível nacional. A história muitas vezes volta para trás e coisas que parecia que estavam enterradas afinal não estavam".
A "esmagadora maioria dos objetos não são conhecidos das pessoas", explicou Adriano Miranda, uma vez que são "coisas até íntimas, estão nas coleções particulares, fazem parte da história das famílias".
Cristina Nogueira completou e disse que há objetos "aparentemente banais, mas que adquirem um significado especial", são preservados, muitas vezes cedidos ou oferecidos a outras pessoas pelos detentores originais, mas que "deixaram testemunhos", agora recolhidos e consolidados.
Se durante a clandestinidade até uma caixa de fósforos adquiriu um grande simbolismo, nos últimos anos tornou-se mais complicado encontrar objetos, já que "as pessoas não os guardam, nem lhes atribuem importância", explicou a investigadora.
Ainda assim o desafio foi superado e exemplo disso foi a utilização das cadeiras com distanciamento físico durante a edição de 2020 da Festa do Avante!, para demonstrar a história do PCP no momento mais contemporâneo que o mundo está a viver, exemplificou Adriano Miranda.
Esta edição de autores não vai estar à venda nas livrarias convencionais, mas adquirir um dos 1.500 exemplares é possível durante a apresentação do livro ou através do endereço 100objectos@gmail.com, por 25 euros (apenas no lançamento) ou 30 euros.
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