Não muda de ideias em relação ao Governo e aos partidos que o sustentam e acredita que “todos querem um lugar ao sol e acham que podem chegar ao Parlamento”. Marinho e Pinto é crítico em relação a Durão Barroso e à justiça portuguesa e, um ano após a detenção, não compreende as razões que motivaram a prisão de José Sócrates.
Pouco depois de o Governo PS tomar posse em acordo com a Esquerda apontou-lhe "falta de ética". O ano que passou foi suficiente para mudar de opinião em relação ao Executivo e aos partidos que o suportam?
Eu não mudo de opinião sobre determinados aspetos, a não ser que a realidade demonstre que estou errado. Esta solução de Governo não foi proposta aos eleitores. Muitos votaram PS na convicção de que o partido jamais faria uma aliança com PCP e Bloco de Esquerda. Isto é enganar os eleitores. O PS construiu a sua identidade política contra o PCP, o PCP fez o mesmo contra o PS. De repente, sem nenhum debate interno nesses partidos, caem nos braços um do outro. O que é que mudou? Foi a ganância do poder e os benefícios que este traz às clientelas dos partidos.
Às ultimas legislativas concorreu um elevado número de pequenos partidos. É um sinal de que os portugueses deixaram de estar conformados com o chamado arco da governação?
O fenómeno de haver muitos partidos tem outra origem: todos querem um lugar ao sol e acham que podem chegar ao Parlamento sem ter propostas. Muitos partidos limitam-se à repetição de frases ocas sem um ideário identitário. A vaidade de algumas pessoas!
Os ingleses demonstram que é possível estar fora da União Europeia e, geralmente, têm razão antes do tempo
De que forma olha para a ascensão de partidos extremistas na Europa?
A ascensão de partidos extremistas é resultado de erros dos próprios dirigentes europeus. Noto que o fenómeno ocorre sobretudo nos países ricos da Europa (França, Áustria, Alemanha, Finlândia, Holanda…). Inglaterra saiu da União Europeia e fez a primeira grande ferida narcísica aos europeístas. Os ingleses demonstram que é possível estar fora da União Europeia e, geralmente, têm razão antes do tempo. Vamos ver se a Europa aprende e é capaz de corrigir o seu caminho com discursos para os povos.
Acha que a saída do Reino Unido é uma lição para a União Europeia ou é o prelúdio do fim?
É um facto mau para a União Europeia, muito mau. Mas num facto mau, se tivermos humildade e inteligência, podemos tirar grandes lições e corrigir eventuais consequências nefastas.
Se a Europa não aprender a lição há o risco de outros países seguirem o mesmo caminho?
Há. Estamos muito próximos de barris de pólvora na Europa e no mundo, que é hoje mais inseguro do que no tempo da Guerra Fria. Nesse tempo, o equilíbrio de poderes era uma garantia de paz. Agora, muitos estão a dar passos em falso. E são os povos quem deve começar, mudando os dirigentes.
Durão Barroso esteve na presidência da Comissão Europeia a tratar da sua vidinha
Está entre os deputados que pediram à provedora de Justiça Europeia uma investigação à nomeação de Durão Barroso para a Goldman Sachs. Porquê?
É promiscuidade. O dr. Durão Barroso esteve na presidência da Comissão Europeia a arranjar bons lugares e a tratar da sua vidinha. Nunca seria presidente de nenhum banco – até porque não tem qualificações para isso – se não tivesse tido aquele cargo. Se calhar é a forma de o banco lhe pagar as decisões que tomou a seu favor. Isso fazem muitos aqui em Portugal: ministros que saem do cargo e vão ocupar o lugar na administração de empresas com as quais negociaram em nome do Estado ou empresas estrangeiras que eles próprios instalaram em Portugal.
É justo, portanto, que tenha perdido os privilégios de ex-presidente da Comissão Europeia?
Eu propus à Comissão Europeia que se investigassem as decisões que ele tomou relacionadas com o Goldman Sachs. Ninguém vai investigar. Antes de Durão Barroso houve outros e depois vai haver mais. Serão aqueles que agora podiam tomar uma decisão para sanear esta decisão mas não o fazem porque também querem. Os cargos políticos em Portugal e na Europa são bons para arranjar lugares para defender os interesses daqueles que os ocupam.
Ano após ano, arrastam-se nos tribunais megaprocessos como a Operação Marquês, o BES, BPN. O que é que está a falhar? Faz falta celeridade à justiça portuguesa?
Falta uma nova formação dos magistrados. Estamos num modelo de justiça de há 200 ou 300 anos. É preciso pessoas profundamente democratas e empenhadas nos valores humanistas, bem preparadas tecnicamente e civicamente. É preciso um novo paradigma do magistrado. É evidente que há questões secundárias, mas esta é a principal.
Ainda há muitas pessoas acima da lei
A prisão de José Sócrates, um antigo primeiro-ministro, provou que ninguém se sobrepõe à justiça, independentemente do estatuto social?
Não, ainda há muitas pessoas acima da lei. Isto, para já, não prova nada. Eu gostava de ver a acusação, os factos concretos, as decisões que terá tomado em troca dos benefícios económicos que lhe são imputados. Ao fim de mais de três anos de investigação e um ano de cadeia, não temos acusação. A justiça portuguesa dá de si própria a ideia de uma farsa. Há pessoas presas que não deviam estar na cadeia. Mas estão porque não há uma cultura nos tribunais portugueses pela liberdade das pessoas.
Pareceu-lhe uma prisão precipitada?
Hoje, parece que um dos fundamentos da prisão era o perigo de fuga de uma pessoa que está a regressar a Portugal. Se ele já foi preso e saiu da prisão e continua aqui, digam-me porque é que o prenderam e que benefício trouxe à investigação a prisão dele. A cultura dos magistrados é prender primeiro e depois investigar. E a minha cultura é investigar discretamente e depois, se for caso disso, prender.
Agressão em Ponte de Sor “é um crime que vai ficar impune porque os Estados querem
De que forma olha para o caso que envolve os filhos do embaixador iraquiano em Portugal, com imunidade diplomática?
Na minha opinião, um crime deve ser julgado no país em que foi cometido. Mas nunca ninguém questionou esta exceção antes. A imunidade diplomática devia ser discutida quando foi aplicada. Além disso, é recíproca. [Aplica-se] também a embaixadores portugueses no estrangeiro. Houve inclusivamente um embaixador apanhado a conduzir com uma taxa elevada de alcoolemia que ficou impune. Quando é com os outros, somos muito justiceiros. Quando é connosco, somos muito permissivos. Não devemos querer para os outros o que não queremos para nós.
Mas devia a imunidade diplomática ser levantada?
Não, se a lei não o permite. É uma realidade que existia antes, não foi criada especificamente para este caso. Se querem questionar a lei, devem alterá-la para futuro. Para mim, é um crime que vai ficar impune porque os Estados querem.
Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.