Face à proposta do presidente da Assembleia da República, José Aguiar-Branco, que equacionou que antigos presidentes do Tribunal Constitucional (TC) deveriam ouvidos em conferência de líderes sobre a liberdade de expressão dos deputados e compatibilização com eventuais "linhas vermelhas", na quarta-feira, a generalidade dos partidos mostrou-se alinhada: a questão deveria, ao invés, ser abordada internamente, uma vez que poderá ser autonomamente resolvida no Parlamento.
O grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) considerou que esta é "uma matéria eminentemente de autorregulação do funcionamento da AR que lhe deveria caber resolver sozinha, no quadro dos poderes e das regras consagradas no Regimento da AR", ao mesmo tempo que ressalvou não recusar a proposta completamente.
"Sem prejuízo deste entendimento, o grupo parlamentar não recusa a proposta, remetendo a possibilidade ou conveniência de ouvir entidades externas à AR para discussão própria em conferência de líderes. Este entendimento obsta à audição de imediato dos antigos Presidentes do Tribunal Constitucional, mas não o exclui", apontaram os socialistas.
Na mesma linha, o Bloco de Esquerda (BE) realçou que este assunto merece "um primeiro debate […] sem recurso a personalidades ou entidades externas", uma vez que se trata “de matéria que a Assembleia da República, nos termos do seu regimento, pode autonomamente resolver", pode ler-se na resposta a que a agência Lusa teve acesso.
Também o grupo parlamentar do Livre referiu, numa resposta a Aguiar-Branco, que a audição de entidades externas à Assembleia da República deve ser debatida na conferência de líderes, tendo indicado que o debate não é apenas sobre "os limites da liberdade de expressão dos senhores deputados", mas "sobre os deveres de intervenção do Senhor Presidente da Assembleia da República nos termos do n.º 3 do art.º 89.º do Regimento da Assembleia da República".
"Neste sentido, solicitamos que previamente à discussão em conferência de líderes seja distribuído por todos os grupos parlamentares o dossier comparativo de medidas regimentais relativas ao decoro e discurso parlamentar de outros parlamentos europeus que foi preparado no mandato passado, que poderá servir de base ao debate", acrescentou.
Por seu turno, a líder parlamentar do Partido Comunista Português (PCP), Paula Santos, defendeu que "mais do que audições e ouvir-se diversas opiniões", o foco do presidente do Parlamento deve ser a Constituição e o Regimento da Assembleia da República.
Na ótica de Paula Santos, Aguiar-Branco "não esteve bem na semana passada", ao admitir que um deputado pode dizer no Parlamento que uma determinada etnia é "mais preguiçosa ou burra".
"Não podemos admitir que na Assembleia da República - e nós não aceitamos isso - haja lugar a discursos de ódio, de racismo, xenófobos, que procuram branquear o que é o colonialismo. Isso não pode acontecer e o presidente da Assembleia da República tem de intervir e cumprir as suas competências", disse.
A comunista ressalvou ainda que a norma do Regimento da Assembleia da República que prevê a intervenção do presidente quando há discursos injuriosos e ofensivos já existe "há muito e já houve vários processos de revisão do Regimento e essa norma manteve-se sempre".
"Ela está prevista: não é preciso nenhuma alteração. É preciso que seja cumprida e esse é o papel por parte do presidente da Assembleia da República. Deve cumprir", reiterou.
A iniciativa de Aguiar-Branco constava de uma missiva enviada aos presidentes dos grupos parlamentares e à deputada do PAN, assim como a "vices" do Parlamento e membros da mesa sobre a agenda da próxima reunião da conferência de líderes.
A questão surgiu depois de, na sexta-feira de manhã, o líder do partido de extrema-direita Chega, André Ventura, se ter referido às capacidades de trabalho do povo turco, a propósito da construção do novo aeroporto de Lisboa, o que levou as bancadas do BE, Livre e PS a defenderem a intervenção do presidente do Parlamento para impedir este tipo de discursos, que consideraram ser "xenófobos".
Ainda assim, o presidente da Assembleia defendeu que não lhe compete censurar as posições ou opiniões de deputados, remetendo para o Ministério Público uma eventual responsabilização criminal do discurso parlamentar, posição que foi censurada por todos os partidos de Esquerda.
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