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"Nada distingue a abordagem do PAN de uma qualquer seita"

O porta-voz da PróToiro, Hélder Milheiro, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto e não tem dúvidas em afirmar que a luta contra as touradas é uma "moda" que, como todas, "terá o seu tempo e deixará as marcas que tiver de deixar".

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Patrícia Martins Carvalho
25/07/2018 09:04 ‧ 25/07/2018 por Patrícia Martins Carvalho

País

Hélder Milheiro

O Parlamento chumbou o projeto de lei do PAN – Pessoas Animais Natureza que previa a abolição das touradas em Portugal.

O porta-voz da PróToiro, Federação Portuguesa de Tauromaquia, revela nesta entrevista ao Vozes ao Minuto que nunca temeu que o mesmo viesse a ser aprovado, pois a tauromaquia é uma atividade tutelada pelo Ministério da Cultura que é protegida pela legislação (Decreto-Lei nº 89/2014; Decreto-Lei nº 23/2014; Artigos 43º, 73º e 78º da Constituição da República Portuguesa).

Quanto ao PAN, Hélder Milheiro tece duras críticas, considerando tratar-se de um “micro-partido” que vê na tauromaquia uma forma de chamar a si a “visibilidade mediática”. Além disso, alerta para o " perigo" que o PAN representa com o seu pensamento animalista, pois "ao invés de elevar a vida dos animais, o que faz é reduzir o valor da vida dos humanos”. 

O projeto de lei do PAN para abolição das touradas foi chumbado no Parlamento. Como encarou esta iniciativa?

Vi como uma tentativa do PAN de ganhar visibilidade. É um micro-partido que representa pouco mais de 70 mil votos e sabe que a tauromaquia tem para ele [PAN] uma função vital que é a que lhe permite ter visibilidade mediática.

Temeu em algum momento que fosse aprovado?

De maneira alguma. Nunca achámos que tal fosse possível.

Por que não?

Porque é de proibição que estamos a falar. O PAN tenta amenizar usando a palavra abolição, mas é de proibição que se trata. E sabemos que os partidos têm uma posição de respeito pela liberdade, pelos direitos e garantias que estão a ser atacados pelo projeto do PAN.

De uma forma muito concreta: é ilegal proibir corridas de touros em PortugalEstamos a falar de que direitos?

Dos direitos culturais, de acesso à Cultura que são direitos protegidos e o PAN sabe disso, mas de qualquer maneira não se coíbe de atacá-los.

Este projeto de lei foi chumbado. Receia que um novo projeto possa vir a ser aprovado?

De maneira nenhuma. O direito à Cultura é um direito fundamental definido na Constituição. É preciso ter em conta que o Estado português está constitucionalmente obrigado, não só a promover o acesso à Cultura, como também a proteger o património cultural do país. A cultura é do povo, não é do Estado nem de nenhum órgão local. De uma forma muito concreta: é ilegal proibir corridas de touros em Portugal.

O PAN garante que há cada vez mais pessoas que são contra a realização das touradas…

Esses números são ditos com base em… nada! O PAN representa, como disse há pouco, cerca de 70 mil votos num universo de vários milhões em Portugal e, no entanto, acha-se no direito de dizer que representa a vontade dos portugueses. Maior arrogância democrática e abuso da boa-vontade dos cidadãos não pode haver.

Um universo global de cerca de 86% dos portugueses não defendem qualquer tipo de proibição da tauromaquia. Estes números são bastante explícitosHá números oficiais sobre o universo dos aficionados em Portugal?

A Eurosondagem fez, em 2011, a única sondagem nacional até hoje conhecida sobre o tema e os resultados foram muito claros: cerca de 33% dos portugueses afirmaram-se aficionados, outro número mais ou menos igual disse que não gostava mas que respeitava a liberdade de escolha de cada um, cerca de 20% disse que é um tema que lhe é indiferente e só cerca de 11% é que disse que estava a favor de uma proibição. Ora, estamos a falar de um universo global de cerca de 86% dos portugueses que não defendem qualquer tipo de proibição da tauromaquia. Estes números são bastante explícitos.

Mas esse número são de 2011. Desde então tem havido uma maior consciencialização da sociedade para a temática animal. Não teme que se houvesse uma sondagem agora os números seriam diferentes?

Não, de maneira alguma. Nós temos uma visão da realidade absolutamente livre, cada um é livre de ser o que quiser, seja animalista, vegetariano, aficionado... E não vemos nenhuma mudança social em relação a esse aspeto, vemos sim uma moda, mas que terá o seu tempo e deixará as marcas que tiver de deixar.

O bem-estar do animal é uma preocupação do setor da tauromaquia, ao contrário do que se dizUm dos argumentos do PAN prende-se com o sofrimento que é infringido aos touros. Qual é o percurso deste animal desde a herdade até à arena?

É bastante simples. O touro sai de manhã da herdade e é transportado para a praça porque existem tempos regulamentares a serem cumpridos e porquê? Exatamente por questões de bem-estar do animal que é uma preocupação do setor da tauromaquia, ao contrário do que se diz. Bom, o touro chega à praça, é verificado se está saudável e em condições físicas normais e se não estiver não pode estar no espetáculo e tem que regressar ao campo. Se estiver tem um período de descanso, está em repouso com água à sua disposição para estar tranquilo num ambiente de repouso e tranquilidade, depois da lide sai da arena e segue de seguida para o matadouro.

Mas pode não terminar no matadouro, certo?

Sim. O outro processo é o de regresso ao campo. Muitas vezes, por questões de bravura do touro, do seu desempenho, os ganadeiros acham que o touro pode ser um bom reprodutor e merece um prémio, uma retribuição ética pelo seu comportamento na arena e regressa ao campo onde viverá o resto dos seus dias como reprodutor até morrer de velho, coisa que não acontece a nenhum outro animal criado para consumo humano.

Portanto, até à lide o animal não sofre. E durante a lide? As bandarilhas não causam sofrimento?

Temos que olhar para a ciência e perceber que animal é este. O touro é um animal selecionado há mais de 300 anos em função da sua bravura que é a resistência à dor, é a capacidade de investir e acometer continuamente superando qualquer tipo de sensação de dor. Por que é que perante o estímulo da bandarilha o touro não tem o reflexo de fuga que é a reação natural à dor, mas tem a reação inversa que é de investir? Segundo a ciência o hipotálamo - zona do cérebro responsável pela segregação das hormonas responsáveis por bloquear os recetores da dor – é 30% maior nos touros. Provavelmente como resultado da pressão feita pelos homens, o touro tem vindo fisiologicamente a adaptar-se ao contexto da lide, ou seja, tem mecanismos fisiológicos que lhe permitem reagir de forma diferente às situações de dor.

A reação fisiológica que o touro tem à dor é de uma capacidade extraordinária de bloqueio dos recetores da dor. E por isso é que o seu comportamento não é de fuga mas de investida e ataqueEntão não sentem dor?

Não podemos falar em situação zero da dor, mas a reação fisiológica que o touro tem à dor é de uma capacidade extraordinária de bloqueio dos recetores da dor. E por isso é que o seu comportamento não é de fuga mas de investida e ataque.

Esta explicação deita por terra o argumento do PAN?

O argumento do PAN é um argumento que se baseia em quê? Onde é que está a análise do touro e da sua fisiologia e os dados científicos que fundamentam essa análise? O que o PAN fala no projeto é de bovinos, de vacas leiteiras e coisas do género e não se baseia em termos científicos daquilo que é o touro bravo.

A PróToiro defende a tauromaquia como fazendo parte da Cultura. Esta mesma cultura é também argumento que serve o PAN que recorda que “da nossa herança cultural faz também parte a escravidão, a inquisição e a pena de morte e todas foram abolidas”.

Felizmente! É exatamente porque os homens são diferentes dos animais que não é admissível que qualquer humano seja tratado como outra coisa que não seja como um ser humano, estamos a falar de direitos humanos. É essa a diferença. O PAN quer criar uma lógica animalista e o que o animalismo tem na base é a ideia de que os animais e os humanos são iguais, que não há diferença.

O que o animalismo faz é reduzir o valor da vida dos humanos e isso é um perigo real na nossa civilização que nós não podemos admitirO que é, para si, o animalismo?

É um perigo em termos civilizacionais. A ideologia animalista do PAN relativiza os direitos humanos. Ao invés de elevar a vida dos animais, o que o animalismo faz é reduzir o valor da vida dos humanos e isso é um perigo real na nossa civilização que nós não podemos admitir.

A visão do PAN é um perigo em que medida?

Na medida em que reduz a importância dos direitos humanos e daquilo que é ser humano. O PAN tem uma visão animalista da realidade porque quer impor uma lógica de igualdade entre homens e animais e, com isso, o que está a fazer é a dirigir um ataque aos direitos humanos. A verdade é que o PAN tem uma visão autoritária da realidade e não admite qualquer diversidade do seu pensamento, pois acha que tem de impor aos cidadãos o que devem poder fazer e pensar em termos culturais. Nada distingue esta abordagem de qualquer seita ou movimento fanático e radicalista que conhecemos nos dias de hoje.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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