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"Deus colocou-me neste caminho para me opor à desumanidade da Igreja"

Krzysztof Charamsa, o padre gay que revelou ao mundo a sua homossexualidade, é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto, no dia em que o seu livro 'A Primeira Pedra - Eu, padre gay, e a minha revolta contra a hipocrisia da Igreja', é lançado em Portugal.

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Patrícia Martins Carvalho
26/10/2016 11:45 ‧ 26/10/2016 por Patrícia Martins Carvalho

Mundo

Krzysztof Charamsa

Depois de décadas ao serviço de uma Igreja que “humilha” os gays, Krzysztof Charamsa aconselha os jovens homossexuais que querem ser padres a pensarem muito bem e a lerem tudo o que a instituição escreve.

Para este padre, já não de profissão, mas de "vocação", o importante é a felicidade.

Não diz se quer ter filhos, mas admite ter um grande “sentimento de paternidade”. Eduard, o seu companheiro, foi um "dom de Deus" que lhe "deu a mão", ajudando-o a libertar-se da "mentira".

Hoje, sabendo o que sabe, teria tomado novamente a decisão de ser padre?

Não sei o que faria. É difícil. Acho que se fosse hoje exigiria à minha Igreja que resolvesse a sua paranoia com a homossexualidade. Mas eu toda a vida quis ser padre, mesmo sendo gay. E acho que sou um bom padre, trabalhei bem no meu ministério. E vejo sentido no meu sacerdócio. Foi um caminho que fiz, um caminho no qual Deus me colocou para me opor à desumanidade da Igreja.

Então o que diz aos jovens que são homossexuais e que querem ser padres?

Digo-lhes – aos que me enviam emails a pedir conselhos – que leiam tudo o que a Igreja ensina sobre a homossexualidade que, basicamente, são ofensas irracionais, como o facto de não sermos capazes de nos adequarmos à vida social. E lembro-lhes que isto lhes toca a eles. Digo-lhes que devem pensar muito bem, porque não podem ir para uma instituição que os obriga a pensar neles próprios de uma forma tão asquerosa. ‘Poderás ensinar isto como sacerdote?’, pergunto. E se dizem que sim então digo que serão hipócritas, porque devem dizer à Igreja que está errada. É essa a obrigação de um padre: dizer a verdade.

Sente falta da Igreja?

Há coisas das quais sinto falta como pregar, celebrar missas… mas a Igreja não me faz falta, eu estou na Igreja porque sou batizado. Podem dizer que sou um padre no exílio, mas eu estou na Igreja.

O que faz agora?

Sou ativista dos direitos humanos e sou escritor de profissão, mas também tenho atividades de sacerdócio, de contacto com as pessoas, quase de confissão. As pessoas enviam-me emails a pedir ajuda, a pedir conselhos e muitas vezes as 24 horas do dia não chegam. Mas, acima de tudo, estou feliz. Tenho muito trabalho, tenho muitos projetos e dou conferências.

E pensa ter filhos?

[Risos] Prefiro responder a esta pergunta em conjunto com o Eduard. Numa relação de um casal é importante esta igualdade. Eu falo por mim, mas sobre nós falamos juntos. Mas sim, eu tenho um sentimento de paternidade. Há muitas pessoas que não querem ter filhos e é respeitável porque se dedicam à sociedade de outra maneira e não sentem esta vocação. No entanto, mais uma vez, a Igreja persegue estas pessoas porque defende que devem procriar.

Toda a vida quis ser padre, mesmo sendo gay. E acho que sou um bom padreA paternidade espiritual já a exerci na Igreja, embora a mesma instituição diga que nós, os homossexuais, não somos capazes de exercer a paternidade, não temos maturidade afetiva para tal. Mas para mim a paternidade é muito mais do que dar vida a uma criança, é dar amor no dia a dia.

A sua família foi alvo de discriminação quando se revelou publicamente?

Eles [mãe, irmão, irmã, sobrinhos] sofreram com o isolamento. A minha mãe é muito sensível a estas coisas e isto são experiências horríveis de sofrimento. Antes de eu convocar a conferência de imprensa, o meu irmão explicou aos meus sobrinhos que os próximos dias iam ser difíceis e que as pessoas iam falar mal de mim. Dias depois os meninos vieram da escola e a minha sobrinha, quase a chorar, disse ao pai: ‘disseste que ia ser o tio a sofrer, não eu’… Ao mesmo tempo eu estava na Catalunha, feliz, com as pessoas a reconhecerem-me na rua e a darem-me os parabéns pela minha coragem.

Mas na Polónia foi muito mais difícil. Durante um mês houve uma perseguição na televisão

Políticos que diziam 'este porco a quem eu dava abraços, como pôde fazer isto publicamente?' e outras coisas deste género

Não sei como será quando o livro for editado na Polónia [em 2017]… Mas a minha família é muito forte e agora é defensora dos direitos dos homossexuais. É uma família de uma grande fé, mas não fundamentalista. A minha mãe é uma mulher de Deus e tem uma força incrível, mas é duro porque há uma pressão muito forte.

Como foi o regresso à Polónia depois da saída do armário?

Tive a sorte de ter encontros bonitos, também houve outros menos bons com as pessoas a apontarem para mim e para o Eduard e a sussurrarem, mas o balanço é positivo.

Depois de toda a provação pode dizer que é feliz?

Não se vê? [risos]. Sou feliz, sou muito feliz. Entendi a minha vocação como o trabalhar para que as pessoas sejam felizes e não como o dominar o outro. Quando és feliz queres fazer algo para que os outros possam ser contagiados pela tua felicidade e possam encontrar o sentido da vida e é isso que Deus quer. A santidade é a felicidade, a coragem de tomar decisões de acordo com a tua consciência. Não é por acaso que beato significa feliz. Beatificação é dizer que a pessoa está feliz no céu, mas antes de ser feliz no céu devemos ser felizes aqui, na Terra. Não podemos ser hipócritas e fariseus porque isto não é felicidade.

*Leia a primeira parte desta entrevista aqui.

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