Luís Monteiro, o deputado mais novo a chegar à casa da democracia, assume o dossier da Educação e Ciência. Critica a "política agressiva das propinas", que acredita cortar a possibilidade a milhares de estudantes de ingressarem no Ensino Superior. Acusa o Governo de ter estado muito aquém na resolução dos problemas estruturais da Academia e promete não parar de lutar por um ensino "democrático e inclusivo". Em relação às praxes, afirma, devemos encará-las como um problema social que deve ser combatido de frente. O deputado bloquista dá ainda a cara pela luta contra a precariedade dos docentes e dos investigadores na Academia.
Centremo-nos novamente no deputado Luís Monteiro. Tem batalhado o tema da Educação, nomeadamente a questão das praxes. Tem esperança que o Ensino, neste caso o Superior, se torne, como diz a lei, "tendencialmente gratuito"?
A Constituição diz realmente, no artigo 73 e 74, que a Educação tem de ser tendencialmente gratuita em todos os níveis de Ensino, incluindo todos os graus do Ensino Superior. Há várias leituras constitucionais, poderemos discuti-las. Mas acho que, acima de tudo, mais do que uma discussão jurídica, precisamos de fazer uma discussão política e social. Quantos estudantes, jovens, em Portugal ficam de fora do Ensino Superior e que nem sequer se candidatam porque não têm capacidade de pagar propinas e sabem que a ação social não chega a horas ou é insuficiente para garantir a sua entrada na faculdade? São milhares.
A política das propinas é uma política basilar na construção de um ensino superior elitista, para poucos, que exclui em vez de incluir, e para um Ensino Superior que não vai garantir que nós formemos os nossos jovens da forma como nós queríamos, do ponto de vista da qualidade e até de quantidade, para termos recursos e capacidade de consciência crítica para o futuro. Diga-se de passagem que este Governo, em particular o Ministério do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia, tem estado muito aquém de conseguir responder aos problemas estruturais do Ensino Superior e da academia. É preciso uma política que muito para além daquilo que está hoje a ser implementado, o Bloco de Esquerda cá estará para fazer essa guerra, eu em particular tenho essa função no Parlamento. Não largaremos a luta por um Ensino Superior democrático e inclusivo para todos e para todas.
As praxes devem ser encaradas como um problema social
Que outros aspetos no Ensino Superior precisam de ser urgentemente alterados?
Precisamos de combater uma entropia em que a Academia naufragou. Temos um Ensino Superior pouco democrático. A lógica do modelo fundacional é uma semi-privatização do Ensino, a imagem do reitor todo poderoso e de uma ideia de Ensino Superior, a ideia de um quasi-mercado, ou seja, tornar o Ensino Superior uma empresa de mão-de-obra barata. Tudo isso precisa de ser alterado profundamente. Não estamos a falar de algumas medidas particulares para aumentar as bolsas - elas precisam de ser aumentadas, sem dúvida -, não estamos a falar de medidas particulares de alterar este ou aquele curso, ou este ou aquele funcionamento das instituições - que precisa disso -, mas é uma outra lógica, a de olhar para este serviço público fundamental.
Combater a precariedade nos docentes e nos investigadores, alterar a lógica da democracia interna, acabar com o modelo fundacional e garantir que, em vez de um discurso de autonomia de gestão financeira, temos sim um discurso de autonomia de gestão científica, de gestão daquilo que são os recursos críticos das universidades, isso sim é aquilo que precisamos para as universidades. É um caminho longo mas precisa de ser percorrido desde já e é um caminho onde o PS tem falhado e onde o Bloco tem marcado presença e quer construir movimento social e reivindicativo para que essas questões não sejam esquecidas e possam integrar uma base fundamental para construirmos um Ensino Superior diferente.
As tradições têm muito que se lhe diga. Também era tradição a escravatura, as touradas, e não é por isso que as temos de defenderEstá aí à porta o início de um novo ano letivo e com ele virá, como sempre, o tema das praxes. Não há nenhum argumento válido para essas práticas continuarem a existir? O da tradição é um dos mais usados.
Essa é uma discussão grande. As tradições têm muito que se lhe diga. Também era tradição a escravatura, as touradas, e não é por isso que as temos de defender. Mas as praxes vão um bocadinho para além disso. Se é verdade que na Academia, ou em parte da academia, isso foi tradição no passado, também é verdade que houve um movimento que quis fazer com que as praxes ressurgissem. E esse ressurgimento no final dos anos 80 tem tudo menos que ver com tradição, teve que ver com opções políticas, existiram até escritos de juventudes partidárias da altura que diziam que para combater movimento estudantil à Esquerda era preciso criar um pólo mais conservador, mais fechado na academia. Esse projeto foi conseguido, o neo-liberalismo ajudou a isso, os anos negros, de chumbo, do 'Cavaquismo' no início do neo-liberalismo em Portugal trouxeram de novo a realidade das praxes.
As denúncias públicas que têm existido tem sido fundamentais. Não só para um combate político e ideológico. Acima de tudo as praxes devem ser, e eu encarei-as assim desde sempre, como um problema social de uma sociedade que no século XXI assume serem normais práticas do século XIX. Mais do que tudo, precisamos de ter uma visão socialmente crítica das praxes. E esse é o consenso que precisa de ser construído na sociedade portuguesa. Quando, o ano passado, tive a oportunidade de contudo de construir a carta em nome de uma alternativa à praxe, com cem personalidades, foi exatamente isso, um consenso. A prova de que são precisos consensos em relação à praxe é que desde atores, a governantes, a ex primeiros-ministros, cientistas, professores académicos, músicos, etc, se uniram em torno do mesmo. Nós não vivemos no século XIX e, a partir da análise objetiva e factual que não vivemos no século XIX, então a vivência na universidade tem que ser correspondente ao tempo do século XXI, com tudo de bom e de mau que isso tem. Com certeza haverá abusos, bullying a ser combatido e uma série de outras coisas, mas, acima de tudo, não podemos continuar a perpetuar um modelo que nada tem a ver com uma sociedade moderna, democrática, inclusiva, justa, que respeite o outro e a diferença. É preciso combater as praxes de frente, sem nenhum tipo de dúvidas em relação a isso.
Chegou a participar nalgum tipo de praxe?
Não, nunca participei em nenhum tipo de praxe. Apoiei muitas vítimas da praxe, mesmo no meu primeiro ano, sempre tive do outro lado da barricada. Vivenciei de perto muitas situações da praxe, dentro e fora da minha faculdade, mas nunca participei.
Há muitos caloiros que não conseguem dizer 'não' às praxes.
Pois claro que não. Mas a questão aqui é conseguir defender do abuso e não culpar aqueles que são abusados. E esse é que é o grande clique que precisa de ser dado também.
Para finalizar, que ambições tem o Luís, a longo prazo, na vida política?
Não vejo a política como um terreno para disputa de ambições pessoais. Assumirei, como sempre o fiz até aqui, uma postura republicana no serviço à coisa pública, e de Esquerda, defendendo sempre os mais explorados e oprimidos. Dentro ou fora do Parlamento, esteja ou não em cargos de direção, o espírito de combate e revolta não vai fugir.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.