O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, tem estado no centro daquilo que veio, recentemente, criticar: o loop mediático. Recusando retratar as críticas que proferiu em entrevista à TSF e ao Jornal de Notícias quanto aos comportamentos exibidos pelos deputados no decorrer da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP, o governante socialista explicou, em detalhe, ter encarado aquela entidade como "uma espécie de indicador avançado de tendências que já existiam antes e que se estão a acentuar".
Confrontado com o facto de ter declarado que, nesta CPI, alguns deputados agiram como "procuradores do cinema americano da série B da década de 80", Pedro Adão e Silva reiterou, no programa da RTP ‘Grande Entrevista’, que as tendências demonstradas vão além do coletivo, manifestando-se "em Portugal" e "um pouco por todas as democracias ocidentais".
"Acho que isso é que merece reflexão; desde logo uma subordinação da lógica política à lógica mediática, a sensação de que há uma espécie de política de indignação permanente, com sensacionalismo, que é acompanhado em loops noticiosos", disse.
O responsável pela pasta da Cultura foi mais longe, considerando que "merece reflexão a forma como aquilo que se passa no Parlamento parece estar a decorrer para ser visto nas televisões, e depois ser comentado nas televisões, numa espécie de ciclo de 24 horas". Na sua ótica, esse comportamento gera "uma tendência de alguma judicialização do Parlamento" que, além de não considerar ser benéfica, "tem enormes consequências".
"Acho que ninguém ganha com a política espetáculo. Temos falado muito disso a propósito das sondagens e daquela expressão dos ‘casos e casinhos’ porque, na verdade, aquilo que julgo que é a responsabilidade de todos que têm responsabilidades políticas é perceber como temos a obrigação de preservar algumas das vantagens comparativas que Portugal tem, que é a diferenciação de soluções e de propostas programáticas", apontou.
E prosseguiu: "Penso que esta comissão foi uma espécie de indicador avançado de tendências que já existiam antes e que acho que se estão a acentuar. Houve vários episódios; os inquéritos e as inquirições, até o tom com que eram feitos – aquele tom não existe nos tribunais", enumerou, dando como exemplo a apreensão do telemóvel do ex-adjunto do ministro das Infraestrururas, Frederico Pinheiro, e até mesmo "noites longas de inquirições, sem tempo para pausas".
Ainda que tenha classificado esses momentos como "admissíveis", Pedro Adão e Silva reconheceu, na 'Grande Entrevista', que "as CPI têm tido um papel muito importante na valorização do Parlamento e da atividade parlamentar, quando têm como propósito a busca da verdade e apurar factos que, por vezes, eram desconhecidos". Contudo, neste caso, o ministro considerou que "havia uma vontade de produzir um efeito mediático para alimentar um loop contínuo de comentário".
"Há um padrão de inquirição que não é aquele que espero no funcionamento da Justiça, e julgo que a política não beneficia disso", acrescentou.
Oposição "mais preocupada" com sensacionalismo do que em "construir alternativa"
O governante justificou ainda que chamou à atenção para este problema por ter evidenciado "sinais daquilo que é a evolução muito negativa da política noutros países", apelando para que se encarem "as vantagens que temos".
"Temos um ciclo político longo, com estabilidade governativa; temos uma coexistência de um governo de centro-esquerda com um Presidente da República de centro-direita, e isso permite equilibrar o sistema, com naturais divergências; temos um espaço político entre a votação de dois partidos que anda em redor dos 70%. O fundamental é que essa disputa e que essa alternativa se construa em torno de políticas", disse, não deixando de atirar farpas à oposição.
"Gostava muito que o Partido Social Democratava (PSD) tivesse alguma diferenciação programática na cultura. Tenho muita dificuldade sequer em identificar [algo], e julgo que isso é uma análise que podemos fazer", lançou, dizendo-se preocupado "que as alternativas e a oposição estejam mais focadas neste tipo de exercício do que propriamente em construir uma alternativa programática".
Adão e Silva escusou-se a identificar deputados aos quais o seu discurso se aplicasse, tendo ironizado que "uma das vantagens das declarações sobre este assunto é que toda a gente percebeu de quem é que estava a falar, e é por isso que produziu este impacto".
Distinguiu, contudo, o Partido Comunista Português pela sua conduta "completamente distinta", uma vez que "colocou questões sobre a TAP, sobre a governação da TAP e a estratégia para a TAP".
Já questionado sobre a prestação de António Lacerda Sales enquanto presidente da CPI, o ministro recordou que se passaram "coisas naquela comissão que não se deviam ter passado e, portanto, isso responde à pergunta". Ainda assim, deu nota positiva ao parlamentar, salientando que "nem sequer era ele" a quem se dirigia.
Face às críticas de que tem sido alvo, particularmente por parte de Lacerda Sales, que pediu que Adão e Silva tivesse em conta o "esforço de muitas horas e de muitos dias" dos deputados durante as referidas audições e que se retratasse, o governante foi taxativo: "Obviamente que não."
"Acho que já expliquei por diversas vezes o sentido e o propósito daquilo que disse. Tenho sido muito claro; acho que toda a gente percebeu. Não foi dirigido a nenhum deputado em particular, foi uma avaliação do comportamento genérico. Não vejo por que motivo […] um membro do Governo está inibido de pronunciar-se sobre um conjunto de matérias ou de dizer o que quer que seja. Admira-me essa reação", rematou.
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