João Semedo partilhou a liderança do Bloco de Esquerda, entre 2012 e 2014, com Catarina Martins, numa altura frágil do partido. Ultrapassadas as dificuldades desse tempo, temos um BE "muito mais forte", com uma "influência importante" na recuperação daquilo que Passos e Portas tinham retirado aos portugueses.
Para Semedo, a liderança do Bloco é, nesta fase, incontestável. Já sobre a Geringonça, que se tem pautado pela "inteligência" dos envolvidos, não faz "futurologia" por acreditar que "não há formatos eternos" e que "as soluções servem em função das circunstâncias".
Lamenta que no Porto o PS esteja a apoiar Rui Moreira, juntamente com o CDS. Numa fase de entendimento com a Esquerda no plano nacional, entende que seria "natural" a Esquerda juntar-se no Porto para conseguir uma maioria de Esquerda na câmara. Acusa ainda o atual autarca de apenas querer aumentar a receita da câmara "à custa dos moradores dos bairros sociais".
Sobre o Presidente da República, considera que Marcelo dessacralizou o cargo, mas não concorda com a forma como se comporta, ao 'invadir' o espaço governativo por "motivações políticas".
Como olha para o Bloco de hoje? Comparando-o com o do seu tempo, este é um Bloco mais forte?
Muito mais forte, claro, não tenho qualquer dúvida sobre isso, aliás, creio que ninguém terá qualquer dúvida sobre isso. A força do Bloco vê-se bem. O Bloco tem hoje uma influência importante no curso político do país, sobretudo no que respeita à recuperação dos direitos, rendimentos, serviços públicos, economia e emprego que a troika e o governo de Passos e Portas tinham retirado aos portugueses. Sem a influência do Bloco esta evolução não teria sido possível. Sozinho não seria esta a política do PS.
Contribuiu para isso o tal rejuvenescimento do partido e a ascensão de deputados como é o caso de Mariana Mortágua?
O Bloco de Esquerda sempre foi um partido com muitos jovens, é um partido de que a juventude gosta. Claro que isso dá força ao Bloco mas julgo que hoje o Bloco tem uma influência muito transversal na sociedade, tem influência nos diversos escalões etários e grupos sociais. A juventude do nosso grupo parlamentar é tanto consequência como causa do rejuvenescimento de que fala.
Pode começar a pensar-se na hipótese de vir a ser a própria Mariana líder do Bloco? Ou a Marisa Matias...
Se há problema bem resolvido no Bloco é o da liderança, a liderança a cargo de Catarina Martins. Não sinto nem há qualquer motivação no Bloco para falar agora dessas ou de outras hipóteses.
A solução governativa suportada, também, pelo Bloco - a dita Geringonça - foi uma surpresa para si?
Perante os resultados eleitorais, não posso dizer que tenha sido uma surpresa. Foi, a partir daqueles resultados, uma construção que revelou grande capacidade, inteligência e sensibilidade políticas dos dirigentes envolvidos, sem exceção, portanto, estou a incluir os do BE mas também os do PS, PCP e Verdes.
Houve quem afirmasse, comentadores e políticos, que o PS estava refém ou nas mãos do Bloco e do PCP que o impediam de levar adiante reformas necessárias. Disse-o, por exemplo, Francisco Assis, mas também Passos Coelho ("o problema não é o PS governar porque perdeu as eleições mas sim o governo estar refém do Bloco de Esquerda", afirmou). O que tem a dizer a estas vozes?
A primeira coisa que devo dizer é que essa concordância causa alguma estranheza, dá que pensar ver Francisco Assis e Passos Coelho a ter a mesma opinião sobre a maior mudança verificada à Esquerda em mais de 40 anos. Que Passos Coelho diga isso, não era de esperar outra coisa, mas Assis dizer o mesmo é bastante incompreensível. Quando se faz um acordo e se pretende respeitá-lo, todas as partes ficam comprometidas, ficam agarradas aos termos desse acordo, é assim em tudo, não é assim apenas na política, isso não torna ninguém refém seja de quem for.
Ninguém está refém de ninguém. A autonomia do Bloco é bem claraAliás, tem sido bem visível como o BE tem assumido com inteira liberdade e autonomia as suas posições políticas de divergência com o PS e o seu Governo. Ninguém está refém de ninguém. A autonomia do Bloco é bem clara nas posições que assumimos sobre a União Europeia, o euro, a dívida pública, a banca ou o sistemático recurso ao dinheiro dos contribuintes para tapar os enormes buracos escavados nos bancos pela incompetência, ganância ou roubalheira dos seus administradores.
A recuperação de rendimentos, direitos, serviços públicos, economia e emprego são a marca dos acordos celebrados entre aqueles partidos e constituem a meu ver as mudanças necessárias ao progresso do país e ao bem estar dos portugueses. O que esses comentadores não perdoam é o PS ter-se entendido com a Esquerda e o que pretendem é o regresso à austeridade.
Chegará a Geringonça ao fim da legislatura e de boa saúde?
Não vejo qualquer razão para que assim não seja, o Governo e a maioria parlamentar têm sabido, e confio que continuarão a saber, superar as dificuldades que inevitavelmente a difícil situação do país e as pressões europeias vão colocando no seu caminho.
As divergências entre Governo e Bloco e PCP são todas superáveis? Até que ponto? Tudo é passível de ser negociado?
Claro que não. Persistem divergências que não são fáceis de ultrapassar no domínio da legislação laboral, do sistema financeiro, da dívida pública e da política europeia.
Geringonça? Não há formatos eternos, as soluções servem em função das circunstâncias
É desejável que a Geringonça continue tal como tem sido até aqui?
Esta fórmula existe para responder a um certo quadro político muito marcado pela urgência de correr com a Direita do Governo, não deixar a Direita governar, para travar o empobrecimento do país, das pessoas, da economia, e recuperar o rendimento dos trabalhadores e dos reformados. Noutro contexto político, ver-se-á, não quero fazer futurologia. Não há formatos eternos, as soluções servem em função das circunstâncias.
António Costa tem cumprido bem o papel de afastar a austeridade do país? Tem sido um bom primeiro-ministro?
Faço um balanço positivo, houve uma significativa alteração em diversos domínios, a austeridade foi substituída pela aumento dos salários e das reformas e pela redução da carga fiscal sobre os trabalhadores, isso é muito positivo e é o contrário da política que a direita vinha aplicando. Os portugueses sentem a diferença e sabem que ela é para melhor.
E o Novo Banco, foi bem resolvido?
Não, o Governo e o Banco de Portugal 'ofereceram' o Novo banco a um fundo americano em condições que vão, mais tarde ou mais cedo, penalizar os contribuintes.
Sobre as autárquicas, o que lhe disse a sua família quando tomou a decisão de entrar nesta corrida?
O mesmo que sempre disseram sobre a minha militância política: “conta connosco”.
Quais são as expetativas do Bloco para o Porto, a segunda maior câmara do país?
O Bloco quer estar no próximo executivo camarário para poder concretizar as propostas que apresenta aos eleitores e para isso tem de eleger vereadores. É esse o nosso objectivo e a nossa expectativa. Confiamos que os eleitores nos apoiem. O Bloco estar na câmara é uma garantia de soluções equilibradas mas também de transparência nas decisões.
O que há para mudar e melhorar na Invicta?
Centro-me no mais importante: evitar que a cidade continue a perder habitantes. Isso exige uma intervenção forte da câmara no mercado da habitação – construção e reabilitação - para baixar os preços e permitir que outros que não os muito ricos possam viver no Porto. E exige também uma política integrada e articulada para promover a qualidade de vida e garantir a igualdade e os direitos sociais dos cidadãos do Porto, com particular atenção aos mais idosos, cuja situação é de grande fragilidade e vulnerabilidade, grande solidão, muito isolamento.
A independência do dr. Rui Moreira é muito relativa, tanto no mandato que vai terminar como no futuro. Estão todos atrelados uns aos outrosCDS e PS apoiam o independente Rui Moreira. O PSD escolheu um independente (Álvaro Almeida). Ser independente é o que 'está a dar' agora? Ser independente soa melhor do que ser e dar a cara por um partido?
Sempre achei que não é a independência ou a filiação partidária que decide da justeza e acerto das propostas e da intervenção política. Nas listas do Bloco vão estar vários independentes, homens e mulheres sem partido mas que querem contribuir para o futuro do Porto e apostam no Bloco para potenciar e valorizar esse seu empenhamento, essa sua contribuição. No Bloco não distinguimos entre aderentes e não aderentes, numa lista puxam todos para o mesmo lado e é isso que apreciamos, o contributo de cada um.
Aproveito para dizer que a independência do dr. Rui Moreira é muito relativa, tanto no mandato que vai terminar como no futuro. Este mandato foi cumprido na base de acordos com o PS e o CDS e, para se recandidatar, o dr. Rui Moreira vai alargar esses acordos, o acordo além de programático vai incluir a negociação das próprias listas para os órgãos autárquicos. O dr. Rui Moreira está muito dependente de acordos partidários, com o PS e o CDS, exactamente como estes estão e ficam na dependência do dr. Rui Moreira, ao abdicarem de listas e programas próprios.
Enfim, como já disse numa outra entrevista, estão todos atrelados uns aos outros, o PS, o CDS e o dr. Rui Moreira. No Porto, o PS entende-se com a Direita, com o CDS e com Rui Moreira, para governar o país entendeu-se com a Esquerda, com o BE, o PC e os Verdes. Manuel Pizarro colocou o PS no Porto numa situação subalterna, percebo bem o desagrado dos membros do PS por esta opção, ainda por cima assumida num momento de entendimento com a Esquerda no plano nacional. Natural seria a Esquerda juntar-se no Porto para conseguir uma maioria de Esquerda na câmara. Lamento que Manuel Pizarrro prefira uma aliança com a Direita, com o CDS e Rui Moreira.
Como avalia o trabalho de Rui Moreira na autarquia do Porto? Que críticas lhe apontaria?
Frustrante e desequilibrada. Há muita promessa, muito anúncio mas pouca obra. Mudou a política cultural, mudou a relação com a cidade. Mas aos poucos, vamos tendo um presidente que se incomoda com muita facilidade com a crítica e com as opiniões diferentes, um presidente a perder aquela cordialidade dos primeiros tempos. Até já entrou em conflito com o JN, como tinha acontecido com Rui Rio.
Há cada vez mais duas cidades, a do centro - a Baixa, o centro histórico - e depois há tudo o resto. A primeira recolhe todas as atenções da câmara, a segunda está esquecida e é onde vive a maioria esmagadora dos portuenses. A câmara centra-se nos negócios, sejam os do turismo sejam os do imobiliário, tantas vezes associados, as pessoas e os seus problemas ficam para segundo plano. Para Rui Moreira, a cidade cresce se o mercado crescer e o mercado cresce com o turismo.
Não penso assim, a cidade são as pessoas que aqui vivem, trabalham ou estudam, são elas que fazem a cidade andar para frente, são elas que põem a economia a carburar. Os negócios são bons para os investidores, em muitos casos não trazem um benefício mínimo para as pessoas, para a cidade e a sua economia, em geral apenas o investidor beneficia do lucro desse negócio. É necessário centrar a política municipal nas pessoas.
Há muita preocupação com o negócio e com os turistas mas muito pouca atenção com as pessoas, com os portuenses. Apenas um exemplo: é inaceitável que o Parlamento aprove uma lei para baixar as rendas e a dupla Rui Moreira/Manuel Pizarro decida aumentá-las para metade das famílias que vivem nos bairros sociais, em média mais dez euros mensais. Rui Moreira é má companhia para Manuel Pizarro, para o PS.
O PSD e o CDS conduzem-se por aquela conhecida máxima do "quanto pior melhor"A nível nacional, como vê a atuação dos partidos da oposição PSD e CDS?
O PSD e o CDS conduzem-se por aquela conhecida máxima do “quanto pior melhor”, esperam e desejam que o actual Governo seja mal sucedido e que os acordos estabelecidos entre o PS, o BE, o PC e os Verdes não resolvam os problemas do país e dos portugueses. Enfim, querem que tudo corra mal. Continuam reféns da política de austeridade que aplicaram em Portugal durante quatro anos, limitam-se a propor mais cortes e mais submissão aos mercados, aos credores e à União Europeia. Não sabem governar de outra maneira.
Marcelo tem esta atuação por razões e motivações políticas: ao 'invadir' o campo do Governo está a condicionar, influenciar e moldar a governaçãoE do Presidente da República? Comparar Marcelo a Cavaco é como falar do dia e da noite?
As diferenças são tão flagrantes que me dispenso de as comentar. Os portugueses já não suportavam Cavaco, a sua má imagem tem funcionado como uma vantagem para Marcelo. Julgo que o mais marcante em Marcelo, até agora, é a maior proximidade à sociedade, aos portugueses, que trouxe à função presidencial. De certa forma, dessacralizou a presidência, acho isso positivo.
Se tivesse de apontar uma crítica a Marcelo Rebelo de Sousa, qual seria?
Nem sempre o Presidente respeita o limite das suas competências constitucionais, demasiadas vezes comporta-se mais como primeiro-ministro do que como Presidente da República. Um exemplo claríssimo: ao longo do complicado processo da CGD o presidente excedeu-se na sua intervenção. O resultado é claro: Marcelo também é atingido pelos estilhaços de um processo que correu muitíssimo mal, não se livra de críticas que deviam ir inteirinhas para o Governo e para os administradores nomeados para a CGD.
Estiveram mal o Governo e os administradores mas, também, o presidente. Marcelo não é assim por estar sempre a comentar tudo e mais alguma coisa, Marcelo tem esta atuação por razões e motivações políticas: ao 'invadir' o campo do Governo está a condicionar, influenciar e moldar a governação. Percebo isso mas discordo, por que não é esse o papel de um presidente da República.
Sendo a esperança a última a morrer, no caso da União Europeia, até a esperança já morreuPara terminar, pergunto-lhe: ainda há esperança para esta União Europeia (UE)?
Do meu ponto de vista, é caso para dizer que sendo a esperança a última a morrer, no caso da UE, até a esperança já morreu. A mais recente decisão de formatar a UE a duas velocidades significa exatamente a aceleração do seu processo de desintegração, processo que certamente não será nem linear nem instantâneo mas que não deixará de agravar as desigualdades já hoje existentes na União, acabando por comprometer a sua sobrevivência. Sem coesão social e económica não há futuro para a UE, o projeto da UE necessita dessa coesão.
O melhor para Portugal seria seguir o caminho do Reino Unido?
Não creio que se deva simplificar, estas comparações são sempre muito equívocas. Cada Estado-membro da UE tem as suas características, a sua identidade, histórias diferentes, percursos próprios na integração europeia, são distintos os níveis de desenvolvimento económico e social, os problemas financeiros não são comparáveis. Repare o Reino Unido estava na UE mas nunca integrou a moeda única, o euro, ao contrário do que aconteceu com Portugal.
O que digo é que nos devemos preparar para todas as eventualidades e desde logo para sair do euro ou mesmo para o fim do euro. Continuar é persistir no empobrecimento e endividamento do país. Não vejo existirem na Europa condições nem fatores de mudança que permitam ultrapassar os constrangimentos de que estou a falar.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.