Geringonça existe porque Alemanha já não podia "esmagar" a Esquerda
O atual Governo em Portugal foi formado porque já não era possível à Alemanha esmagar a esquerda portuguesa, como sucedeu com a Grécia no verão de 2015, disse o ativista e ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis.
© Reuters
Política Varoufakis
"O Presidente da República portuguesa nunca daria o mandato à Esquerda para formar este governo sem a 'luz verde' de Berlim, que estava preocupado com a perda da imagem da chanceler [Angela Merkel], que tinha esmagado a Grécia no verão de 2015", afirmou em entrevista à Lusa o antigo ministro.
Varoufakis, de 57 anos, assumiu, entre janeiro e julho de 2015, a pasta das Finanças no primeiro executivo grego dominado pelo partido de esquerda Syriza.
Atual líder do movimento pan-europeu DiEM25, empenhado na formação de um movimento transnacional, participou na quarta-feira no desfile na Avenida da Liberdade comemorativo do 25 de Abril, integrado no partido Livre, e participa hoje em Lisboa na segunda reunião do "Conselho para lista transnacional" na perspetiva das eleições europeias de maio de 2019.
"A destruição do Governo Syriza implicou que [a chanceler alemã] Angela Merkel perdesse muito capital político. E para ela era impossível também esmagar a esquerda portuguesa. Foi por isso que o vosso governo obteve 'luz verde' e registou-se um grau de tolerância face a este governo de esquerda em termos de terminar com a austeridade. Por isto, precisamos de um movimento pan-europeu", sublinhou.
O DiEM25 (Movimento Democracia na Europa 2025) aglutina diversas formações internacionais, incluindo o partido Livre de Rui Tavares, após o Parlamento Europeu ter rejeitado o princípio da apresentação de listas transnacionais para o escrutínio de 2019.
"Penso que os desenvolvimentos em Portugal e o facto de se ter formado este Governo são passos muito positivos, que saúdo. E também envio as minhas felicitações pessoais por terem conseguido travar a austeridade, e garantir à sociedade portuguesa um espaço para respirar", assinalou Varoufakis, que nos primeiros seis meses de 2015 foi um dos principais protagonistas do embate entre Atenas e a 'troika' de credores internacionais.
No início de julho, Varoufakis foi substituído pelo atual ministro das Finanças, Euclides Tsakalotos, um dia após o referendo que rejeitou as novas medidas de austeridade exigidas pelos credores (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). E uma semana depois, o Governo de esquerda Syriza do primeiro-ministro Alexis Tsipras assinava um terceiro memorando.
"Não esqueçamos que este não é um combate português, é um combate europeu. Este Governo [em Portugal] nunca teria sido formado se não desencadeássemos a nossa luta antes de 2015 na Grécia", assegurou o ativista, doutorado em Economia pela universidade britânica de Essex e autor de diversos livros sobre a crise da dívida na Europa. "Adults in the Room" ("Comportem-se como Adultos", na tradução portuguesa) é o seu mais recente testemunho sobre o fervoroso combate político que então decorreu entre Bruxelas e Atenas.
"Uma tentativa de fazer o que os nossos avós não conseguiram na década de 1930", quando a Europa caminhava "para o abismo do nazismo e da guerra", disse Varoufakis, que se autodefine como um "marxista errático", ao apresentar este novo projeto político.
"Após 1929, as forças progressistas não conseguiram unificar-se... É o que agora necessitamos de fazer, temos o mesmo perigo, com a emergência da extrema-direita por todo o lado", referiu.
O DIEM25 é assim definido pelo seu dirigente como um "local de democratas radicais", que inclui marxistas, feministas, ecologistas e "liberais antissistema", unidos para além das fronteiras ou filiações partidárias.
"O facto de estar aqui hoje em Portugal é uma demonstração de que a Revolução dos Cravos também foi a minha revolução. E exatamente após o que aconteceu em 2015, e sinto isso nas ruas, é também a sua luta, é uma luta que a humanidade deve combater em conjunto", vincou.
Para o ex-ministro grego, ser "progressista" também reside nesta capacidade: "Podermos ver para além do nosso nariz, e das nossas fronteiras". A esquerda sempre manteve "um dever político e moral" de participar nas instituições "criadas pelo capitalismo" para as transformar a partir de dentro, assinalou.
"[As instituições] não devem ser instrumentos contra o povo, mas antes instrumentos do povo. Isso foi sempre aquilo em que a esquerda acreditou. Sim, é possível, é necessário e é urgente, e não vejo porque não devamos fazer isso a nível dos municípios, dos governos regionais, do governo nacional e da União Europeia", defendeu.
A vocação política do DIEM25, no espaço europeu destina-se, nesta perspetiva, a "representar os europeus", com o objetivo de democratizar as instituições.
Uma estrutura política "que precisa de se implantar na Europa para terminar com a crise sistémica da Europa que tem criado tantos problemas para os alemães, gregos, portugueses", disse. "Se pudermos apresentar este projeto, penso que os povos da Europa vão responder positivamente. Mas ainda não o fizemos, e estamos aqui em Lisboa para o fazer", acrescentou.
Para Varoufakis, e num período em que o capitalismo "está a revolucionar o mundo", mas cujo pior inimigo "não é a esquerda mas antes o próprio capitalismo que está a produzir diversas tecnologias que estão a miná-lo", terá de existir sempre uma alternativa.
"A questão é criá-la, construi-la e acreditar na nossa capacidade para o fazer", assegurou.
Na passada sexta-feira, Varoufakis dirigiu uma "Carta Aberta" aos dirigentes do Bloco de Esquerda, do Podemos espanhol e da França Insubmissa, que anunciaram previamente o movimento político europeu "Agora, o povo", "uma alternativa" para "uma nova cooperação europeia" contra os tratados atuais.
"Já tivemos algumas respostas negativas do Bloco de Esquerda, na base em que discordam da nossa lista transnacional, e da nossa atitude federalista pan-europeia, o facto de pretendermos criar uma União democrática europeia", revelou.
Mas Varoufakis disse estar seguro que chegou o momento de unir forças, e na base "de um plano A" para a toda a Europa, dirigido aos trabalhadores, aos precários, aos setores da população mais desfavorecidos.
"Não vamos desistir, vamos bombardear os nossos camaradas com mais convites, os nossos braços estarão abertos para eles".
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