Montenegro acusa Costa de "amuar" e "vitimizar-se" no Conselho de Estado
O líder do PSD aproveitou a visita ao distrito de Portalegre para criticar o primeiro-ministro e não só.
José Miguel Pires | 23:05 - 05/09/2023© PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP) (Photo by PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP via Getty Images
Política Conselho de Estado
As rentrées políticas ainda não estão ‘fechadas’, mas, entre alegadas fugas de informação, “mentiras” e acusações, uma coisa ficou bem clara na quarta-feira: as férias parlamentares chegaram mesmo ao fim e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não está para ‘brincar’ ao ‘diz-que-disse’ e deu uma 'palmada na mão' de Luís Montenegro.
Recorde-se que o líder da Oposição deixou comentários bastante críticos sobre o alegado silêncio do primeiro-ministro durante o Conselho de Estado, que decorreu nesse mesmo dia.
"Houve um Conselho de Estado e parece que houve um primeiro-ministro amuado. Houve um primeiro-ministro que não prestou explicações aos conselheiros de Estado, ao senhor Presidente da República, não prestou explicações sobre a situação económica, sobre a situação social, sobre aquilo que é a sua responsabilidade”, sublinhou num discurso dirigido aos militantes em Elvas, no distrito de Portalegre.
O líder do Partido Social Democrata (PSD) falou ainda de um eventual conflito entre Marcelo e Costa, assim como dos interesses do chefe de Governo em criar um: “Não sei se tenciona andar a vitimizar-se à conta desse conflito que está a criar com o Presidente da República para ver se tem algum ganho político, partidário, eleitoral... desconfio que deva ser qualquer coisa como isso".
Era ainda um mistério se – e por que razão – Costa se remeteu ao silêncio durante a reunião quando o próprio decidiu, já na quarta-feira, responder às acusações feitas por Montenegro. Em Guimarães, onde esteve na inauguração do supercomputador Deucalion, o chefe de Governo foi confrontado sobre o alegado silêncio, retorquindo: “Quem me conhece sabe que não sou dado a amuos. O Dr. Luís Montenegro também devia respeitar as instituições e o funcionamento das instituições".
Costa foi mais longe e, se Montenegro 'pegou' nas palavras que alegadamente ficaram por dizer, recordou algumas declarações do líder do PSD. "Como ele próprio disse, há dois dias, o líder da Oposição é ele. O debate político que tenho a fazer é com ele, no Parlamento", clarificou.
E com suspeitas de fugas de informação sobre uma reunião privada, Costa garantiu ainda que é ao silêncio que se vai remeter mesmo quando o assunto for privado. "Nunca ninguém me ouvirá falar sobre o que acontece no Conselho de Estado, por uma razão fundamental: temos de respeitar as instituições. O Conselho de Estado assenta numa regra fundamental de confidencialidade. Quem nas últimas reuniões tem decidido fazer fugas seletivas, ou contado mentiras sobre o que acontece no Conselho de Estado, presta um péssimo serviço às instituições, à democracia e ao Conselho de Estado", acusou.
Questionado sobre se a informação de que se manteve calado era mentira, Costa foi premonitório, e lembrou que as atas poderão ser consultadas daqui a 30 anos, em 2056 - assumindo que Marcelo ficará na Presidência mais três anos. "Esperemos por 2056. Não vou nem dizer sim nem vou dizer não, pelo seguinte: nós devemos respeitar as instituições. Por mim procuro respeitá-las, procuro ser bastante escrupuloso no cumprimento das regras institucionais, e quem não o faz, acho que presta um mau serviço ao país", reforçou.
O silêncio que Marcelo - desta vez - quebrou
Já ao final da tarde, Marcelo Rebelo de Sousa, que em várias situações tem 'arrastado' o silêncio - como, por exemplo, na 'demissão frustrada' do ministro das Infraestruturas, João Galamba, situação em que admitiu um "divergência de fundo com Costa -, escolheu manifestar-se.
À saída da cerimónia de entrega do prémio António Champalimaud da Visão de 2023, em Lisboa, Marcelo começou por dizer aos jornalistas que não comentava a situação, mas acabou por sair na defesa de Costa, e referir que o primeiro-ministro tinha razões para estar "ofendido" sobre as notícias do Conselho de Estado. Marcelo confessou, ainda, que ficou "melindrado" pelas aparentes fugas de informação sobre o conteúdo da reunião em Belém, e deixou bem claro que a opção do primeiro-ministro de não responder no Conselho de Estado às opiniões dos conselheiros "não foi por nenhuma querela" entre os dois.
"Foi possível haver notícias que me melindraram, confesso. Senti-me incomodado por isso, por não corresponder à visão que eu tinha do que se tinha passado", admitiu, acrescentando que "o senhor primeiro-ministro, quando ficou silencioso, não foi por nenhuma querela com o Presidente da República".
"Eu tinha perguntado ao senhor primeiro-ministro, antes do Conselho, se tencionava usar da palavra. Ele disse-me que não e, portanto, tendo-me dito que não, eu naturalmente passei à minha intervenção", detalhou.
Ainda questionado pelo surgimento de notícias sobre uma reunião privada e sigilosa do Conselho de Estado, disse que "cada qual terá a sua posição sobre aquilo que considera que foi deturpado no seu pensamento, ou omitido, ou privilegiada outra opinião, ou saído uma interpretação". À semelhança de Costa, Marcelo defendeu que o 'o que se passa no Conselho de Estado, fica no Conselho de Estado'.
"Eu já sou membro do Conselho de Estado - primeiro conselheiro, agora presidente - há 20 anos. Somando o tempo da presidência de Jorge Sampaio, de Cavaco Silva, e ao longo de 20 anos vão saindo várias versões, interpretações, vários pontos de vista sobre o que se passou ou não passou. Eu admito que haja quem se sinta ofendido porque o que aquilo que disse ou não disse foi mal interpretado", apontou.
Rentrée socialista 'disfarça' dias polémicos (com anúncios importantes)
Ao final do dia, António Costa esteve em Évora, onde, como secretário-geral do Partido Socialista (PS), abriu os quatro dias de rentrée. No discurso de abertura da Academia do PS Costa anunciou medidas importantes, assim como voltou a falar do assunto que marcou a atualidade, afirmando que "a política não pode ser um exercício de números mediáticos".
Em jeito de recado lembrou ainda durante o seu discurso a importância do voto e na "avaliação" ao Governo, deixando um recado à classe política e afirmando que o dever dos políticos é "cumprir e procurar cumprir os compromissos que assumimos com os cidadãos”.
A medida do IVA Zero, promovida pelo Governo este ano para fazer face à inflação, será estendida até ao final deste ano, decisão esta justificada com a eficácia que se tem vindo a verificar. Costa reiterou que "a medida contribuiu para reduzir os preços", avançando que o alargamento desta medida será aprovado na próxima reunião do Conselho de Ministros, já esta quinta-feira. "É assim que se governa, é estar atento à vida das pessoas", rematou.
Ainda na Academia do PS, António Costa, anunciou que por cada ano de trabalho em Portugal o Governo vai devolver aos estudantes as propinas pagas no ensino público, valor correspondente a correspondente a 697 euros.
O primeiro-ministro anunciou ainda alterações às regras de acesso ao IRS Jovem, começando por dizer que "no primeiro ano de trabalho, no primeiro ano em que as pessoas declaram o seu rendimento, o IRS será zero e haverá total isenção de IRS para que todos possam começar o início da sua vida". No segundo ano, prosseguiu, os beneficiários desta medida pagarão 25% do IRS que teriam que pagar, "no terceiro e no quarto só pagarão metade" e no quinto ano "pagarão 75% do imposto que teriam a pagar". A partir de janeiro do próximo ano, continuou, os passes de transporte sub-23 passarão a ser gratuitos para todas as crianças e jovens até aos 23 anos.
Mas é suficiente?
A Associação Académica da Universidade de Évora (AAUE) referiu que a devolução das propinas pagas no ensino público "é vista com bons olhos, mas não é uma resposta para a atualidade". "Quem procura trabalho e principalmente um futuro fora de Portugal, não o faz por apenas 700” euros, defendeu, em comunicado, o presidente da AAUE.
Henrique Gil sublinhou que esta "não é uma medida que venha reduzir o custo da frequência [do ensino superior], pois não elimina a necessidade de pagamento" e que "funciona quase como um prémio".
Leia Também: "A política não pode ser um exercício de números mediáticos"
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com