Líder do PSD/Açores desde 2012, Duarte Freitas é perentório ao afirmar, em entrevista ao Notícias ao Minuto, que o PS se considera “dono do regime” e que “é o Governo Regional que muitas vezes quer mandar na sociedade”, mesmo manifestando o que diz ser a capacidade de “passar pelos pingos da chuva”.
Assim é, aponta o social-democrata, em relação aos dados de utentes e crianças açorianos divulgados online, matéria sobre a qual o Partido Social Democrata “exige responsabilidades”.
Com temas como a Saúde, Educação, Agricultura e Pescas a atravessar dificuldades, diz Duarte Freitas que “o que salva a economia dos Açores é o turismo”, em parte por mérito de Passos Coelho, que “ foi teimoso” ao insistir na liberalização do espaço aéreo.
Foi reeleito líder do PSD/Açores. Que batalhas pretende travar no próximo mandato que não tenham sido travadas no primeiro?
Apresentamos um programa eleitoral e de governo do qual muito nos orgulhamos e que foi sufragado por 31% dos açorianos. Desde que o PS está no Governo (1996) foi a menor diferença percentual entre os dois maiores partidos. Por outro lado, o PS teve a menor percentagem de votação de sempre. Isso dá-nos uma responsabilidade muito grande como maior partido da oposição. A melhoria da qualidade de vida dos açorianos é o nosso principal objetivo, a par do reforço da nossa economia e a melhoria da democracia nos Açores.
Talvez no Continente não haja a perceção da falta de equilíbrio de poder que as democracias modernas e consolidadas têm. Nos Açores, é o Governo Regional e quase mais nada. É o Governo que manda no Parlamento, num orçamento muito impositivo para os Açores e é o Governo que muitas vezes quer mandar na sociedade. E cabe à oposição ter um trabalho mais do que político, quase de cidadania e em prol da democracia, dos chamados ‘checks and balances’.
Aquilo que pretendemos nesta legislatura é ser uma oposição ativa, que fiscaliza, escrutina e propõe, ao mesmo tempo que constrói uma alternativa. O Partido Socialista já começou a perder muitos votos mas ainda não começou a perder eleições. Temos de mostrar aos açorianos que há uma outra opção.
Que prioridades pode apontar?
Há uma prioridade essencial que tem a ver com o emprego. Em 2016, tivemos um crescimento muito grande dos dependentes do rendimento social de inserção e dois terços das crianças necessitam de apoio de ação social escolar. Temos um desemprego demasiado alto e, para que a economia atinja outro dinamismo, temos de dar mais força aos empresários e ao setor privado e, simultaneamente, acudir a quem mais precisa.
No que respeita à Saúde, é de referir que a nível nacional há cerca de 10% dos portugueses sem médico de família, enquanto nos Açores essa percentagem é 20%. Há muito, muito trabalho a fazer nesses setores.
O que nós exigimos é que o Governo Regional se responsabilize. (…) O Governo Regional, nomeadamente o presidente, é especialista em passar pelos pingos da chuva
Dados de cerca de 230 mil utentes dos Açores estiveram disponíveis no site da ARS do Alentejo. O PSD classificou a situação de “demasiado grave”. É necessário que se apurem responsabilidades e se faça justiça?
No Parlamento nacional falou-se disto, o ministro da Saúde falou disto e nos Açores uma administradora de uma sociedade do setor público-empresarial é que deu a cara. O que nós exigimos é que o Governo Regional se responsabilize. Ao fim e ao cabo, são os dados de 230 mil açorianos que estiveram disponíveis e vieram de uma estrutura que é tutelada por um governo regional. Em última instância é o Governo o responsável. Há um outro pormenor. Sabe qual é a coincidência entre a ARS do Alentejo e a Saudaçor? A doutora Zorrinho, ilustre socialista, que esteve na ARS do Alentejo e esteve na Saudaçor. Não estou a dizer que esta saía de dados tem a ver com ela, mas é o único ponto em comum. Mais importante do que isso é saber, de facto, quem é que foram os responsáveis. Isto é demasiado grave.
Depois disso, dados de crianças de escolas de Angra do Heroísmo foram expostos na internet. Isto é demasiado grave. Alguém vai ter de ser de novo responsável. Espero que, tal como na Saúde, na Educação o Governo não se tente pôr à margem disto. Alguém tem de assumir responsabilidades. Quando é inaugurado um hospital, quem vai lá é o presidente do Governo Regional. Quando há um problema na Saúde, é o presidente do Governo que tem de responder, mesmo que não queira. Isto é demasiado grave para passar impune. O Governo Regional, nomeadamente o presidente, é especialista em passar pelos pingos da chuva.
Como é que correu o debate do Orçamento?
Desde 1982 que todos os orçamentos e planos tiveram o voto contrário do maior partido da oposição, com três exceções: em 1992 e em 2013 e 2014, com o PSD já sob a minha liderança. Era o período mais forte de crise e abstivemo-nos para dar todas as condições ao Governo para tentar ultrapassar a crise. Apresentámos propostas como temos vindo a apresentar sempre, que não visavam mudar o Governo. Visavam simplesmente melhorar a vida dos açorianos. Foram praticamente todas chumbadas pela maioria, como é habitual. Mas a verdade é que já no passado um conjunto de propostas que apresentámos acabou por ser adotado pelo Governo passados uns meses, chamando-lhes outros nomes, chamando-lhes suas. Nós não temos problemas com isso, queremos é que as nossas boas propostas sejam postas ao serviço dos açorianos.
O PSD admitiu há dias que a pesca nos Açores está “nos cuidados intensivos”. O que é que precisa de ser feito pelos pescadores?
Os dados macroeconómicos dizem que o PIB dos Açores se mantém estável desde há cinco ou seis anos. E, tendo subido (dados provisórios) 2% no último ano, a verdade é que de 2012 a 2016 foi decrescendo sucessivamente. A situação económica nos Açores tem vindo a piorar, temo-nos afastado da média nacional, e há razões para isso. A agricultura tem atravessado enormes dificuldades, o setor leiteiro (que é o coração da nossa economia) por via do fim das quotas leiteiras e da crise internacional tem atravessado enormes dificuldades, também porque não nos preparámos atempadamente nos Açores. Produzimos leite de excelente qualidade na pastagem mas depois este não sofre a devida transformação para que ao longo da fileira ganhe valor. Os agricultores são muito penalizados.
E os pescadores têm enormes dificuldades. Nós dissemos que as pescas estão nos cuidados intensivos, mas quem disse há um ano e meio que as pescas precisavam de um resgate foi Vasco Cordeiro. Há pescadores que têm rendimentos de menos de 100 euros por mês e há uma outra situação: no atual quadro do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), é possível haver apoios para as paragens biológicas. Ora, o Governo Regional nunca quis assumir que nalgumas espécies temos um problema de sustentação (e que cometeu erros) e, por essa razão, não pode aceder a esses fundos. Desta feita, não só os pescadores não são devidamente compensados pelas perdas de rendimento como continuamos a pôr em risco a sustentação das pescas, que estão numa situação muito grave. Precisamos de mais rendimento e dignidade para os pescadores e precisamos de um outro tipo de política.
Mas, em relação ao turismo, devo dizer que está a subir imenso e esta é uma belíssima notícia para os açorianos. O PIB per capita dos Açores vinha a descer nos últimos anos e poderá ter sofrido uma inflexão em 2016 (segundo dados provisórios terá crescido 2%), sendo que o grande contributo foi do turismo.
Aquilo que tem salvo de alguma forma a economia dos Açores é o turismo
Para tal terá contribuído a chegada de companhias aéreas low cost aos Açores?
Exatamente. Naquilo que é responsabilidade exclusiva do Governo Regional (Educação, Saúde, Agricultura e Pescas), os Açores têm vindo a piorar. Aquilo que tem salvo de alguma forma a economia dos Açores é o turismo. E salvou porque aconteceu algo que o Governo Regional não queria, que é a liberalização do espaço aéreo. Há afirmações de Vasco Cordeiro contra as low cost, do socialista Francisco César contra a liberalização do espaço aéreo, e foi o Governo de Pedro Passos Coelho que tomou a melhor medida dos últimos 15 anos para os Açores. Porque ele [Passos Coelho] foi teimoso e resistente em relação ao que o Governo Regional queria (proteger os interesses instalados). [O PS] acabou por ceder e tivemos o ‘boom’ dos transportes aéreos e do turismo. Mas agora confrontamo-nos com outra questão no turismo: tem vindo a crescer muito mas temos de o consolidar. Temos de qualificar a nossa oferta, quer seja nas infraestruturas, quer seja nos serviços prestados.
Aos portugueses que pensam nos Açores vem imediatamente à cabeça o leite e queijo açorianos. Que outros aspetos apontaria para convencer os portugueses e estrangeiros a visitar os Açores?
Eu sou suspeito. Os Açores são a terra mais bonita do mundo, são uma maravilha com diferentes ilhas, diferentes cenários e diferentes ofertas. Cada ilha é fantástica e, no seu global, os Açores são um espaço lindíssimo, das ilhas mais bonitas do mundo segundo estudiosos internacionais. Vale a pena cá vir, não só pela beleza como pela segurança, tranquilidade, gastronomia e simplicidade dos açorianos, que gostam de receber e têm orgulho, como eu tenho, em mostrar a beleza que temos nos Açores. Isso hoje em dia está muito mais fácil por via das low cost e é também fácil aceder à internet e marcar alojamento num espaço rural.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.