Costa, Marcelo e o "pobre protagonista": A fita da nova tensão em Belém

A breve reunião entre Marcelo Rebelo de Sousa e Lucília Gago, que aconteceu entre as duas reuniões com António Costa, no passado dia 7, continua a suscitar dúvidas. Mais do que o conteúdo da mesma, quem sugeriu a marcação com a procuradora-geral da República é o foco de mais uma tensão entre Presidente, chefe de Governo e um único conselheiro de Estado.

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Hélio Carvalho
22/11/2023 09:29 ‧ 22/11/2023 por Hélio Carvalho

Política

Conselho de Estado

Pela segunda vez no espaço de poucos meses, as reuniões do Conselho de Estado voltam a ser assunto na política nacional, no meio de uma troca de acusações cacofónica sobre se o primeiro-ministro disse ou não ao Presidente da República para ouvir Lucília Gago, procuradora-geral da República, na manhã em que a Operação Influencer 'escancarou' as portas de São Bento.

A troca de comentários na imprensa entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa - e a tentativa do conselheiro de Estado e ex-dirigente do CDS-PP António Lobo Xavier em meter os pontos nos i’s, na noite de terça-feira - lançou várias dúvidas não só sobre o papel de Lucília Gago na demissão de Costa, mas também sobre a confidencialidade cada vez mais ameaçada do Conselho de Estado.

Perante a tensão ressuscitada entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, após os comentários do chefe de Estado, e as dúvidas sobre uma reunião com a procuradora-geral da República, recordemos a cronologia dos factos. Afinal, o que está em causa: quem chamou a PGR ou se essa informação devia ser ou não pública?

Arranca a queda, Gago vai a São Bento e Costa demite-se

No dia 7 de novembro, arrancou a Operação Influencer. Durante a manhã, surgiram as primeiras notícias sobre buscas a várias instituições públicas e ao Governo, nomeadamente ao gabinete do primeiro-ministro, aos ministérios do Ambiente e das Infraestruturas, secretaria de estado da Energia, Agência Portuguesa do Ambiente e muitas outras, devido a uma investigação sobre a instalação de um centro de dados em Sines e sobre negócios de lítio e hidrogénio.

A referência ao primeiro-ministro no último parágrafo de um comunicado, que o Expresso disse ter sido escrito por Lucília Gago, fez estalar a crise governamental. Às 14 horas desse dia, António Costa anunciou a demissão e a consequente queda do Governo.

Na manhã das buscas, entre a primeira reunião de 40 minutos com Costa e a segunda reunião de 10 minutos, na qual o líder do Partido Socialista confirmou a sua demissão, Marcelo recebeu Lucília Gago em Belém, sendo que a Sábado revelou que o Presidente já estaria a par das buscas antes sequer de Costa as conhecer.

Dois dias depois da demissão de Costa, a 9 de novembro, Marcelo Rebelo de Sousa reuniu o Conselho de Estado (do qual Costa faz parte) e confirmou a marcação de eleições antecipadas, agendando-as para março de 2024.

No dia 10 de novembro, o Expresso avançou que Costa sugeriu a Marcelo que se reunisse com a procuradora-geral entre reuniões, e voltou a confirmar a mesma notícia no dia 17 de novembro.

Entre Bissau a Lisboa, Marcelo e Costa jogam ao 'diz que disse'

Os dois protagonistas colocaram a crise em ‘stand by’ durante uma visita à Guiné-Bissau, na comemoração dos 50 anos da independência do país e ex-colónia, mas o cessar-fogo durou pouco tempo.

Depois de semanas de contestação e de dúvidas sobre a atuação do Ministério Público, e de debate sobre o papel das autoridades judiciais na queda do Governo - uma discussão adensada pela admitida confusão com os nomes de António Costa e António Costa e Silva, ministro da Economia -, Marcelo Rebelo de Sousa contou, ainda num hotel em Bissau, no dia 16 de novembro, que foi o primeiro-ministro quem lhe disse para reunir com Lucília Gago.

“Isso o senhor primeiro-ministro já esclareceu que ele pediu para eu pedir o encontro à senhora procuradora-geral da República”, disse Marcelo.

Costa não demorou a tocar no assunto, mas não confirmou ter feito o pedido - e também não desmentiu. No passado domingo, dia 18 de novembro, no meio da reunião da Comissão Nacional do PS em Lisboa, o primeiro-ministro demissionário afirmou que não se recordava de ter falado publicamente sobre o assunto. Numa série de comentários em que deixou críticas indiretas ao chefe de Estado, Costa não confirmou se fez ou não o pedido, mas o facto é que essa declaração nunca foi pública.

“Terão de perguntar ao senhor Presidente da República em que comentário público terei feito, mas não me ocorre nenhum. Se fiz algum comentário público, ninguém melhor do que os senhores jornalistas [que] estarão aqui, para saber que comentário fiz ou não. Se fiz um comentário público, então fi-lo seguramente perante vossas excelências”, disse, atirando a farpa a Marcelo e às ‘fontes de Belém’ ao afirmar que nunca fala “por heterónimos”.

O Conselho de Estado e a impaciente confidencialidade

No domingo, o conselheiro de Estado, advogado e ex-dirigente do CDS-PP António Lobo Xavier afirmou no seu espaço de comentário na CNN Portugal que, na reunião do Conselho de Estado de 9 de novembro, António Costa revelou “perante outras pessoas” que pediu ao Presidente da República que ouvisse Lucília Gago sobre a investigação que ficou conhecida como Operação Influencer. O Público confirmou a notícia na segunda-feira.

"Eu acho que aquilo que interessa é a verdade e não a formalidade. Eu nunca ouvi António Costa dizer que não era verdade que tinha pedido ao Presidente da República para chamar a PGR. Veio simplesmente dizer que não o disse em público e realmente disse-o, depende é de saber o que é em público. Não disse numa conferência de imprensa, mas disse em local onde estavam mais pessoas do que o próprio”, afirmou.

Esta foi a mesma reunião em que António Costa também sugeriu o nome de Mário Centeno para liderar o Governo e evitar, assim, o cenário de eleições antecipadas - e o primeiro-ministro confirmou este conselho horas mais tarde, à chegada à comissão política do PS.

No dia seguinte, na Alemanha, nas comemorações do 50.º aniversário da fundação do Partido Socialista em Bad Münstereifel, o (ainda) secretário-geral corrigiu António Lobo Xavier, vincando que não teve uma “conversa pública” com o conselheiro de Estado. E, recordando novamente o prazo de confidencialidade de 50 anos sobre as reuniões do Conselho de Estado, brincou que a imprensa deve ser “irritantemente paciente” quanto ao que “o que é dito ou não dito no Conselho de Estado”.

No mesmo comentário sobre a confidencialidade do Conselho de Estado - que já criticou antes, nomeadamente sobre o seu alegado silêncio numa reunião em julho, e que já quebrou antes, quando falou da sua sugestão sobre Centeno - Costa deixou ainda um recado a Lobo Xavier. “Lembro-me de ter falado com o doutor Lobo Xavier em privado ou em órgãos onde ambos participamos e onde o dever de confidencialidade impera sobre todos”, disse.

Lobo Xavier, o "pobre protagonista" num "clima de intriga"

O último capítulo desta história surgiu na terça-feira à noite. Com Costa e Marcelo em silêncio, António Lobo Xavier voltou a usar do seu espaço mediático na CNN Portugal para responder às críticas do primeiro-ministro e para se defender, garantindo que não quebrou qualquer confidencialidade associada ao cargo no Conselho de Estado e acusando Costa de “adensar” a “intriga”.

Lobo Xavier afirmou ainda que é um “pobre protagonista” na controvérsia.

“O primeiro-ministro foi confrontado com a afirmação feita pelo Presidente da República de que teria sido por sua solicitação que teria chamado a procuradora-geral da República. O primeiro-ministro escolheu não confirmar. Preferiu dizer que nunca tinha dito essas palavras em público e, portanto, remetendo, provavelmente, para o Conselho de Estado. O facto de que foi o primeiro-ministro a pedir não fui eu que o revelei. E o primeiro-ministro quando confrontado com ele tinha duas hipóteses: negá-lo ou admiti-lo. Não escolheu nenhuma delas e preferiu adensar, como se viu depois, provavelmente sem querer isso, de boa-fé, involuntariamente, uma intriga de que era a de que provavelmente não era verdade que tivesse pedido ao Presidente da República”, retaliou.

O ex-dirigente do CDS sublinhou ainda que "entre proteger um dever de reserva ou a confidencialidade, que evoca um primeiro-ministro, que permite um adensar de uma intriga, que do meu ponto de vista é inaceitável e infame, e, do outro lado, revelar a verdade, do meu ponto de vista, esse conflito de interesses é resolvido a favor da verdade".

Leia Também: Costa "adensou intriga". Lobo Xavier nega quebra de confidencialidade

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