"Isso é particularmente complexo, num contexto que tem uma Constituição como é a de Timor-Leste, muito à semelhança da nossa, onde por vezes o poder, digamos, o poder carismático, o reconhecimento do carisma de alguns personagens, como é o caso de Xanana, não coincide necessariamente com os poderes institucionais e é evidente que tem havido, portanto, uma série de crises, mas que eu penso que, apesar de tudo têm sido resolvidas de forma democrática", afirmou.
Ana Gomes, que na qualidade de diplomata acompanhou e trabalhou no sentido da independência do território, quando estava ocupado pela Indonésia, acrescenta que as crises que o país tem atravessado, "são crises de crescimento e de afirmação do próprio Estado".
"Eu espero que agora, com a eleição do Presidente Ramos-Horta, também haja consciência que é importante haver uma transição geracional, quer dizer não tem que estar tudo só nas mãos dos líderes históricos", acrescenta.
Timor-Leste celebra nesta sexta-feira o 20.º aniversário de declaração de independência.
"A criação de um Estado e a consolidação das instituições do Estado leva tempo e requer esforço. Não é coisa que se faça facilmente. Nós temos quase 900 anos. O que era o nosso país com 20 anos?", questiona.
Por essa razão, Ana Gomes defende a necessidade de se ter uma "perspetiva histórica".
"Acho que mesmo assim é extraordinário o caminho feito por Timor-Leste. De progresso para a população e o facto de poderem viver num contexto democrático. Ainda agora se realizaram as quintas eleições presidenciais. com toda a tranquilidade, com elevadíssima participação e com os observadores internacionais a consideraram que se tratou de um processo genuíno e transparente", destaca.
Pelas razões que avança, Ana Gomes faz um balanço positivo de 20 anos de independência.
"É claramente positivo. Hoje o país está eletrificado como nunca esteve. Hoje o país tem estradas e pontes como nunca teve. Hoje tem objetivos e, sobretudo, tem uma coisa fantástica: tem muito mais povo que sempre foi a grande força de Timor-Leste", frisa.
Timor-Leste tem uma população maioritariamente jovem e isso também apresenta desafios para as autoridades timorenses, que, defende Ana Gomes, "tem a ver exatamente com a necessidade de investimento na educação, na qualificação, na diversificação da economia para haver emprego".
"Por outro lado, o petróleo não tem que ser uma maldição. O petróleo é o que sustenta e dá independência hoje a Timor-Leste, que sustenta o orçamento de Estado e lhe dá independência. Não tem que ser uma maldição, mas tem que ser bem gerido com os olhos postos no futuro. E o futuro, obviamente, é a qualificação dos jovens de Timor-Leste e as oportunidades de emprego que obviamente, não vêm só de uma atividade que têm dias contados como o petróleo", adianta.
"Penso que um dos grandes desafios da democracia de Timor-Leste, como em todas as partes do mundo, é resistir ao fenómeno da corrupção que tem a ver com a desregulação global e com também heranças que, infelizmente Timor-Leste tem e contra as quais tem que se saber defender (...) há imensos fatores que propiciam a corrupção nos dias de Hoje e neste contexto de desregulação neoliberal em que vivemos", acentua.
E esse é o "grande desafio" para Timor-Leste, "para consolidar o projeto democrático de maneira que ele inspire confiança aos cidadãos, designadamente, gerindo bem os recursos do país", conclui.
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