Após o Tribunal Constitucional (TC) ter anunciado, esta segunda-feira, que considerava "inconstitucional" o diploma da Assembleia da República que despenaliza a morte medicamente assistida em Portugal, os partidos 'apressaram-se' a reagir a essa mesma tomada de decisão.
Em causa está uma posição que foi tomada pelo mais alto tribunal do sistema judicial português por considerar que tinha sido criada, na proposta aprovada pelos partidos com assento parlamentar, "uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação" do decreto sobre a morte medicamente assistida.
Isto porque, na ótica da entidade judicial, ao ser feita uma caracterização da tipologia de sofrimento em "três características ('físico, psicológico e espiritual') ligados pela conjunção 'e', são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto", argumentou o presidente do TC, João Caupers, aqui citado pela agência Lusa.
A decisão do Tribunal Constitucional levou, depois, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a vetar o referido decreto parlamentar, remetendo-o novamente à Assembleia da República, onde será agora revisto pela quarta vez.
Quais as posições dos partidos?
Na perspetiva do PS, na voz da deputada socialista Isabel Moreira, uma das grandes defensoras desta iniciativa parlamentar entre os socialistas, a "maior parte da argumentação do senhor Presidente da República não vingou", o que se apresenta como uma "grande vitória" para todos os defensores deste decreto. "Cá estaremos para dissipar qualquer dúvida" do Tribunal Constitucional, disse ainda Isabel Moreira, que ressalvou que o chumbo desta entidade se terá devido apenas a um "problema semântico".
Já o principal partido da oposição, o PSD, por via do seu líder, Luís Montenegro, anunciou que vai voltar a propor um referendo sobre o tema. "A discussão da eutanásia deve sair das quatro paredes do parlamento e ser alvo de um referendo. A democracia direta é o espaço de uma discussão profunda e de uma decisão segura, visto que a pergunta tem de ser aprovada previamente pelo Tribunal Constitucional", defendeu numa publicação na rede social Twitter.
Por sua vez, o presidente do Chega, André Ventura, ressalvou que o partido tinha já alertado para inconstitucionalidade da lei da eutanásia, tendo também ecoado as posições do PSD para a realização de um referendo, "em harmonia com a legislação em vigor". Na sua ótica, essa é "a única forma de resolver problema de forma pacífica e consensual".
De modo contrastante com estes dois partidos, mas em consonância com o PS, o antigo líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, defendeu que as reservas do Tribunal Constitucional face a este decreto que regulamenta a morte medicamente assistida tratam-se, sobretudo, de um "problema de redação", acreditando que o mesmo poderá ser ultrapassado. E concluiu: "será desta que poderemos ter em Portugal uma lei da morte medicamente assistida que possa conferir este direito a quem dele possa querer fazer uso".
Regressando aos partidos mais à esquerda no espetro parlamentar, e começando pelo PCP, o membro do Comité Central do PCP António Filipe destacou que este 'chumbo' deveria motivar os autores do diploma em causa a encetarem "uma reflexão" sobre aquela que é uma lei que "suscita algumas preocupações". Na sua ótica, cabe agora aos mesmos decidir "se insistirão com outro texto ou se pensam que, pura e simplesmente, não vale a pena insistir".
Já José Manuel Pureza, dirigente do Bloco de Esquerda, a decisão do Tribunal Constitucional é "um pouco incompreensível" e "surpreendente". Ainda assim, o bloquista disse julgar que foi deixado espaço para que "uma pequena questão" seja "corrigida facilmente pelo Parlamento", levando assim à consequente (futura) promulgação do diploma.
Por outro lado, Inês de Sousa Real, da parte do PAN, quis destacar que esperar que o processo legislativo sobre a lei da eutanásia retome "de forma célere para, de alguma forma, limar aquilo que posam ser as preocupações do Tribunal Constitucional". A dirigente do partido ecologista destacou ainda que, na sua perspetiva, tal processo se deve focar "única e exclusivamente aos aspetos aqui apontados pelo TC".
Para concluir o leque dos partidos com assento parlamentar, destaque para o Livre, por via do membro de contacto Pedro Muacho, que disse que o partido "respeita a decisão", ressaltando um "ponto positivo" de todo o processo: que o TC tenha "afastado completamente a dúvida" se qualquer lei sobre esta matéria seria contrária à Constituição. Para o Livre, é importante que a Assembleia da República se disponibilize agora a aprovar "uma nova versão" deste diploma assim que possível.
Já o CDS-PP, por via de um comunicado assinado por alguns dos principais rostos do partido, entre os quais o líder Nuno Melo, celebrou a decisão desta segunda-feira do Tribunal Constitucional, de reprovação de um texto que, na ótica do partido, "viabilizava o homicídio a pedido". "Para nós, o sofrimento desacompanhado e sem tratamento nunca será opção", pode ler-se na mesma nota. Em causa está, recorde-se, um partido que, atualmente, não tem representação parlamentar.
Contas feitas, este tratou-se do segundo 'chumbo' do Tribunal Constitucional àquela que a maioria parlamentar pretendia que fosse a nova lei da Eutanásia. A estes vetos junta-se, também, um outro, anterior, veto político do Presidente da República.
Recorde-se que a despenalização da morte medicamente foi aprovada no Parlamento, a 9 de dezembro, com votos a favor de 122 deputados - nomeadamente, da maioria da bancada do PS, a IL, o BE, o PAN e o Livre. O mesmo sentido de voto foi ainda seguido pelo deputados sociais-democratas Catarina Rocha Ferreira, Hugo Carvalho, Isabel Meireles, André Coelho Lima, Sofia Matos e Adão Silva.
Contra o documento votaram, por sua vez, os restantes membros do grupo parlamentar do PSD, bem como os deputados do Chega e do PCP. O mesmo aconteceu com seis socialistas (Joaquim Barreto, Pedro Cegonho, Sobrinho Teixeira, Romualda Fernandes, Cristina Sousa e Maria João Castro) - num total de 84 votos contra.
Abstiveram-se, por sua vez, os parlamentares José Carlos Alexandrino (PS), Lina Lopes, Jorge Salgueiro Mendes e Ofélia Ramos (os três do PSD).
Após este veredito parlamentar, o Presidente da República tinha remetido, a 4 de janeiro, o referido decreto para o Tribunal Constitucional, com o intuito de avaliar a sua constitucionalidade.
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